31 outubro, 2007

«Fados» de Carlos Saura - Da Tela Para o Palco



Para além de uma digressão em Espanha, com alguns dos nomes mais sonantes do fado - Mariza e Camané, entre outros -, como contraponto «ao vivo» do filme «Fados», de Carlos Saura, outro espectáculo prepara-se para subir ao palco à boleia do filme do realizador espanhol, segundo informa a agência Lusa: o espectáculo «Casa de Fados», inspirado na cena que encerra o filme e que reúne os fadistas Vicente da Câmara, Maria da Nazaré, Ricardo Ribeiro, Ana Sofia Varela (na foto), Pedro Moutinho e Carminho, sendo esta - que se encontra agora fora de Portugal - substituída ao vivo por Tânia Oleiro e contando ainda com a participação especial de Margarida Bessa. «Casa de Fados» - produzido pela Uguru e pela El Caiman - tem estreia em Portugal marcada para dia 29 de Novembro, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, com uma cenografia que incluirá a projecção de imagens do filme de Saura. A direcção musical é do guitarrista Pedro Castro, acompanhado por José Luís Nobre Costa (guitarra portuguesa), Jaime Santos (viola) e Joel Pina (viola-baixo). O mesmo espectáculo foi anteriormente apresentado em Espanha, em Julho, no Festival de Músicas de La Mar, em Cartagena, e a 19 e 21 de Outubro, em Las Palmas da Grande Canária. Antes disso, «Fados» terá uma projecção muito especial, com entrada gratuita, amanhã, quinta-feira, às 19h00, na Associação Cultural Moinho da Juventude, no Bairro da Cova da Moura, na Amadora, inserido nas comemorações dos vinte anos desta Associação, da qual faz parte o colectivo cabo-verdiano Kola San Jon, igualmente presente no filme.

30 outubro, 2007

Cromos Raízes e Antenas XXIX


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XXIX.1 - Buena Vista Social Club


Se a música cubana já era internacionalmente bem conhecida na altura da edição do álbum «Buena Vista Social Club» (1997), este projecto elaborado pelo norte-americano Ry Cooder veio ainda dar-lhe maior visibilidade e levou-a ao topo de preferências de inúmeros amantes das «músicas do mundo». Muito justamente, já que a música presente no álbum é absolutamente extraordinária e tem ainda o mérito de ter voltado a pôr na ribalta muitos músicos e cantores cubanos entretanto esquecidos, para além de uma excelente selecção de jovens músicos. No barco estavam a cantora Omara Portuondo, o cantor Ibrahim Ferrer, o pianista Rubén González, o guitarrista Eliades Ochoa, o trompetista Manuel «Guajiro» Mirabal e o percussionista Angá Díaz - alguns deles entretanto já falecidos -, entre outros. E «Buena Vista Social Club» foi o cadinho, feliz, de onde saíram muitos e bons álbuns individuais dos seus membros, para além de um filme, com o mesmo nome, de Wim Wenders.


Cromo XXIX.2 - Yat-Kha


Na vanguarda do rejuvenescimento da arte do «throat-singing» (o canto difónico, gutural, de Tuva), os Yat-Kha são um grupo extraordinário que mistura a música tradicional desta região russa do norte da Ásia com as linguagens do rock, muitas vezes um punk-rock eficientíssimo e abrasador. Liderados por Albert Kuvezin (guitarrista e cantor no velho estilo «kanzat kargyraa»), os Yat-Kha nasceram em 1991 como um duo de Albert com Ivan Sokolovsky (perito em electrónicas), mas evoluiu para uma banda de características mais rock quando Ivan saiu do projecto, depois da gravação do primeiro álbum, «Priznak Greyushii Byedi» (1991), e chegaram outros músicos ao grupo. Vários álbuns e inúmeras digressões por todo o mundo depois, o último álbum, «Re-Covers» (de 2005 e assinado Albert Kuvezin & Yat-Kha) mostra-os a fazer versões de muitos grupos rock, dos Joy Division aos Kraftwerk e Led Zeppelin.


Cromo XXIX.3 - Cajón


À semelhança do que acontece com o bouzouki - que, apesar de ser um instrumento associado à música «celta», nasceu na Grécia -, também o cajón não é um instrumento originalmente espanhol, mais especificamente uma «invenção» dos percussionistas do flamenco, mas sim um instrumento peruano, tendo entrado em Espanha apenas em meados dos anos 70, quando Paco de Lucia o incorporou no seu naipe de instrumentos depois de uma digressão na América Latina. O cajón é um instrumento afro-peruano sobre o qual existem documentos desde o Séc. XIX, sendo uma criação dos escravos africanos do Peru que - devido ao facto de serem proibidos os tambores nas suas festas e para comunicar entre si - começaram a usar um objecto de uso corrente, os caixotes (cájons) de madeira de transporte de mercadorias, como instrumento de percussão. Um instrumento que, depois, evoluiu para o cajón tal como o conhecemos agora.


Cromo XXIX.4 - Tarika


Os Tarika - palavra que significa simplesmente «o grupo» - são o mais importante grupo da riquíssima música de Madagáscar, uma ilha que se situa ao largo da costa de África, perto de Moçambique, mas que desenvolveu uma música muito própria que inclui elementos africanos, indianos e malaio-polinésios (estes os primeiros povos a colonizar a ilha). E, ouvindo-se a música dos Tarika - também conhecidos como Tarika Bé -, tudo isso faz sentido. Liderados pela fabulosa cantora Hanitra (aka Rasoanaivo Hanitrarivo), sempre bem acolitada pela sua irmã Noro, os Tarika fazem uma música excitante, riquíssima em «nuances» e com uma energia que põe toda a gente a dançar. E com a ajuda de instrumentos tradicionais - marovany, valiha, kabosy, jejy voatavo... - e também de guitarra e baixo, os Tarika já levaram a sua música a todo o mundo, tanto com esse nome como com o super-grupo paralelo Vakoka Project.

29 outubro, 2007

WOMEX - Toca Gaiteiro Que Nós Dançaremos!


No meio da dança, dos pulos, dos gritos e das palmas que algumas dezenas de portugueses semeavam na plateia durante o concerto dos Gaiteiros de Lisboa (na foto, de Carlos Mendes Pereira, do Punctum), na WOMEX de Sevilha, alguém disse «não somos mesmo nada imparciais, nós...». Pois, é que é bastante difícil ser imparcial quando, mais do que «objectos» de análise jornalística quem nós temos à nossa frente é um grupo de músicos nossos amigos. E quase todos os portugueses que estavam em Sevilha - jornalistas, músicos, produtores, editores, agentes, etc, etc... - reuniram-se para fazer claque, incluindo, claro, os jornalistas. Mais a mais, uma claque que não envergonhou ninguém porque - e agora é mesmo a objectividade a falar, juro! - os Gaiteiros deram um concerto brilhante, cheio de força, variado e seguríssimo, mesmo que o som tenha estado mais baixo do que aquilo que eles mereciam. Mas mesmo isso não impediu que, a meio do espectáculo, a festa já se tivesse espalhado do palco para os «tugas» e o resto do público. O concerto dos Gaiteiros foi o único oficial de artistas portugueses. Mas, dentro do recinto da Feira puderam ouvir-se pequenos showcases acústicos dos Dazkarieh, do Stockholm Lisboa Project e do fadista e pianista Mário Moita. E, com discos na bagagem, também por lá andavam artistas como Viviane e Hélder Moutinho e membros dos Deolinda, A Naifa, Toques do Caramulo e Blasted Mechanism, entre outros. Para além, claro, de uma larga representação da «indústria» musical portuguesa.

Dos outros concertos e showcases nos cinco espaços da WOMEX deste ano, ficaram na memória, pelas melhores razões, os da cabo-verdiana Mayra Andrade (apesar de, por vezes, ter uns arranjos mais elaborados do que aquilo que seria necessário), do maravilhoso grupo galego Marful (com a sua viagem que parte da Galiza para visitar Portugal, França e América Latina), dos Aman Aman (um projecto paralelo dos L'Ham de Foc que reúne músicos espanhóis e gregos numa leitura lindíssima da música sefardita), os «multinacionais» Badila (com a sua versão aberta e encantatória da música do Paquistão, da Índia e do Irão), os Balkan Beat Box (uma festa pegada de música balcânica, klezmer, reggae, etc, etc...), os Dengue Fever (grupo de norte-americanos e cambojanos que faz uma mistura divertidíssima de rock «sixties» - do surf ao garage e à pop - com música dos filmes de Bollywood e o Festival da Eurovisão), o DJ alemão [dunkelbunt] - imparável nas suas misturas, muitas delas inéditas e pessoais, de música balcânica com reggae, dub, trip-hop ou rap -, os Kasai Allstars (um colorido grupo congolês com uma música irresistível e viciosamente dançável) e os seus «primos» sul-africanos The Dizu Plaatjies Ibuyambo Ensemble (com as caras pintadas e uma música riquíssima e muito variada em timbres, ritmos e harmonias), do nigeriano Seun Kuti (com um espectáculo muito mais bem conseguido do que aqui há uns anos em Sines), das checas Tara Fuki (duas violoncelistas/cantoras que fundem muito bem - excepto quando se aproximam do rock dos... Apocalyptica - música tradicional polaca, música experimental e música erudita), os Toumast (grupo do Niger que leva a música tuaregue ainda mais para o rock do que os Tinariwen e é muito, muito bom ao vivo!); e a reconfirmação da grande qualidade de dois nomes por mim anteriormente vistos este ano - os Bajofondo Tango Club e Vieux Farka Touré.

E a recordar, pelas piores razões - ou não tão boas quanto as dos outros -, os 3canal (grupo de rapso de Trinidad e Tobago, que mistura calipso, rap e reggae mas soa um bocadinho preguiçoso), os albaneses da Fanfara Tirana (uma Fanfare Ciocarlia em versão «limpinha») e os cubanos Maravilla de Florida (com um sucedâneo do Buena Vista Social Club que não acrescenta nada à música de Cuba que já conhecemos), entre outros nomes que mais vale nem recordar (exemplo máximo: o pimba-balcânico-mesmo-pimba dos !DelaDap). Entre os concertos que não vi, mas que tive pena (com três ou quatro concertos a decorrer ao mesmo tempo é impossível ir a todos) contam-se os de Umalali & The Garifuna feat. Andy Palacio, Tanya Tagaq, Siba e a Fuloresta, Lo Cór de la Plana, La Shica, Julie Fowlis e Hazmat Modine. Mas hei-de vê-los um dia.

24 outubro, 2007

Sons em Trânsito 2007 - O Ano de Todas as Surpresas


A edição deste ano do Festival Sons em Trânsito - que decorre no Teatro Aveirense, em Aveiro, de 28 de Novembro a 1 de Dezembro - tem mais um programa de luxo, ecléctico e marcado por algumas surpresas. Este: dia 28, o festival arranca, em festa, com a música cigana de raiz dos romenos Fanfare Ciocarlia; dia 29 a noite é completamente portuguesa, preenchida com concertos do fado renovado dos Deolinda e a arte imensa de Sérgio Godinho; dia 30 há lugar para a nova música cabo-verdiana com Tcheka e, uma das grandes surpresas do festival, para a anglo-francesa Jane Birkin (na foto), ícone pop nos anos 60 que mais recentemente enveredou por uma leitura muito própria da música do norte de África com o álbum «Arabesque»; e dia 1, o festival tem mais uma surpresa, o pianista e mestre da electrónica (e não só!) canadiano Gonzales, e, para acabar em beleza, o festival termina com a música inclassificável e completamente imperdível do italiano Vinicio Capossela. A organização do SET é da empresa Sons em Trânsito, do Teatro Aveirense, da Câmara Municipal de Aveiro e da Rota da Luz.

23 outubro, 2007

Observatório Mundial da Canção de Protesto Tem Grândola Como Embrião


Se há local em que faz todo o sentido existir um Observatório Mundial da Canção de Protesto, esse local é Grândola - a «vila morena» cantada por José Afonso. E é isso mesmo que poderá vir a acontecer, em boa hora. O projecto - que «pretende realçar o legado cultural e os elementos históricos e sociais na base das canções de protesto» - foi apresentado no domingo e tem como objectivos «investigar, registar, estudar, defender e promover as canções de protesto desde tempos imemoriais; estabelecer as condições necessárias para ser criado um Centro de Documentação com site próprio, cuja principal referência, sejam as canções de protesto, debaixo de todos os suportes e representações e tudo aquilo que lhes diga respeito; criar prémios de investigação e promover a publicação de teses, trabalhos e artigos científicos nessa área; investigar ou inquirir da existência no mercado livre ou na posse de entidades públicas ou privadas de documentos, de espécies fonográficas,
bibliográficas, iconográficas, artefactos e objectos ou colecções de manifesto interesse, adquirindo-os sempre que possível; ser um lugar de realização de festivais, espectáculos, simpósios, congressos, exposições, festas, desfiles e acontecimentos culturais cuja referência maior sejam as canções de protesto; ser um lugar de planeamento e desenvolvimento de acções e projectos nas áreas da educação, ciência e cultura, tendo como elemento matricial as canções de protesto; ser um lugar de encontro de cantores, músicos, letristas, poetas, investigadores que à canção de protesto dediquem atenção e estudo; ser um espaço cultural onde se combata a iliteracia e se fomentem e salientem os elementos históricos e sociais que estão na génese das canções de protesto. Para que estes objectivos se concretizem, o observatório poderá instalar um estúdio-laboratório fonográfico polivalente, uma Sala Multimédia, salas de audições e promover a exposição de uma colecção permanente e de mostras temporárias», segundo refere o blog Vejam Bem, da Associação José Afonso, uma das entidades envolvidas no projecto, juntamente com a Câmara Municipal de Grândola. Fazendo votos para que esta interessantíssima ideia se concretize, aqui fica também o desejo de que a OMCP não se feche na música de intervenção, digamos, mais óbvia e que inclua também secções dedicadas ao hip-hop, aos espirituais do Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos, ao afro-beat libertário de Fela Kuti, ao punk activista dos Clash, ao engajamento zapatista dos mexicanos Los de Abajo (na foto) ou à nova canção de intervenção global de Manu Chao, entre milhares de outros exemplos. Acredito que sim!

22 outubro, 2007

WOMEX - O Atlas da Música Tem Um Centro


Numa altura em que a crise na indústria discográfica aperta cada vez mais - com inúmeros artistas, mesmo os de topo mundial, a apostar prioritariamente no circuito de espectáculos e a deixar para trás chorudos contratos com as editoras fonográficas -, os circuitos alternativos de produção, distribuição e divulgação de música são cada vez mais importantes. E na imensa «área» da chamada world music uma feira/festival como é a WOMEX, onde se cruzam músicos e outros agentes musicais de todo o mundo, é uma porta aberta para o conhecimento de novas vias de divulgação musical e, mais ainda, de projectos emergentes neste mar imenso das músicas. Este ano, a lista de concertos e showcases da WOMEX - que decorre em Sevilha, Espanha, esta semana, de 24 a 28 de Outubro - é novamente impressionante: com destaque especial, claro, para a presença dos Gaiteiros de Lisboa (única representação portuguesa na lista), o elenco inclui ainda os 3canal (Trinidad & Tobago), Abdeljalil Kodssi (Marrocos/Espanha), Aman Aman (Espanha), Badila (Índia/Irão/França), Bajofondo Tango Club (Argentina/Uruguai), Balkan Beat Box (Israel/Estados Unidos), Caravan Palace (França), Dengue Fever (Cambodja/Estados Unidos; na foto); Electric Kulintang (Filipinas/Cuba/Estados Unidos), Ensemble AltaiKai (Rússia), Fanfara Tirana (Albânia), Hazmat Modine (Estados Unidos), Julie Fowlis (Escócia), Kasai Allstars (Congo), La Shica (Espanha), Lo Còr de la Plana (França), Majorstuen (Noruega), Mamani Keita & Nicolas Repac (Mali/França), Maravilla de Florida (Cuba), Mastaki Bafa (Congo), Mayra Andrade (Cabo Verde/França), Melingo (Argentina/França), Mono Blanco (México), Ross Daly Quartet (Irlanda/Grécia), Seun Kuti & Egypt 80 (Nigéria), Shanbehzadeh Ensemble (Irão/França), Siba e a Fuloresta (Brasil), Sväng (Finlândia), Taksim Trio (Turquia), Tanya Tagaq (Canadá), Tara Fuki (República Checa/França), Telmary (Cuba), The Dizu Plaatjies Ibuyambo Ensemble (África do Sul), Toumast (Niger/França), Umalali & The Garifuna Collective com Andy Palacio (Belize/Guatemala/Honduras) e Yamandu Costa (Brasil), havendo ainda sessões de DJs com [dunkelbunt] (Alemanha/Áustria), DJ 99 (Noruega) e Daladala Soundz (Alemanha). O Raízes e Antenas vai lá estar e há reportagem prometida para o início da próxima semana. Mais informações aqui.

19 outubro, 2007

Taraf de Haidouks, Shantel e Balkan Beat Box - A Música Cigana Por Veredas e Auto-Estradas


A explosão de sucesso da música cigana dos Balcãs no circuito da world music está a criar a necessidade de «desvios» à fórmula original, riquíssima na sua base mas - nota-se, ao fim de alguns anos - limitada em termos de amplitude tímbrica e de soluções harmónicas e melódicas; o que, aliás, acontece também com inúmeras outras músicas «regionais». Não é, portanto, de estranhar que este filão esteja a ser sujeito a adaptações e cruzamentos com outras músicas, percorrendo novos caminhos - sejam as veredas enviesadas em que os Taraf de Haidouks levam a música cigana de regresso a casa, sejam as modernas auto-estradas trilhadas por Shantel (na foto) e os Balkan Beat Box.


TARAF DE HAIDOUKS
«MASKARADA»
Crammed Discs/Megamúsica

«Maskarada», o novo álbum dos seminais Taraf de Haidouks, parte de uma ideia óptima - fazer versões de peças clássicas do Séc. XX inspiradas pela música cigana, numa atitude de reapropriação de uma herança glosada por muita gente exterior ao universo da música tradicional balcânica (e não só). Nesse sentido, os Taraf atiram-se a peças de Béla Bártok (claro!, ele que foi um investigador incansável da música tradicional romena e húngara), Aram Kachaturian, Manuel de Falla (numa aproximação aos primos da Andaluzia), Albert Ketèlbey, Isaac Albéniz e Joseph Kosma, fazendo versões primorosas do ponto de vista técnico mas falhando, quase sempre, na ideia de reapropriação e retradicionalização dos temas: as peças estão quase sempre muito próximas dos originais e nem a presença recorrente do acordeão ou do cimbalom chegam para dar uma cor «aldeã» ao conjunto. E é pena, porque se há grupo que poderia virar esta música de cabeça para baixo e fazê-la beber do leite original seria exactamente este bando de aldeões de Clejani, na Roménia. E um bom exemplo do que poderia ter sido este álbum é o cruzamento livre de «In a Persian Market» de Ketèlbey com «Les Feuilles Mortes» de Joseph Kosma na faixa 5. Fica a intenção e, mais e melhor, os seis temas dos próprios Taraf de Haidouks que aqui aparecem, se calhar inconscientemente para mostrar como a sua música ainda continua viva e próxima das raízes apesar... dos desvios. (6/10)


SHANTEL
«DISKO PARTIZANI»
Essay Recordings/Crammed Discs/Megamúsica

Muitos desvios - e saudáveis! - é o que faz Shantel no seu novo álbum de originais, o primeiro em muitos anos e depois de muitas remisturas para variadíssimos grupos de música cigana (os aqui em cima referidos Taraf de Haidouks incluídos), várias compilações (em que ao lado dos seus temas e das suas remisturas deu a conhecer muitos artistas de Leste) e inúmeras actuações como DJ solitário ou com a sua trupe do Bucovina Club. «Disko Partizani» é uma viagem pela música cigana dos Balcãs mas também por músicas mais ou menos próximas da Grécia, Turquia, Israel, Albânia, Bulgária, Macedónia... e misturando tudo, de forma brilhante e com um sentido pop apuradíssimo, com rock, ska, disco-sound, electrónicas variadas e mais o que se possa imaginar, criando com isso uma música nova, excitante e sempre mais que dançável. Sem espinhas! Depois, neste álbum - em que Shantel também se revela como um mais que razoável vocalista - está um leque de convidados impressionante: da cantora sérvia Vesna Petkovic aos surf-klezmers israelitas Boom Pam, passando pelo trompetista sérvio Marko Markovic, pelo clarinetista Filip Simeonov (dos Taraf de Haidouks), o cantor grego Jannis Karis, o acordeonista francês François Castiell (dos Bratsh) ou a cantora canadiana Brenna MacCrimon, entre muitos outros, numa celebração contínua de música viva e capaz de derrubar todas as barreiras e preconceitos. Brilhante! (9/10)


BALKAN BEAT BOX
«NU-MED»
Crammed Discs/Megamúsica

Trilhando um caminho paralelo ao de Shantel, o novo álbum dos Balkan Beat Box, «Nu-Med», também cruza a música cigana dos Balcãs com inúmeras outras músicas (do hip-hop ao rock e à música jamaicana - dub, dancehall... -, passando pelo klezmer e a música árabe). E se é algo estranho assistir a uma música feita por um alemão (mas com ascendência na região de Bucovina) que vai aos Balcãs, como é Shantel, ainda mais estranho poderia parecer o que leva uma dupla de israelitas sediados em Nova Iorque (Tamir Muskat e Ori Kaplan), os Balkan Beat Box, a viajar pelos caminhos do Leste da Europa. Mas, como é sabido, a música é universal e, se o primeiro álbum dos BBB era já um bom exemplo de como as fanfarras ciganas podiam cruzar-se com liberdade e criatividade com muitas outras músicas, «Nu-Med» mostra o grupo a fazer uma música ainda mais verdadeira e orgânica, ao mesmo tempo que ainda mais aberta a outras sonoridades. Mais: os BBB costumam referir o passado comum de muitos judeus e de muitos ciganos do Leste Europeu - e não há dúvidas quanto às proximidades da música cigana e da música klezmer - antes do estabelecimento do estado de Israel. Mas nem este aval teórico/histórico seria necessário para se perceber que esta música contém suficientes elementos de verdade para que possa ser ouvida sem que soe a falso ou artificial. Sem fronteiras (a inclusão de colaboradores sírios no álbum é também um «statement» político e, não por acaso, «Nu-Med» é o desejo de um «novo Mediterrâneo», em paz) e sem barreiras. (8/10)

18 outubro, 2007

Tinariwen e Vieux Farka Touré - O Deserto Aqui Tão Perto


E mesmo que não se possa ir ao deserto, o deserto pode vir até nós: é já amanhã, dia 19, que a fabulosa banda de músicos tuaregues Tinariwen (na foto) regressa a Lisboa para um concerto integrado na extensão que passa pela Europa e pelos Estados Unidos do Festival au Désert. Mas, como é sabido, não vêm sozinhos: na primeira parte terão o músico e cantor maliano Vieux Farka Touré, filho de Ali Farka Touré mas já senhor de uma voz própria e que o destaca da sombra tutelar do seu pai. Prevê-se mais uma noite inesquecível de música africana, desta vez no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, num fim-de-semana a que o CCB chama 3=6 (3 Dias, 6 Concertos, Muitas Músicas) e que inclui ainda espectáculos do flautista português Rão Kyao acompanhado pelo intérprete chinês de peipá Yanan (amanhã, no Pequeno Auditório), da pianista clássica Anne Kaasa (sábado, no Pequeno Auditório), do pianista de jazz Chick Corea (sábado, no Grande Auditório), do fadista Pedro Moutinho (domingo, no Pequeno Auditório) e da pop inteligente e encantatória do antigo vocalista dos Japan, David Sylvian (domingo, no Grande Auditório). Ainda antes do concerto em Lisboa, os Tinariwen e Vieux Farka Touré apresentam-se hoje, dia 18, no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria.

17 outubro, 2007

Em Busca do Djembé Original (Uma Aventura!)


Às vezes há notícias assim, inesperadas e que nos enchem de prazer - e de uma pontinha de inveja, também! Hoje, a agência Lusa distribuiu uma dessas: três rapazes de Viana do Castelo - Armando Santos, Nuno Ribeiro e Ricardo Leal - partem dia 18 de Novembro em direcção à Guiné-Conacri com o objectivo de realizar um documentário sobre o djembé, o instrumento de percussão que nasceu na zona do antigo Império Mandinga. Já por si, isto seria notícia, mas ainda mais é quando se fica a saber que eles vão viajar por terra, a bordo de uma velha carrinha Peugeot, numa viagem de doze mil quilómetros! Pormenor curioso: «(a carrinha) ostenta na matrícula as letras PG, como se adivinhasse que, para o seu fim de vida, lhe estaria reservada uma viagem entre Portugal e a Guiné». A aventura surgiu na sequência de «um repto lançado, em Viana do Castelo, por Billy Konaté, um dos nomes mais sonantes da Guiné-Conacri no que diz respeito ao djembé». Com passagens previstas por Marrocos, Mauritânia, Senegal, Gâmbia, Guiné-Bissau e chegada à Guiné-Conacri, estão conscientes «dos perigos que podemos encontrar no caminho... Sabemos dos problemas que se nos poderão deparar na entrada de certos países, sabemos que atravessar o deserto é sempre uma incógnita. Mas também sabemos que África está a chamar por nós. E que, por isso, não há volta a dar». Só é pena que não tenham previsto uma paragem no Festival au Désert, ali tão perto, de 10 a 12 de Janeiro, em Essakane, no Mali... mas ainda estão a tempo. Boa sorte!

(Nota: Pode seguir-se a viagem, em tempo real - pelo menos quando as condições o permitirem - no blog Inike Madandza, aqui)

16 outubro, 2007

Cromos Raízes e Antenas XXVIII


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XXVIII.1 - Miriam Makeba


A sul-africana Miriam Makeba - considerada, sem grandes dúvidas, a mais importante cantora africana das últimas décadas - teve a sua vida marcada por uma extrema coerência em toda a sua carreira, pela visibilidade que deu à música africana e pelo seu empenhamento político. Miriam Makeba (aka Mama Afrika) nasceu nos subúrbios de Joanesburgo, a 4 de Março de 1932, e iniciou a sua carreira nos anos 50 com os Manhattan Brothers e The Skylarks, mas o ano de arranque a sério foi 1959, quando conheceu Hugh Masekela e participou no filme anti-apartheid «Come Back, Africa». Exilou-se no estrangeiro nesse mesmo ano e, a partir daí, foi uma voz activa contra o regime sul-africano. Pela mão do cantor Harry Belafonte, conquistou os Estados Unidos, de onde também sairia devido ao seu casamento com o activista dos Panteras Negras Stokely Carmichael. O racismo existe em todo o lado. Mas a música, felizmente, também. Voltou a viver no país-natal, a convite de Nelson Mandela, até à sua morte, a 10 de Novembro de 2008.


Cromo XXVIII.2 - Transglobal Underground


Saídos da mesma vaga de fundo de que também fazem parte os Asian Dub Foundation ou os Fun-Da-Mental, os Transglobal Underground são um dos exemplos mais felizes de como se podem misturar tantas músicas diferentes (hip-hop, electrónicas, música indiana e africana...). Criados em 1990 por Tim Whelan (aka Alex Kasiek), Hamid Mantu (aka Man Tu) - que se mantêm na banda - e Count Dubulah, pelos Transglobal Underground passaram também a cantora Natacha Atlas (que conta quase sempe com alguns dos seus ex-companheiros nos seus trabalhos a solo), Johnny Kalsi, o rapper Coleridge, TUUP, o percussionista Neil Sparkes (que sairia, juntamente com Dubulah, para formar os Temple of Sound) ou a sitarista Sheema Mukherjee. Ao longo da sua carreira trocaram colaborações e remisturas com os nossos Blasted Mechanism mas também com os Dreadzone, Youth, Banco de Gaia e Pop Will Eat Itself, entre outros. O laboratório global continua agora em pleno funcionamento.


Cromo XXVIII.3 - Chumbawamba


Os Chumbawamba são um exemplo curiosíssimo de como muitas músicas diferentes - do punk absoluto à pop mais límpida, passando por canções tradicionais - podem ser experimentadas em fases diferentes de um percurso musical, mas sempre coerentemente ao serviço de uma causa. Formados numa casa ocupada em Leeds, Inglaterra, em 1984, o grupo sempre se manteve fiel à sua ideologia anarquista (próxima dos seus ideólogos Crass) mesmo quando a sua música se açucarou ou quando assinaram por uma multinacional, a EMI, em 1997, e tiveram um grande sucesso com o single «Tubthumping». Anti-Thatcher no início, anti-censura e anti-fascistas sempre depois, os Chumbawamba envolveram-se (e envolvem-se) frequentamente em manifestações políticas e em concertos em... casas ocupadas. Em 1989 editaram o histórico, belíssimo e inesperado disco «English Rebel Songs 1391-1914», com canções tradicionais (e, surpresa!, de protesto) inglesas.


Cromo XXVIII.4 - Lord Kitchener


Lord Kitchener (nascido a 18 de Abril de 1922, falecido a 11 de Fevereiro de 2000) foi um dos mais conhecidos nomes do calipso e também, apesar de ter renegado essa música nova e considerada «bastarda» no início, da soca. De seu verdadeiro nome Aldwin Roberts, Kitchener nasceu em Arima, Trinidad e Tobago, mas chegou à fama em Inglaterra, nos anos 50, onde era um ídolo musical para os imigrantes das Antilhas. De regresso a casa, nos anos 60, Kitch (como também era conhecido) espalhou o seu talento por centenas de canções compostas ao longo da sua vida. E continua a ser o autor favorito de muitas steel-bands (as bandas que tocam em instrumentos feitos de bidões de gasolina) do seu país-natal. Durante trinta anos, geriu uma discoteca, a Calypso Revue, onde se lançaram as maiores vedetas desta música. Tem uma estátua em sua memória em Port of Spain.

15 outubro, 2007

Corvus Corax - A Idade Média Como Nunca Se Ouviu


Senhores - e aqui a palavra «senhores» até ganha, digamos, outro peso - de um culto igualmente repartido entre os fãs de folk europeia, da comunidade metálica e de algumas franjas da corrente gótica, os alemães Corvus Corax vêm a Portugal para concertos em Corroios (Cine-Teatro; dia 16 de Novembro) e em Coimbra (Centro Norton de Matos; dia 17), havendo ainda um outro concerto sujeito a confirmação, dia 15, em Espinho; sempre com primeira parte do duo húngaro The Moon and the Nightspirit. Os Corvus Corax - cujo álbum «Venus Vina Musica» foi referido há alguns meses na secção de críticas deste blog - são uma curiosíssima banda que, usando apenas instrumentos acústicos (gaitas-de-foles, sanfonas, alaúdes, saltério, harpa, violino e muitas percussões), fazem uma música que vai buscar a sua inspiração maior à música medieval, do canto gregoriano às danças de festas pagãs e às canções de menestréis, mas trazendo-a para a modernidade, muitas vezes com uma energia próxima do punk e uma técnica apurada que os aproxima do doom-metal. Já os The Moon and the Nightspirit são um duo húngaro formado por Agnes Toth (voz, violino, flautas, berimbau e percussões) e Mihaly Szabo (voz, guitarra acústica, saltério e percussões) que, segundo a sua página do myspace, faz uma música inspirada em «fábulas pagãs, a antiga música tradicional húngara e a natureza».

12 outubro, 2007

Festival de Expressões Ibéricas de Alcochete - Uma Jangada de... Música


Citando mais uma vez o muito bem informado Crónicas da Terra, começa hoje, sexta-feira, o 5º Festival de Expressões Ibéricas de Alcochete, que decorre no Fórum Cultural até dia 27 deste mês. E o arranque dá-se esta noite com um concerto dos portuenses Frei Fado d'El Rei, que apresentam um espectáculo baseado no seu último álbum, «Senhor Poeta», de homenagem a José Afonso. Amanhã, dia 13, actuam os bascos Lantz (na foto), um super-grupo de músicos desta região formado por três cantoras e cinco instrumentistas. No próximo fim-de-semana, o festival continua com mais um grupo folk português, os Dazkarieh (dia 19) e termina, um dia depois, com um concerto do grupo espanhol - embora com residência na Holanda - Muyayos de Raiz, viajantes de muitas danças e géneros musicais. Paralelamente, o festival apresenta uma exposição de fotografia dedicada a José Afonso (patente ao público na Galeria Municipal dos Paços do Concelho), oficinas de instrumentos tradicionais para crianças e ateliers de leitura. Mais informações aqui.

11 outubro, 2007

Manu Chao, Sergent Garcia e Yerba Buena - Som Mestiço (e Música de Intervenção, Sempre!)


Diferentes abordagens da música latino-americana ou, se se preferir, do «som mestiço» - naquilo que este conceito tem de mais global e alargado, principalmente se se olhar ao facto de ser música feita por franceses ou norte-americanos que vão à América Latina buscar a sua inspiração principal - e, nos três casos, uma necessidade de intervenção política activa, são a sugestão de hoje do Raízes e Antenas. Com álbuns de Sergent Garcia, de Manu Chao (na foto) e dos Yerba Buena.


MANU CHAO
«LA RADIOLINA»
Radio Bemba/Farol

Diga-se, logo para começar, que «La Radiolina» não tem a frescura, o brilho e a alegria de «Clandestino» ou do seu quase gémeo «Proxima Estación: Esperanza». Muitos anos passaram e Manu Chao está agora ainda mais atento às coisas do mundo, mais furioso com as políticas globais, mais centrado num activismo que o faz dar mais importância à mensagem do que às nuances musicais. É uma opção válida, generosa, solidária - e é importante que Manu Chao transmita as mensagens presentes em «Politik Kills», «Rainin In Paradize», «Mundo Révès» ou «Panik Panik» - mas a música fica a perder... Em «La Radiolina» continuam, claro, as habituais influências de Chao desde os tempos dos Mano Negra: a música latino-americana (desde o son cubano aos mariachis mexicanos...), o ska, o reggae, o punk à Clash, mas agora também com algumas aproximações ao country e ao rock FM (principalmente no tratamento dado às guitarras eléctricas) que ou não acrescentam grande coisa ao seu som ou, pura e simplesmente, o estragam por vezes. Mas não se pense que não há grandes momentos de música em «La Radiolina». Há! E o melhor de todos é, sem dúvida, o tema cheio de flamenco «Me Llaman Calle», logo seguido de «La Vida Tombola» (uma lindíssima homenagem a Maradona) e do lento e encantatório «Otro Mundo». E, apesar de ser bastante desequilibrado, «La Radiolina» é, mesmo assim, um bom álbum. (7/10)


SERGENT GARCIA
«MASCARAS»
Labels/EMI

Para os fãs de Manu Chao que ficaram desiludidos (ou semi-desiludidos) com o seu novo álbum, há uma boa solução: ouvir o último álbum de Sergent Garcia, «Mascaras», uma obra de excelentíssimo artesanato urbano, no sentido de se inspirar em variadíssimos géneros tradicionais da América Latina (dos quase óbvios salsa, cumbia, cha-cha-cha, rumba a vários estilos argentinos e mexicanos) mesclando-os com sabedoria com rock, reggae, dancehall, rap; e sem esquecer o lado da intervenção política como o fortíssimo líbelo anti-Bush «Guantanamo City». Curiosamente, Sergent Garcia (de verdadeiro nome Bruno Garcia) tem uma carreira paralela à de Manu Chao: fez parte de um grupo punk francês, os Ludwig von 88 (a letra de «Guantanamo City» é, curiosamente, de Karim Berrouka, seu ex-companheiro nesta banda), antes de começar a desenvolver, a solo, o seu conceito próprio de «salsamuffin». E em «Mascaras», o seu quinto álbum a solo, a fórmula está de tal forma apurada e personalizada que o álbum é um contínuo perfeito de música festiva, viva, hiper-orgânica, sempre dançável e com as coordenadas das várias músicas perfeitamente alinhadas num «equador» ficcional mas tão verosímil que parece verdadeiro. Oiça-se, por exemplo, o irresistível «Me Voy Pa' La Cumbia», e veja-se como já não há barreiras entre variadíssimos géneros musicais. E ainda bem. (9/10)


YERBA BUENA
«FOLLOW ME»
Fun Machine/Wrasse Records

Numa linha paralela à de Manu Chao e de Sergent Garcia - embora com um local de origem geográfica diferente - os Yerba Buena são uma invenção do produtor Andres Levin, que a partir da sua base em Nova Iorque partem para o mundo, em busca de géneros - essencialmente latino-americanos como a guajira, a cumbia, a soca, o boogaloo, a música brasileira (o próprio Levin nasceu no Brasil)... - que possam ser vestidos depois com doses reforçadas de funk, soul, hip-hop, afro-beat ou até flamenco... «Follow Me», este álbum de que se fala aqui, é a primeira edição dos Yerba Buena no mercado europeu e reúne muitos temas anteriormente editados nos álbuns «President Alien» (de 2003) e «Island Life» (de 2005) e, apesar de ter alguns momentos em que se sente bastante o «peso» dos efeitos de estúdio, há outros - bastantes, mesmo assim! - em que se assiste a uma música bastante coerente, divertida, dançável e em que a ideia de fusão está muitíssimo bem conseguida. Ah, sem esquecer - outro traço comum a estes três álbuns, para além da música latino-americana - a intervenção política no irónico «Bla Bla Bla», que inclui samples da voz de Bush. E, pormenor também não dispiciendo, o álbum inclui ainda algumas colaborações de luxo como, entre outros, Carlinhos Brown, o mítico Joe Bataan, Orishas, Diego «El Cigala», Célia Cruz, Les Nubians e... os Gogol Bordello. (7/10)

10 outubro, 2007

Rodrigo Leão - Portugal ao Espelho (em Banda-Sonora)



Na música de Rodrigo Leão sempre houve muitas bandas-sonoras imaginárias (e títulos de álbuns como «Theatrum» e «Cinema» não enganam), mas, apesar de música de Leão já ter aparecido em filmes, a sua primeira banda-sonora a sério para imagens em movimento só será editada no dia 29 de Outubro: a música que ele fez para a série de televisão «Portugal, Um Retrato Social», da autoria de António Barreto e realizada por Joana Pontes. Para a série - que já passou na RTP e lança pontes entre a realidade portuguesa de há uma geração atrás e a actualidade -, Rodrigo Leão compôs música original, repartida neste CD pelos temas «Gente Diferente», «Mudar», «As Cidades», «Cidadãos 01», «Nós e os Outros», «A Escola», «Os Portugueses 01», «Cidadãos», «Mudar 01», «Gente Diferente 01», «O Café dos Imigrantes», «As Cidades 01», «Retratos», «Nós e os Outros 01», «Um País como os Outros», «Mudar 02», «Retratos 01» e «Os Portugueses». No texto de apresentação do álbum, António Barreto fala assim da sua «descoberta» da música de Rodrigo Leão: «Há vários momentos inesquecíveis na realização da série "Portugal, Um Retrato Social". Um deles foi o encontro com Rodrigo Leão. Após umas breves reuniões, durante as quais expusemos, a Joana Pontes e eu, o que queríamos fazer e lhe mostrámos as primeiras imagens já filmadas, ele veio até nós com um CD de rascunho. Ouvimos os acordes das primeiras melodias da banda-sonora que tinha composto já a pensar nos temas de alguns episódios. Foi um momento feliz! A palavra, a imagem e a música encontravam-se. Depois disso, foi trabalhar, trabalhar e trabalhar. Mas aquele primeiro encontro teve qualquer coisa de mágico! Talvez seja isso a criação...». Para a apresentação do álbum (publicado pela SonyBMG) estão, para já, marcados concertos em Guimarães, Faro, Torres Novas, Santarém, Albufeira, Viana do Castelo e Lisboa, sempre com Leão a ser acompanhado pelo seu Cinema Ensemble. Mais informações sobre datas e locais dos concertos aqui.

09 outubro, 2007

Teresa Salgueiro Com Uma Sereia na Voz


Poucos meses depois da edição de «Você e Eu» - dedicado a canções de compositores brasileiros -, Teresa Salgueiro edita agora mais um álbum a solo, desta vez preenchido por música de variadíssimos lugares do mundo escolhida por ela e por Pedro Ayres Magalhães, seu companheiro nos Madredeus. Canções de Portugal e do Brasil, de Cabo Verde e da Argentina, de França e dos Estados Unidos, de Itália e do México..., modernas e antigas, numa selecção de apurado bom-gosto e em que a cantora é acompanhada pelo Lusitânia Ensemble. «La Serena», assim se chama o novo álbum, é editado pela Farol Música a 22 de Outubro e inclui os temas «La Serena» (tradicional cantado em ladino, língua dos judeus sefarditas), «Velha Tendinha» (Raul Ferrão), «O Namoro» (Viriato Cruz/Fausto), «Leãozinho» (Caetano Veloso), «Vuelvo Al Sur» (Fernando E.Solaman/Ástor Piazzolla), «La Vie En Rose» (Edith Piaf/Louis Guglielmi), «Lá Vai Lisboa» (Raul Ferrão), «Nome de Rua» (David Mourão Ferreira/Alan Oulman), «Amanhã» (Raul Indipwo/Milo Macmahon), «Se Fossem Iguais a Você» (Vinicius de Moraes/António Carlos Jobim), «Caruso» (Lúcio Dalla), «Paloma Negra» (José Alfredo Ménez/Tomás Méndez Sosa), «Velha Infância» (Arnaldo Antunes/Carlinhos Brown/Marisa Monte), «Mar Azul» (Cesária Évora/B'leza), «Estranha Forma de Vida» (Amália Rodrigues/Alfredo Duarte), «A Casa da Mariquinhas» (Alberto Janes), «Avec le Temps» (Léo Ferré), «Unforgettable» (Irving Gordon) e «Somewhere Over The Rainbow» (Harold Arlen). As canções têm arranjos de Jorge Varrecoso, líder do Lusitânia Ensemble, excepto «Vuelvo al Sur» e «Avec le Temps», ambas com arranjos de Duncan Fox. A produção é de Pedro Ayres Magalhães.

08 outubro, 2007

Anamnesis - Música e Tradição Oral no Cinema



O Anamnesis - Encontro de Cinema, Som e Tradição Oral, que decorre em Vimioso, de 1 a 4 de Novembro, é uma interessante mostra de documentários (e não só) focados na música tradicional (e, bis, não só) de países como Portugal, Brasil e São Tomé e Príncipe. Entre o rol de filmes a apresentar contam-se «Arritmia», de Tiago Pereira, «Cante Alentejano», da Associação MODA, «Chá da Terra», de Gonçalo Mota, «Levê Levê Non Caba Ué», de Raquel Castro, «Tocadores – Brasil Central», de Lia Marchi, «O Espírito do Lugar», de Parícia Porção, «O Rap é Uma Arma», de Kiluanje Liberdade, «International Lucky People Center», de Johan Söderberg, «Os Narradores de Javé», de Eliane Caffé, «11 Burros Caem no Estômago Vazio», de Tiago Pereira, «Tocadores- Litoral Sul», de Lia Marchi, e «Ainda há Pastores» (na foto), de Jorge Pelicano. Mas o Anamnesis não é feito só de cinema: uma palestra de Raquel Castro sobre «Som e Identidade Sonora», uma visita à aldeia de Caçarelhos, uma mesa-redonda com a presença de Ana Carrapato, Domingos Morais e Tiago Pereira, um «media live act/VJing narrativo» de Tiago Pereira, conversas com os realizadores e outras actividades fazem também parte do programa do Encontro. Para que não se perca a memória colectiva ou, nas palavras do texto de apresentação: «A tradição oral nesta luta contra a extinção, passa também, pela carga emocional que carrega. O lado interpretativo de cada som, melodia ou mesmo cantiga, traz consigo uma forma muito pessoal e reveladora da forma em que se está na vida. As senhoras isoladas nas aldeias do planalto Mirandês ou da serra da Arada, são autoras e simultaneamente intérpretes de cantigas e histórias; que algumas vêm com os seus pais e com os seus avós e outras que aprenderam no outro dia; o que as torna singular é a sua visão única e pessoal daquele som, ou daquela história. Ora nas artes visuais é a mesma coisa, o cinema de autor, o documentário de autor é também a interpretação única de um tema ou de uma realidade. Com este encontro, procuramos fomentar uma interacção real destes dois exemplos, durante quarto dias podemos ver, discutir, observar, criar e principalmente ouvir». Mais informações aqui.

06 outubro, 2007

Auto-Promoção (ou World DJing no Éden Glorioso)



Hoje à noite, o CaféVinil, em Sintra - o «Éden Glorioso» de Lord Byron - vai ficar invadido por sons de todo o mundo, directamente saídos da colecção do autor deste blog. O CaféVinil, próximo da estação de comboios e ainda mais próximo da Biblioteca, tem uma programação regular de DJs que inclui ainda, durante este mês, sessões com Pedro Gonçalves (reggae no «transistor patuá», dia 13), Pinela (new wave e rock'n'roll dos anos 70 e 80, dia 20) e Raposo («variedades», dia 27). «Comer Com os Olhos», uma exposição de Teresa Cavalheiro, pode também ser visitada durante todo o mês de Outubro. Mais informações aqui.

05 outubro, 2007

Cromos Raízes e Antenas XXVII


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XXVII.1 - Amália Rodrigues



Considerada unanimemente como a maior das cantadeiras de fado - e também actriz e... compositora - Amália Rodrigues (de nome completo Amália da Piedade Rebordão Rodrigues) nasceu em Lisboa, a 1 (ou 23) de Julho de 1920, e morreu na mesma cidade, a 6 de Outubro de 1999. Mas, se Lisboa foi o palco do seu nascimento e da sua morte e a música tradicional de Lisboa, o fado, a sua expressão maior, muitos outros palcos por todo o mundo acolheram a sua-voz-maior-que-a-vida e a sua arte, que partia do fado mas podia ir desembocar a muitas outras músicas. As suas actuações em prestigiadas salas do Brasil, de França, de Espanha, dos Estados Unidos, do Japão e até da antiga União Soviética (e numa altura em que o regime salazarista português tinha no comunismo o seu maior inimigo) fizeram dela uma das primeiras divas globais da agora chamada «world music» e abriram o caminho para muitos outros artistas, portugueses e não só. Um Mito.


Cromo XXVII.2 - Yothu Yindi



O rock, é sabido, anda por todo o lado. E até em locais dos antípodas, como a Austrália, terra de muito bom rock (de Nick Cave aos Go-Betweens, passando pelos, pois, AC/DC e os... Dead Can Dance). Mas já será mais estranho (ou não?) saber-se de uma importante banda rock cujo líder e maioria de elementos é constituída por aborígenes. Mas essa banda, Yothu Yindi, existe e não é a única. Mas é a pioneira de uma música que junta a música tradicional dos aborígenes com a pulsão do rock e uma ligação fortíssima a temáticas políticas (cantam, muitas vezes, sobre a repressão a que os aborígenes são sujeitos e também defenderam a causa de Timor-Leste, ali ao lado). Liderados pelo cantor e compositor Mandawuy Yunupingu, os Yothu Yindi têm na sua formação aborígenes e não aborígenes e tanto usam guitarras eléctricas e acústicas e bateria quanto o inevitável didgeridoo ou os também tradicionais «paus de percussão».


Cromo XXVII.3 - Atahualpa Yupanqui



Atahualpa Yupanqui (pseudónimo de Héctor Roberto Chavero Haram, nascido a 22 de Janeiro de 1908, em Pergamino, Argentina, falecido a 23 de Maio de 1992) é a mais importante personagem da música argentina extra-tango. Cantor, guitarrista, compositor, poeta, Yupanqui foi também a influência maior de muitos cantores e compositores argentinos e de outros países da América Latina, nomedamente da cantora sua conterrânea Mercedes Sosa, que muitas vezes interpretou as suas canções. Incansável recuperador e reinventor das canções tradicionais do interior da Argentina; activista político durante várias décadas (Yupanqui pertenceu ao Partido Comunista Argentino durante bastante tempo, tendo-se exilado no Uruguai por isso) e um símbolo da preservação de culturas antigas (o seu pseudónimo presta homenagem a dois reis incas), a sua arte permanece ainda nas vozes de muitos dos seus seguidores.


Cromo XXVII.4 - Paul Simon



Paul Simon (de nome completo Paul Frederic Simon, nascido a 13 de Outubro de 1941, em Newark, Nova Jérsia, Estados Unidos) foi um dos artistas de maior sucesso dos anos 60 e 70, mercê de uma parceria bastante frutuosa com Art Garfunkel e de canções inesquecíveis como «The Sound of Silence» ou «Bridge Over Troubled Water». Mas se Garfunkel era a «carinha laroca» do duo, Paul Simon era o principal compositor e o homem das ideias, ideias que ao longo do tempo o levaram, a solo, para caminhos alternativos ao seu habitual folk-rock: o reggae na canção «Mother and Child Reunion» ou, já na década de 80 e inícios de 90, a música sul-africana no álbum «Graceland» - em que foi acompanhado pelos Ladysmith Black Mambazo - e a música brasileira em «The Rhythm of the Saints» - onde, entre outros, colabora Milton Nascimento. Dois álbuns que, só por si, lhe garantiriam um lugar nestes Cromos.

04 outubro, 2007

Festival Acordeões do Mundo - Correntes de Ar em Torres Vedras


De 28 de Outubro a 11 de Novembro decorre no Teatro-Cine de Torres Vedras, o IV Festival Acordeões do Mundo, com mais um excelente programa em que o acordeão é rei e senhor. Dia 28 de Outubro, o festival começa com o acordeonista francês Jean-Louis Matinier, seguindo-se, dia 31, o também francês, mas de origem portuguesa, René Sopa; ambos praticantes de um jazz colorido com muitas outras músicas. Dia 3 de Novembro, actua o celebradíssimo acordeonista italiano Riccardo Tesi acompanhado pela sua Banditaliana. Dia 6, é a vez do pianista e acordeonista Tomás San Miguel & Txalaparta (Espanha/País Basco), para mostrar que a arte do acordeão no país vizinho não começa nem acaba na trikitixa de Kepa Junkera. E dia 9, o festival encerra - mas apenas no «palco principal» - com o excelente tango aberto (jazz, rock, música erudita...) e de contornos electrónicos dos Tango Crash (na foto), colectivo que reúne músicos da Argentina, Alemanha e Suiça. Paralelamente, decorrem os «bailes do acordeão», com dois grupos portugueses: os Alfa Arroba (dia 1 de Novembro, à tarde, na Adega do Maxial) e os Fol&Ar (um dia depois, também à tarde, no Clube Artístico e Comercial), oficinas musicais (nos fins-de-semana de 3 e 4 e 10 e 11 de Novembro) e um concurso de tocadores de acordeão. Mais informações aqui.

Birmânia - Entre o Silêncio e o Grito, Escolha-se o Grito...


Free Burma!

Porque... o Silêncio é de Ouro e a Palavra é de Prata, mas às vezes o Silêncio Mata.

(clique na imagem, por favor!)

03 outubro, 2007

Cesária Évora, Lura e Bau - O Triunfo da Lusáfrica


Vinte anos depois da sua fundação, a Lusáfrica e o seu criador, José da Silva, estão mais do que de parabéns! Assim como de parabéns estão todos os artistas que têm gravado para esta editora, que começou por lançar apenas música cabo-verdiana mas alargou o seu catálogo a inúmeros artistas de outras latitudes (cubanos, da África continental, etc.). Mas aqui, a comemoração - mesmo que atrasada - faz-se com três discos de cabo-verdianos, razão primeira da existência da etiqueta e, pela qualidade que os três têm, prova maior de que as editoras independentes, quando nelas há amor, podem fazer muito - tudo! - pela música. Com Bau, a diva Cesária Évora (na foto) e a jovem Lura.


LURA
«M'BEM DI FORA»
Lusáfrica/Tumbao

Depois de um início de carreira ainda a apalpar terreno sobre quais os melhores caminhos para a sua música, a cantora Lura acertou em cheio com o álbum «Di Korpu Ku Alma», onde pegou em géneros tradicionais cabo-verdianos e os recriou à luz da música mais actual. Em «M'bem di Fora», os caminhos percorridos são semelhantes - nele se encontram batuques e funanás e mornas e a celebração do Kola San Jon... - mas com um grau de sofisticação ainda superior ao que já apresentava no álbum anterior. Ouvir «M'bem di Fora» do princípio ao fim é um encantamento constante, em que antigas e novas composições se entrelaçam com coerência e em permanente diálogo: um diálogo que é conduzido pela voz quente, sedutora, sempre a cantar em crioulo, de Lura, e por fabulosos músicos - num grupo em que pontificam João Pina Alves (guitarra), Toy Vieira (piano) ou Paulino Vieira (cavaquinho). E, como convidados muito especiais, o grande acordeonista Régis Gizavo (expoente máximo da música de Madagáscar), o guitarrista Pedro Jóia (com o seu toque de flamenco) e o cantor Zéca di Nha Reinalda (que foi dos míticos grupos de funaná Bulimundo e Finaçon), este no irresistível tema-título do álbum. Com uma música fortemente enraizada na tradição, mas com os braços estendidos também para outras músicas, Lura tem neste álbum o trampolim perfeito para uma frutuosa carreira internacional, que, felizmente, já está a acontecer. (8/10)


BAU
«ILHA AZUL»
Harmonia/Lusáfrica/Tumbao

Menos imediato que o álbum de Lura, essencialmente porque é um álbum instrumental e não há uma voz a prender imediatamente o ouvinte, «Ilha Azul», de Bau, não deixa por isso de ser um álbum belíssimo e, mais importante ainda, um fiel representante do que de mais profundo tem a música cabo-verdiana: uma música que viaja entre o continente ali ao lado e Portugal, o Brasil, Cuba ou Estados Unidos, sempre com paragem obrigatória em Cabo Verde. Ouvir o primeiro tema deste álbum, «Ponta do Sol», é, logo, perceber que esat música é feita de muitas músicas, embora sempre unidas entre si: em «Ponta do Sol» há fado, há chorinho, há morna, há son cubano, como ao longo do resto do álbum há sugestões de semba, bossa-nova, jazz, música ranchera mexicana, flamenco e muitas outras músicas exteriores que, na guitarra e no cavaquinho de Bau (aka Rufino Almeida), fazem todo o sentido misturadas com a música tradicional de Cabo Verde (exemplo óbvio é o tema brasileiro «Na Baixa do Sapateiro», de Ary Barroso, aqui recriado com uma alegria e uma inventividade espantosas). Guitarrista virtuoso (no bom sentido da palavra e não no sentido de «conseguir tocar mil notas num minuto»), Bau mostra neste álbum, o sexto da sua carreira, como a música pode ser única e universal, mesmo quando fortemente ancorada numa música «local». (9/10)


CESÁRIA ÉVORA
«ROGAMAR»
Lusáfrica/SonyBMG

Embaixatriz da música cabo-verdiana e «porta-bandeira» (se assim se pode dizer) da Lusáfrica, Cesária Évora assina em «Rogamar» mais um passo seguríssimo da sua já longa - e bastante frutuosa - carreira. Dona de uma voz única, marcante, luminosa, Dona Cesária continua a gravar com a urgência de quem chegou aos grandes palcos já quase na terceira idade, mas isso é bom, porque mostra que a necessidade da música e da sua expressão não tem nada a ver com a idade ou o local de nascimento. E, se em relação a Lura se fala de sofisticação, oiça-se este «Rogamar» e tente-se perceber como uma música na sua essência simples e feita com poucos instrumentos se pode transformar - via orquestrações elaboradas, mas nem por isso barrocas ou castradoras da verdade e da essência - numa música riquíssima em nuances e sugestões. E os arranjos, de Fernando Andrade, ainda têm lugar para algumas colaborações de peso: o já referido (a propósito de Lura) Régis Gizavo no acordeão e o cantor senegalês Ismael Lô, numa celebração de africanidade que não se confina aos limites das ilhas de Cabo Verde. Uma africanidade que está também bem explícita em «São Tomé na Equador», um tema de Ray Lema e Teófilo Chantre, aqui reunidos para bem da música, ou no afro-brasileiro «Mas Um Sonho», festa que une naturalmente os dois lados do Atlântico. (8/10)

02 outubro, 2007

Festival do Chícharo - Das Leguminosas e... Da Música



O chícharo - não confundir com o chicharro, que é um peixe - é uma leguminosa, assim a modos que entre a lentilha e o feijão (digo eu, que não percebo nada de leguminosas), que durante décadas foi usada como forragem para animais. Recentemente recuperado como iguaria, e bom de comer em novas e inesperadas receitas, o chícharo tem um festival anual a ele dedicado, que decorre em Alvaiázere, este ano nos dias 5, 6 e 7 de Outubro. E um festival que inclui muita música, e da boa: Kumpa'nia Al-gazarra e OliveTree (dia 5); Uxu Kalhus e Semente (dia 6); um espectáculo de danças orientais por Elsa Sham's (na foto), Canto da Terra, Alma Alentejana, Tocándar e Gnawa Bambara (dia 7). Restaurantes em que o prato principal é, claro, o chícharo, um mercado de produtos regionais, exposições, uma feira do livro, outros espectáculos no café-concerto, colóquios, teatro, um encontro de coros, cantares ao desafio, DJs, oficinas de dança, um concerto com o maestro António Victorino d'Almeida, bandas filarmónicas e actuações de rua com a Bandinha de Manique, os Gaiteirus e Alexandre Pring completam o extenso programa do festival. Mais informações aqui.

01 outubro, 2007

Musidanças - Lusofonias à Solta no Franco-Português



Depois do «aquecimento» no Maxime, com as Noites Mestiças, o Musidanças - Festival de Artes do Mundo Lusófono -, dá o salto para o Institut Franco-Portugais, em Lisboa, de 22 de Novembro a 1 de Dezembro, com uma programação bastante diversificada. Veja-se então: Terrakota (Portugal/Angola/Itália; na foto), Grupo Musidanças (constituído por André Cabaço, Lindú Mona e Guto Pires, entre outros músicos lusófonos), Dazkarieh (Portugal), Uxia (Galiza), Wilmar Silva (Brasil - poesia), Pascoal Silva (Cabo Verde), Jovens do Hungu (Angola), Fernando Terra (Brasil), Braima Galissa (Guiné-Bissau), Puzzle (Portugal), Jorge Dissonnancia (Brasil), Melo D (Angola), Elsa Noronha (Moçambique - poesia), Robson Vieira (Brasil - teatro/dança) e uma exposição de Lívio de Moraes (Moçambique); havendo ainda lugar para poesia, dança e workshops. O Musidanças, recorde-se, é um festival anual idealizado por Firmino Pascoal que se realiza desde 2001. Mais informações aqui.