06 fevereiro, 2009

Cacharolete de Discos - Boom Pam, Diego El Cigala e «Dancehall - The Rise of Jamaican Dancehall Culture»


Recuperando algumas críticas a discos originalmente publicadas na «Time Out Lisboa», aqui ficam os textos a propósito dos novos álbuns dos israelitas Boom Pam (na foto, de Yanay Nir) e do espanhol Diego El Cigala e a crítica à fantástica colectânea «Dancehall - The Rise of Jamaican Dancehall Culture».


BOOM PAM
«PUERTO RICAN NIGHTS»
Essay Recordings/Megamúsica

Ao segundo álbum, os israelitas, de Tel-Aviv, Boom Pam têm a sua fórmula única e original ainda mais bem apurada do que no seu, homónimo, disco de estreia, editado em 2006. A fórmula «instrumental» continua a mesma: Uzi Feinerman (guitarras eléctricas e, ocasionalmente, banjo, harmónica e voz), Yuval “Tuby” Zolotov (nas gordas linhas de baixo dadas por uma… tuba), Uri Brauner Kinrot (guitarras eléctricas e voz) e Dudu Kohav (bateria e percussões). Mas a fórmula «musical» vai agora ainda mais longe, juntando à sua original mistura de klezmer judaico, rebemtika grega, música cigana dos Balcãs, pitadas de especiarias árabes e turcas e, sempre!, o surf rock - e é bom não esquecer que o surf rock foi inventado por Dick Dale, guitarrista com raízes familiares na baía mediterrânica do Médio Oriente, daí aquele som que remetia para a Grécia, a Turquia, o Líbano mas que invadiu depois o rock'n'roll, dos Beach Boys aos Shadows, do Conjunto Mistério às bandas-sonoras dos filmes de Tarantino… -, outras sonoridades: o country & western (num divertidíssimo tema, «Shayeret Harohvim», cantado em hebraico por Maor Cohen mas coberto pelo esparguete enniomorriconiano), a música ranchera mexicana em «Ay Carmela» (em duas versões, uma instrumental, a outra cantada por Italo Gonzalez) e o ska e o dancehall jamaicanos adaptados ao eixo klezmer/Balcãs com a ajuda do fabuloso MC Tomer Yusef, dos conterrâneos Balkan Beat Box, seus irmãos na busca de uma klezmerização global). E, finalmente, os Boom Pam gravaram, no segundo álbum, o tema de rock'n'roll grego… «Boom Pam», que lhes deu a inspiração original, e que é sempre um dos momentos de maior festa dos seus concertos. (*****)


DIEGO EL CIGALA
«DOS LÁGRIMAS»
Cigala Music

A renovação do fado a que se tem assistido nos últimos anos em Portugal é muito semelhante ao que aconteceu, mas no caso espanhol com um avanço de muitos anos, com a reinvenção do flamenco. De Paco de Lucia a Niña Pastori, de Martirio aos Ketama ou, mais recentemente, dos Ojos de Brujo a Concha Buika, dos Son de La Frontera a Chambao, muitos - muitíssimos! - são os exemplos de cruzamentos do flamenco com muitos outros géneros musicais, insuflando-lhe assim uma nova vida e um novo sentido. Desde há uma década na linha da frente dessa mesma renovação, o cantor madrileno Diego El Cigala - cujos primeios álbuns de sucesso tiveram o dedo, na produção, de Javier Limón, o mesmo que tem produzido os últimos álbuns de Buika e o último de Mariza - chegou ao estrelato internacional com a sua aproximação muito própria do flamenco com a música latino-americana: o seu disco em parceria com o pianista cubano Bebo Valdés, «Lágrimas Negras» (produzido pelo realizador de cinema Fernando Trueba e editado em 2003) foi um sucesso estrondoso de vendas e de crítica. E, não por acaso, o novo álbum de Diego El Cigala, «Dos Lágrimas», continua de forma brilhante o seu namoro de flamenco com a música latino-americana - estão por lá, entre outros grandes clássicos, o tema «Dos Gardenias», numa versão arrepiante, os tambores afro-latinos em «Dos Cruces», o tango argentino em «Caruso»… E por aqui tocam músicos como o mítico percussionista cubano Tata Guines (falecido depois da gravação do disco, aos 77 anos) ou o grande pianista, também cubano, Guillermo Rubalcaba, para além de outras participações como o acordeonista francês Richard Galliano ou o vocalista da Vieja Trova Santiaguera, Reinaldo Creagh. Esta edição, de luxo, inclui ainda um livreto com uma extensa entrevista a Diego, curiosidades, as letras dos temas e muitas fotos. (*****)


VÁRIOS
«DANCEHALL - THE RISE OF JAMAICAN DANCEHALL CULTURE»
Soul Jazz Records

A contribuição - valiosíssima! - da Soul Jazz Records para o conhecimento e compreensão da música jamaicana das últimas décadas conhece agora um novo e inestimável capítulo: uma colectânea fabulosa que reúne mais de trinta temas que deram forma ao dancehall, género jamaicano que inicialmente pede emprestada a forma do reggae - e de outras músicas jamaicanas como o ska, o dub ou o rocksteady - mas o transforma em algo de mais carnal, mais visceral, mais violento, por oposição aos temas de intervenção política ou à cultura rastafari que o reggae enformava, e numa cena mais de DJs e de toasters do que de bandas e cantores. Não por acaso, com o correr dos tempos, o dancehall viria a tornar-se um irmão próximo do gangsta rap norte-americano e contribuiria, tal como este, para o aparecimento do reggaeton latino-americano, o kwaito sul-africano, o baile funk brasileiro ou o kuduro angolano. Mas, no princípio, o dancehall deu-nos autênticas pérolas musicais que em nada ficam a dever às melhores do reggae ou às dos tempos áureos do ska. E nesta colectânea estão cá quase todas, assinadas por nomes seminais como Yellowman, Eek a Mouse, Chaka Demus & Pliers, Ini Kamoze, Junior Murvin, General Echo, Gregory Isaacs ou Clint Eastwood (pois, não é o actor). E, acima delas todas, pelo menos na minha opinião pessoalíssima, três diamantes que qualquer pista de dança antiga ou actual, não pode desprezar: os temas «Chop Chop», de Cutty Ranks, «Trash and Ready», de Super Cat, e «Deaf Ears», de Early B, todos eles eivados de uma modernidade surpreendente. A evolução do dancehall para o ragga assistiria depois à emergência de estrelas internacionais como Shabba Ranks, Buju Banton ou Capleton, mas isso já é outra história, que decerto a Soul Jazz um dia irá contar. (*****)

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