19 maio, 2010

Colectânea de Textos no jornal «i» (I)

Faz este mês um ano que comecei a colaborar com o jornal «i», sendo o responsável por uma coluna de opinião sobre música portuguesa. Hoje e nos próximos tempos - a conselho de uma mente sábia - publicarei aqui muitos dos textos que, semanalmente, foram por lá nascendo em suporte papel-e-tinta. Não é só world music, tradição e folk, mas como este blog tem andado demasiado órfão sempre é uma maneira de ir ocupando aqui os pixéis disponíveis de uma forma, hermmmm, útil...


A vingança do kuduro
por António Pires, Publicado em 15 de Maio de 2009

Na longa lista de aberrações convidadas para os seus programas televisivos - o Vítor Peter, a Pomba Gira, a Natália de Andrade, o Professor Alexandrino... -, Herman José incluiu há alguns anos o duo de kuduro Salsicha & Vaca Louca, ridicularizando os seus ritmos selvagens e os seus requebros opulentos. Poucos anos depois, o kuduro, via Buraka Som Sistema (na foto, de Hilary Harris), mas não só,é um fenómeno de sucesso mundial. Angolano na sua origem mas com ligações ao miami bass, ao baile funk brasileiro, ao kwaito sul-africano, ao reggaeton porto-riquenho e ao dancehall jamaicano, o kuduro foi adoptado por vários produtores e músicos dos PALOPs e de Portugal (Dog Murras, DJ Znobia, Makongo, Batida ou o cabo-verdiano que junta funaná com kuduro Izé, entre muitos outros) e de fora da esfera lusófona como M.I.A. (a voz principal da oscarizada banda-sonora do filme "Quem Quer Ser Bilionário?"), o DJ e produtor francês Frédéric Galliano ou o norte-americano Diplo. E os Buraka Som Sistema actuam nos principais festivais do mundo (Glastonbury, Roskilde, Coachella...) e têm feito digressões, com tremendo sucesso, no Japão, na Europa, na Austrália e nos Estados Unidos. Os Buraka Som Sistema (uma mistura de portugueses, angolanos e indo-moçambicanos e um espelho perfeito do caldo de culturas em que Lisboa se transformou nos últimos anos) são, aliás, considerados - ao lado de Mariza, uma fadista nascida em Moçambique - os maiores embaixadores actuais da música... portuguesa. Está na altura de reescrever a entrada "kuduro" na "enciclopédia" do Herman.



Um musical para José Cid
por António Pires, Publicado em 22 de Maio de 2009

Aterra-se no aeroporto de Gatwick, chega-se a Londres de comboio e a primeira coisa que se vê é o enorme cartaz de "We Will Rock You", o musical dedicado aos Queen, em cena no Dominion Theatre, ali mesmo ao lado (e que tem no elenco um cantor e actor português, Ricardo Afonso, que, ao que parece, é uma emulação quase perfeita de Freddie Mercury). E, para além dos outros, milhentos, exemplos de musicais dedicados a grandes nomes da música, assistimos desde há alguns anos à febre "Mamma Mia": de repente os ABBA são a coisa melhor do mundo, há peças de teatro, filmes, concursos, karaokes e discos a mitificar as canções do grupo sueco. Agora, a circular na net, corre uma petição a pedir um musical dedicado à vida e obra de José Cid (na foto, de Rita Carmo). Sou suspeito quando falo dele - tive a honra de escrever a biografia do Quarteto 1111, que tinha como líder José Cid -, mas acho que posso dizer, em consciência, que era mais que justo fazer-se esta homenagem. Pelo 1111, pelos Green Windows, pela sua valiosíssima obra a solo, do disco "da palha" a "10 000 Anos depois entre Vénus e Marte" e muitos outros. E também pelos deslizes e apesar dos deslizes... Mas há uma diferença fundamental entre Cid e os outros: o Freddie Mercury já morreu, os ABBA acabaram há muito e sabe-se que nunca voltarão a reunir-se, mas José Cid está vivinho da costa! Logo, o actor principal que proponho para esse musical baseado no José Cid não poderia ser outro senão... o próprio José Cid.



O fado que há nos Joy Division
por António Pires, Publicado em 29 de Maio de 2009

Em alguns círculos mais apertados do fado continua a gritar-se "heresia!" sempre que há alguns desvios mais atrevidos ao género. O último caso deu-se com as canções dos Joy Division e dos Nine Inch Nails interpretadas - de forma excelente, digo eu - por Mísia (na foto, de Youssef Nabil) no álbum "Ruas": porque são cantadas em inglês; porque têm bateria e guitarra eléctrica a acompanhar; porque vêm de um reportório do rock, rock mesmo. Mas estas críticas perdem fulgor quando se pensa que a canção portuguesa de maior sucesso mundial é "Coimbra" - traduzida e adaptada para francês e inglês como "Avril au Portugal" e "April in Portugal", respectivamente, e cantada por Louis Armstrong, Bing Crosby, Eartha Kit ou Liberace - ou que Amália Rodrigues, que cantava frequentemente noutras línguas, gravou um álbum inteiro em inglês, "Amália na Broadway" (onde interpretava temas como "Long Ago and Far Away", "Blue Moon" ou "Summertime"). Mais alguns exemplos: a deliciosa versão de "Hey Jude", dos Beatles, por Carlos Bastos (editada no final dos anos 60, com arranjo para guitarra portuguesa de António Chainho e cantada por Carlos Bastos com uma pronúncia divertidíssima); a arrepiante versão de "Sorrow's Child", de Nick Cave, por Paulo Bragança; ou as "Outras Canções" de Camané, que já incluíram temas de Frank Sinatra ou Divine Comedy.

3 comentários:

laura disse...

É bom que regresses. Fazes falta na blogoesfera musical. Abraços!

Torres disse...

bastante útil, diria. ;)
obrigado António. vou ler com atenção. devo ter falhado alguns deles.

um abraço,
antónio

Rui Gonçalves disse...

Uma belíssima e proveitosa ideia. :)