09 janeiro, 2012

Colectânea de Textos no jornal "i" - XXVI


Companheiros de Aventura - Mais uma Selecção A da música portuguesa

Quando a Resistência apareceu, muita gente torceu o nariz à ideia e desconfiou das boas intenções daquele super-grupo que integrava elementos dos Madredeus, Delfins, Xutos & Pontapés, Trovante, Santos & Pecadores e ainda alguns músicos vindos do jazz. Não era habitual, na altura, que músicos de diferentes grupos e de áreas estilísticas díspares se juntassem para fazer música em conjunto. Era cada um em seu cantinho, cada um na sua paróquia. É verdade que, anos antes, para a gravação de "Galinhas do Mato", de José Afonso, muitos músicos e cantores se reuniram à volta do mestre - já bastante doente - para o ajudar a terminar a gravação desse disco (em que muitas das suas canções já não foram gravadas por ele mas pelas vozes de Luís Represas, Né Ladeiras, Janita Salomé...). Mas, nesse caso, lá está, era tudo gente da mesma "paróquia". Foi a Resistência, portanto, que abriu as portas a projectos posteriores como o Rio Grande, os Cabeças no Ar, o Palma's Gang, os Humanos - em que gente do fado e dos rocks se juntava à volta das canções inéditas de António Variações - ou este "Companheiros de Aventura", novo álbum de Tim - um "habitué" de muitos dos grupos referidos - que agora reúne à sua volta Rui Veloso, a fadista Celeste Rodrigues, Vitorino e músicos do calibre de Mário Laginha, Moz Carrapa, Gabriel Gomes ou Fernando Júdice. E com uma abertura de horizontes que é, também por isso, um enorme luxo.



Ama Romanta... (Quase) Sempre!

Há 25 anos nasceu em Lisboa uma das mais representativas editoras independentes portuguesas, a Ama Romanta. Liderada por João Peste, dos Pop dell'Arte, ao qual se juntou Adolfo Luxúria Canibal, dos Mão Morta, a Ama Romanta destacou-se de todas as outras - na altura ou ainda agora - através de um consistente programa estético e político e de uma escolha musical irrepreensível - mesmo que muitos géneros nela convivessem (punk, rock alternativo, jazz, música experimental...). Se calhar não por acaso, as bandas já referidas foram também aquelas que deixaram marcas mais indeléveis na história da nossa música. Quer através dos seminais primeiros álbuns, e alguns dos seguintes, de cada grupo, quer através de concertos absolutamente memoráveis desses anos irrepetíveis - entre outros, o dos Pop dell'Arte na Aula Magna (com Adolfo a ajudar) ou o dos Mão Morta no Rock Rendez Vous (Adolfo e uma faca em sangue). Com carreiras absolutamente diversas - coerente, continuada e em ascensão permanente a dos Mão Morta, com altos e baixos e muitas fases de apagamento a dos Pop dell'Arte -, as duas bandas têm agora álbuns novos prontos a editar: "Pesadelo em Peluche" (Mão Morta), já por estes dias, e "Contra Mundum" (Pop dell'Arte), espera-se que para breve.



A revelação Andersen Molière

Apesar de estar nos últimos tempos a ser ultrapassado por outras redes sociais - nomeadamente o Facebook e o Twitter -, a verdade é que o MySpace continua a ser o melhor meio de divulgação de novos projectos musicais. E, por vezes, surgem por lá excelentes surpresas! Último exemplo: no passado domingo, recebi no MySpace um pedido de amizade de uma banda de Lisboa de que já tinha ouvido falar mas cuja música não conhecia: os Andersen Molière. E foi só começar a ouvir os (muitos) temas que eles têm na sua página para ficar imediatamente apaixonado pela sua música. Uma música feita de valsinhas-musette, cabaret, klezmer, country, experimentalismo q.b., algumas letras absurdas, dada e surreais, referências a nomes maiores da música portuguesa - muitas vezes Sérgio Godinho (não por acaso têm também uma belíssima versão da "Balada da Rita")mas também Madredeus com electrónica vintage (no tema "O Segredo") - ou estrangeira, como os Tindersticks, Nick Cave ou Yann Tiersen. Os Andersen Molière são mais um marco da enorme vitalidade e criatividade da música portuguesa que se sente e gosta de ser portuguesa, imediatamente ao lado dos Deolinda, OqueStrada, Anaquim, Virgem Suta ou Diabo na Cruz, entre alguns outros.



A cantiga, a arma e... a reedição que faltava!

A música portuguesa teve duas excelentes notícias nas últimas semanas: por um lado, o regresso d'A Naifa, com Mitó Mendes (voz) e Luís Varatojo (guitarra portuguesa) no posto habitual e os novos elementos Sandra Baptista (ex-acordeonista dos Sitiados, agora no baixo eléctrico que pertencia ao seu marido João Aguardela) e Samuel Palitos (bateria), assegurando assim a continuidade do mais importante projecto de renovação do fado. Por outro, a reedição em CD - finalmente - da discografia do GAC -Vozes na Luta: os históricos álbuns "Pois Canté!!", "...E Vira Bom", "...Ronda de Alegria!!" (com o bónus do EP "Marchas Populares") e a colectânea de singles "A Cantiga É Uma Arma" (com a inclusão de dois inéditos, "Hino da Reconstrução do Partido" e "Hino da Confederação"), todos com o dedo do mestre José Fortes na restauração e remasterização do som e com textos explicativos de Nuno Pacheco e João Lisboa. Há motivo para festejar! O GAC foi um objecto único, fugaz e importantíssimo da música portuguesa; um produto político do seu tempo - o turbilhão pós-25 de Abril/PREC - mas também um manifesto cultural e musical que vai muito além desse seu engajamento político-partidário e influenciou decisivamente muita da música portuguesa de raiz tradicional que se lhe seguiu. Fazendo música "para o povo", era ao povo e à sua música que o GAC ia buscar os ritmos e as harmonias, mas muitas vezes com o polimento dado pela música erudita e por gigantescos, épicos e arrepiantes coros. Pelo GAC passaram nomes como José Mário Branco, João Lóio, Luís Pedro Faro, Margarida Antunes da Silva, Rui Vaz ou Carlos Guerreiro, todos eles ainda activos musicalmente.

(Textos publicados no jornal "i" durante o mês de Abril de 2010)

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