21 fevereiro, 2012

Mistico Mediterraneo: Esta Sexta, no CCB


É já esta sexta-feira, dia 24, que o CCB, em Lisboa, recebe um inesperado -- mas excitante -- projecto que junta o bandoneon de Daniele di Bonaventura, o trompete de Paolo Fresu (na foto, de Andrea Boccalini) e os mestres do canto polifónico corso A Filetta. O comunicado:


«MISTICO MEDITERRANEO leva-nos ao mais profundo da alma.
Passeio interior, reflexão íntima, sonoridades encantadoras e cativantes,
é uma das mais belas surpresas do ano.
LA DÉPÉCHE




Reunião improvável do conceituado trompetista de jazz Paolo Fresu, colaborador habitual de músicos como Ralph Towner, Uri Caine ou Carla Bley, com o bandoneon de Daniele di Bonaventura e com as vozes únicas dos cantores do grupo A Filetta, originário da Córsega.

Um hino ao Mediterrâneo e a tudo o que ele simboliza e uma homenagem de grande força e espiritualidade a esta mística e rica tradição popular, baseada na polifonia vocal destes extraordinários cantores e nos rasgos de lirismo bem característicos do trompete de Fresu.

Mistico Mediterraneo
ECM Lisbon Series
24 de Fevereiro 2012
CCB, Grande Auditório, 21h00
Paolo Fresu, trompete e fliscorne
A Filetta, vozes
Jean-Claude Acquaviva, seconda
Paul Giansily, terza
Jean-Luc Geronimi, seconda
José Filippi, bassu
Jean Sicurani, bassu
Maxime Vuillamier, bassu
Ceccè Acquaviva, bassu
Daniele di Bonaventura, bandoneón

SONGS OF THE ISLANDERS (Canções dos Ilhéus)

“Filetta” é uma palavra corsa que quer dizer “feto, filifolha”, e a perenidade dos fetos é uma boa metáfora para a resiliência da tradição defendida pelo grupo vocal A Filetta. O próprio grupo, com raízes na areia, no solo e na história da sua ilha de granito, é um vigoroso sobrevivente. Há mais de três décadas que A Filetta está no primeiro plano do ressurgimento da polifonia na Córsega.
O grupo tinha apenas um mês de existência, quando Jean-Claude Acquaviva se lhe
juntou, em 1978. Ele tinha então 13 anos, mas acabaria por se tornar o director do
agrupamento e o seu principal compositor e letrista. Se o impulso original para a
formação do grupo fora o de proteger um estilo vocal ameaçado, essas prioridades
foram há muito reformuladas. Entretanto, os A Filetta tornaram-se talvez o mais
conhecido expoente contemporâneo de uma linguagem polifónica corsa agora
florescente e estão empenhados no seu desenvolvimento através da criação de novas
peças. Não há no grupo nenhum museólogo nem nenhum purista das práticas de
execução histórica.
Acquaviva insiste que “considerar a tradição como um belo objecto que tem de ser
protegido seria uma ilusão absurda. A nossa tradição reflecte um povo vivo. Por isso, é importante resistir à tentação de uma mera duplicação daquilo que já foi feito.
Vivemos na música e a música vive em nós, e ela evolui através da criação, como
sempre aconteceu ao longo dos tempos. O que propomos nas nossas composições é
uma possível extensão desta estética vocal.”
No que diz respeito ao ciclo de canções que é Mistico Mediterraneo, Acquaviva afirma
que “estas peças reflectem fielmente a trajectória dos A Filetta ao longo dos últimos
vinte anos. Não só, naturalmente, uma música com raízes na tradição, mas também
uma música muito inspirada por inúmeros encontros com outras linguagens musicais,
‘étnicas’ ou não.” Consequentemente, e citando a musicóloga Caroline Bithell, o
cenário mudou da tradição oral para a cena mundial. A “estética vocal” corsa que
Acquaviva destaca, com os seus melismas e ornamentação instável, foi em tempos um
fenómeno puramente local. Hoje em dia, pode ser desfrutada por todo o planeta, e o
itinerário dos A Filetta nas últimas temporadas levou-os desde o Mediterrâneo até à
América do Sul, Japão, Escandinávia e Médio Oriente.
O encontro de Paolo Fresu com os cantores foi, todavia, “em casa”. Ele já não tem a
certeza do ano, “mas era o mês de Maio, com a murta e as estevas em flor” a exalarem
o seu aroma das charnecas, tranquilizadoramente familiares para um visitante vindo
da Sardenha como ele. O encontro de Fresu com a música provocou-lhe um outro tipo
de sobressalto de reconhecimento. A Sardenha tem também uma linguagem vocal em
que coexistem expressão refinada, fraseologia arcaica e pronúncia gutural – todas elas presentes na música corsa. No entanto, era igualmente evidente para ele que os A
Filetta tinham encontrado a sua própria maneira de abordar uma polifonia
contemporânea complexa, ao mesmo tempo que perseguiam antigas melodias
melismáticas pelos corredores do tempo. O equilíbrio dramático entre “novo” e
“velho” exerceu uma grande atracção sobre o trompetista que, no seu próprio
trabalho, gosta de reavaliar as relações com a tradição.
Em Outubro de 2006, Fresu e o bandoneonista italiano Daniele di Bonaventura, juntamente com dois outros improvisadores de jazz (o saxofonista André Jaume e o percussionista Philippe Biondi), foram convidados pelo encenador Francis Aïqui para um evento comemorativo no teatro L’Aghja em Ajaccio, na Córsega, tendo-se assim estabelecido uma base para futuras colaborações. Ao longo dos últimos quatro anos, os músicos têm vindo a apurar o ciclo de canções hoje conhecido por Mistico Mediterraneo, e Bonaventura passou a trabalhar com os cantores noutros contextos. Segundo Acquaviva, “a comunicação entre os músicos baseia-se em códigos um pouco diferentes dos de um contexto de jazz puro. As nossas intervenções cantadas são fixas e constituem a base a partir da qual o Paolo e o Daniele podem improvisar com grande liberdade.”
Neste sentido, o ciclo Mistico Mediterraneo pode ser considerado parte de um
contínuo histórico que se estende desde a abordagem de Miles Davis a Rodrigo e de
Falla em Sketches of Spain até à colaboração Garbarek/Hilliard em Officium, projectos
onde uma improvisação com raízes no jazz encontrou o seu espaço em contextos
ostensivamente “alienígenas”, quer se trate de arranjos de canções populares, música
de câmara ou música sacra. E, ao mesmo tempo que o fraseado de Fresu conserva
ainda ecos das suas influências formativas, Miles e Chet Baker, o seu trompete
transporta consigo o jazz, quer se erga acima dos cantores ou teça o seu caminho por
entre as linhas vocais.
Ao longo de todo o álbum, a parceria com Daniele di Bonaventura revela grande
sensibilidade. Na visão de Fresu do ciclo de canções, o bandoneonista do continente
(natural de Fermo, na região italiana de Marche) é o poeta dos perímetros, sugerindo
os seus sons “lugares distantes, partidas, desembarques”. Além de ser um colorista e
um definidor das margens das coisas, Bonaventura contribui com três composições
para Mistico Mediterraneo. O seu trabalho Gradualis tem letra de Jean-Claude
Acquaviva. Corale e Sanctus são duetos arrebatados para bandoneon e trompete.
As outras peças do ciclo provêm de uma grande variedade de fontes, que no seu
conjunto projectam algumas das preocupações dos A Filetta. Há aqui temas sacros e
seculares, peças que tocam a redenção espiritual ou a identidade nacional-cultural,
coisas do coração. As vozes ressonantes dos sete cantores (talvez mais no jogo de sons harmónicos) movem-se facilmente entre línguas - corso, francês, latim – e o significado emocional das canções transcende uma leitura literal dos textos.
De entre as composições de Acquaviva, Rex tremendae e Figliolu d’ella têm origem
num Requiem escrito em 2004, Di Corsica riposu, requiem pour deux regards,
executado pela primeira vez na Basílica de Saint-Denis, nos subúrbios de Paris.
U Sipolcru é um cântico criado para uma Paixão levada à cena em Calvi, no início da
década de 1990. Liberata provém de um documentário sobre o movimento de
resistência corso durante a Segunda Guerra Mundial. Os filmes têm sido um
importante meio de divulgação da mensagem dos A Filetta, e eles trabalharam com o
compositor parisiense de música para filmes, Bruno Coulais, nas bandas sonoras e
música incidental de uma dúzia de filmes e obras cénicas. O cântico Le lac, baseado
num mantra tibetano, foi composto por Coulais para o filme de Eric Valli, Himalaya,
l’enfance d’un chef (1999), enquanto Gloria e La folie du Cardinal são do filme de
Gabriel Aghions, Le libertin (2000). Três destas peças foram escritas para os A Filetta por Jean-Michel Giannelli, compositor de canto polifónico contemporâneo e ocasional instrumentista do grupo. Da tè à mè e Scherzi veranili têm textos do poeta corso Petru Santucci.»

Mais informações sobre cada um dos artistas e grupos envolvidos, aqui.

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