10 dezembro, 2010

Ricardo Rocha - Um Prémio e... Um Tributo


A notícia já tem umas semanas, mas serve de mote possível ao que vem a seguir: Ricardo Rocha foi o vencedor do Prémio Carlos Paredes 2010, atribuído pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, pelo seu último álbum, "Luminismo". Um prémio mais que apropriado e que me serve de justificação para recuperar aqui a crítica a esse disco e a entrevista que fiz com Ricardo Rocha a propósito deste álbum desviante, revolucionário e, por isso mesmo, absolutamente sedutor. Os textos originais foram publicados na revista "Time Out".


Ricardo Rocha
"Luminismo"
Mbari Música

Num ano (2009) de excelente produção discográfica portuguesa, o prémio de álbum mais surpreendente (e, de certa forma, também o mais marado) de todos vai, sem dúvida, para Ricardo Rocha. Mestre, embora relutante, da guitarra portuguesa, Ricardo Rocha editou o histórico "Voluptuária" em 2003, seguindo-se "Tributo à Guitarra Portuguesa" – em que visita os grandes guitarristas do fado de Lisboa. Agora, no duplo-álbum "Luminismo" faz os seus originais viajarem pelo fado, a folk livre à maneira de John Fahey/Norberto Lobo ou o serialismo e apresenta versões pessoais de temas de Carlos Paredes (oiça-se “Canto do Trabalho” em speed-metal!), Artur Paredes e Pedro Caldeira Cabral. O segundo CD, ainda mais surpreendente!, são temas dele compostos para... piano, interpretados por Ingeborg Baldaszt. *****


Entrevista
Eu Tenho Dois Amores...

Que em nada são iguais: um é a guitarra portuguesa mas é o piano que amo mais. Nesta conversa com António Pires, Ricardo Rocha assume a bigamia.

A letra da célebre canção de Marco Paulo, embora aparentemente desajustada neste contexto, pode aplicar-se na perfeição a Ricardo Rocha, um génio da guitarra portuguesa mas igualmente perdido de amores pelo piano. No seu novo álbum, "Luminismo", o CD1 inclui originais e versões de temas de Artur Paredes, Carlos Paredes e Pedro Caldeira Cabral, interpretadas por ele na guitarra portuguesa, enquanto o CD2 inclui peças para piano compostas por ele e tocadas por Ingeborg Baldaszti.

Há um pequeno pormenor neste novo álbum, "Luminismo", que não existe nos outros dois que gravaste, "Voluptuária" e "Tributo à Guitarra Portuguesa": ouve-se a tua respiração, como se ouvia a respiração do Carlos Paredes nos discos dele.

E também se ouve a minha voz (como acontecia com o pianista Glenn Gould).

Mas isso leva-me a uma questão de que falaste há alguns anos noutra entrevista: a dificuldade que é, para ti, tocar guitarra portuguesa.

Sim, continua a ser doloroso. E quanto mais dificuldade técnica tiver a peça, mais esforço físico está implícito.

No "Voluptuária" tinhas, para além de inúmeros originais, versões de Carlos Paredes e Pedro Caldeira Cabral. Neste repetes estes dois nomes mas também tens um tema de Artur Paredes (pai de Carlos Paredes).

Fiz uma adaptação – não gosto da palavra “arranjo” - de uma peça dele, “Passatempo”, que é muito bonita e que é fantástica para abordar a solo dentro de um esquema muito clássico, o que é interessante.

A referência a estes três nomes – os Paredes e Caldeira Cabral – leva-nos a outra questão inevitável: há pouquíssimos compositores para guitarra portuguesa a solo. São eles e poucos mais e, numa geração muito mais nova, existes tu. Achas que há preguiça ou falta de vontade dos outros guitarristas?

Não, não acho que seja preguiça ou falta de vontade. A guitarra está é tão associada a um género musical específico, o fado, que não são duas ou três pessoas que a conseguem resgatar ao seu papel de instrumento de acompanhamento (da voz). Eu sozinho não consigo. O Carlos Paredes não conseguiu, o Pedro não conseguiu, eu não irei conseguir...

Mas isso já aconteceu noutros géneros musicais: o bandoneón foi resgatado ao tango, a kora está agora a ser assumida como um instrumento solista...

Mas o bandoneón teve o Piazzolla, com uma projecção internacional fortíssima... Em Portugal, a guitarra portuguesa só há poucos anos entrou no meio académico, em alguns Conservatórios. Estas iniciativas são saudáveis. E talvez, por causa disso, daqui por dez, quinze anos, poderá vir a dar frutos e possamos vir a ter solistas e compositores para guitarra portuguesa.

Falando dos teus temas originais no novo disco, aquilo que sinto é que, embora havendo aqui e ali umas alusões ao fado, há ali muitas outras coisas: o serialismo, a música minimal-repetitiva, a influência da guitarra clássica aplicada à free-folk...

Não acho que aquilo que faço seja original. Acho é que se está a ouvir pela primeira vez uma guitarra portuguesa fora do contexto que é esperado. A surpresa para as pessoas é “estou a ouvir uma música que reconheço mas os sons são emitidos por um instrumento diferente daqueles a que estou habituado”. E de fado não tem nada. Só, talvez, por ser o instrumento que é. Uma coisa de que tenho a certeza é a de que, se não tocasse piano – e toco mal piano -, e se não conhecesse o seu reportório, não comporia para guitarra portuguesa como componho. A minha visão e abordagem racional da música, vinda do piano, é muitas vezes transposta para a guitarra. Adoro o piano.

Concordarias comigo se dissesse que a guitarra portuguesa é a tua mulher e o piano é a tua amante?

(risos) Essa é uma visão engraçada. Mas, sim, pode ser encarado dessa forma. E isto, com o máximo respeito para as mulheres.

Este álbum é duplo e, surpreendentemente, o segundo CD tem peças tuas compostas para piano. Foi uma maneira de mostrar que há vários Ricardos Rocha no Ricardo Rocha?

Não. E quase aconteceu por acaso. Fui convidado para tocar num programa, extraordinário, do António Victorino d'Almeida que passou há dois anos na televisão mas que ninguém viu – aquilo era transmitido às duas da manhã! E nesse programa conheci a Ingeborg, que é uma pianista absolutamente genial. Isso inspirou-me a compor algumas novas peças a pensar nela como intérprete, às quais juntei três que já tinha composto antes. Na editora, quando ouviram o piano, perguntaram-me se era eu a tocar. Eu? Quem me dera tocar assim!

1 comentário:

Rui Gonçalves disse...

Um disco, sem dúvida, enorme, mas, infelizmente, muitíssimo pouco divulgado.