31 janeiro, 2008

«Afrika! Afrika!» - Isto Não É Uma Petição, Mas...


Quem por estes dias andar por Londres - até dia 19 de Abril - ou por Hannover - até dia 8 de Março - pode assistir a um dos espectáculos mais elogiados do momento: «Afrika! Afrika!», uma ideia do artista multimédia austríaco André Heller em que participam mais de cem artistas africanos, de dezassete países diferentes, entre artistas de circo, bailarinos, músicos e cantores. Para além de André Heller, dirigem esta super-produção o coreógrafo marfinense Georges Momboye e, na parte musical, o saxofonista e compositor sul-africano William Ramsay, à frente de um grupo que interpreta música de várias origens e que conta com as vozes do cantor Shaluza Max (que trabalhou com Johnny Clegg & Savuka) e da cantora Ntombifuthi Pamella Mhlongo, ambos igualmente sul-africanos. Este ano, «Afrika! Afrika!» ainda pode ser visto igualmente em Liverpool, Birmingham, Dublin, Viena, Salzburgo, Barcelona, Milão e Paris, estando previsto que no próximo ano chegue aos Estados Unidos e à Ásia. Isto não é uma petição, mas não há ninguém que o traga a Portugal um dia destes?... Mais informações, aqui.

30 janeiro, 2008

Coimbra em Blues - De África ao Mississippi, Passando por Portugal


Que as músicas tradicionais estão na base das músicas, digamos, modernas, é um dado adquirido. E o exemplo mais óbvio - já referido por diversas vezes neste blog, não sendo por isso necessário entrar em grandes detalhes sobre o assunto - é o dos blues, música de raiz africana, nos Estados Unidos transformada, a pouco e pouco, num fenómeno global avassalador: o rock e todas as suas outras ramificações, por lá e por todo o mundo à volta. A sexta edição do festival Coimbra em Blues - que decorre mais uma vez no Teatro Gil Vicente, dias 13, 14 e 15 de Março - dá bem conta dessas ligações primevas: o que une a zona mandinga de África ao delta do Mississippi - e de como os blues estão em todo o lado, dos Estados Unidos a Inglaterra e a... Portugal.

Mais uma vez com direcção artística de Paulo Furtado (WrayGunn, The Legendary Tigerman), o Coimbra em Blues começa com concertos, dia 13, do norte-americano Gary Lucas em parceria com os portugueses Dead Combo (na foto), num «duelo» encomendado pelo próprio festival. No dia seguinte, a 14, há lugar para os blues vindos das ilhas britânicas com o duo de Billy Jenkins & Steve Morrison e para o encontro de músicos da África Ocidental e dos Estados Unidos no projecto Afrissippi. Para terminar, dia 15, o festival apresenta os blues e o rock'n'roll da coimbrã mas cidadã do mundo Ruby Ann e a guitarra incendiária de James «Super Chikan» Johnson. Um grande programa para um festival que, segundo o press-release de apresentação, «ensaia uma nova combinação entre a dimensão experimental e a dimensão celebratória, que tem caracterizado a sua forma particular. Trata-se de conhecer o repertório, sim, nas suas reinterpretações, mas também, e talvez sobretudo, de conhecer o legado dessa forma de canção popular no seu potencial de recriação e contaminação inter-genérica e trans-geográfica. A matriz originária continua a ser reconhecível através da presença infecciosa dos blues nos cruzamentos entre géneros musicais, mas é esse cruzamento que lhe garante renovada vitalidade; cruzamentos incentivados pelo próprio festival de Coimbra, como acontece este ano com a colaboração entre Gary Lucas e Dead Combo». A anteceder o festival, dia 12, é apresentado o filme «The Future is Unwritten», de Julien Temple, documentário dedicado a Joe Strummer, dos Clash.

29 janeiro, 2008

DJ Click, [dunkelbunt] e Gaetano Fabri - Quando o Mundo É a Pista de Dança (e Vice-Versa)


No passado fim-de-semana, depois dos concertos de Emir Kusturica, houve sessões after-hours «balcânicas» em Lisboa, no Santiago Alquimista, e no Porto, no Contagiarte, com vários DJs a passar música cigana de Leste. E, um pouco por todo o lado, há cada vez mais gente a fazer remisturas ou a especializar-se como DJs de variadíssimos géneros «locais» e/ou «globais». Podem-se citar alguns nomes, entre uma miríade de outros: Shantel, DJ Dolores, Mercan Dede, o menos conhecido mas excelente Uptown Joji (Daladala Soundz), etc, etc... Desta vez fala-se aqui de três outros DJs há muito rendidos à world music: DJ Click (na foto com a violinista de klezmer Estelle Goldfarb), Gateano Fabri e [dunkelbunt].


DJ CLICK
«FLAVOUR»
No Fridge

Membro do colectivo electro-jazz-world UHT, director da editora No Fridge, DJ e remisturador apaixonado por inúmeras músicas do mundo - e como ele as conhece bem, raios o partam! -, o francês DJ Click é um dos melhores, talvez mesmo o melhor, exemplo de como se podem transportar muitas músicas tradicionais para um futuro em que a música de judeus e muçulmanos, de ciganos espanhóis e do leste da Europa, de negros, de brancos e de mestiços de várias origens conseguem todas conviver, cruzar-se e obrigar toda a gente a dançar numa nave espacial utópica e cheia de músicas novas. Músicas novas como o dub, o electro, o drum'n'bass. Neste álbum estão cá, em estado puro ou muitas vezes remisturados por DJ Click, temas do turco Burhan Öçal, da espantosa cantora húngara Mitsoura, do alemão [dunkelbunt] - de quem falaremos a seguir -, dos Transglobal Underground, dos espanhóis Laxula, do argelino Rachid Taha, do projecto balcânico (produzido por DJ Click) Tziganiada, entre muitos outros. Uma festa pegada, sempre futurista mas sem deixar de ter, lá bem funda, a tradição. (9/10)


[DUNKELBUNT]
«MORGENLANDFAHRT»
Chat Chapeau/Soulseduction

Outro excelente álbum!... «Morgenlandfahrt» é apresentado, conceptualmente, como uma viagem ao longo do dia por vários países (Hungria, Sérvia, Turquia, Bulgária...), com gravações feitas nos locais pelo próprio [dunkelbunt]. Conceito à parte, o álbum é um cocktail sempre impecavelmente misturado num «shaker» onde convivem imensos sabores, de muita música original do alemão sediado na Áustria [dunkelbunt] a música já conhecida - ou especialmente feita para este álbum - de gente como a Amsterdam Klezmer Band, a Fanfare Ciocarlia, Ostblocket, Orient Expressions ou os 17 Hippies. Com vários MCs a puxar, e bem, pelas vozes e a dar pujança ao conteúdo da música, a música dos Balcãs, o klezmer, a música turca surgem aqui mergulhados num caldo onde o dub, o reggae, o jazz ou o trip-hop alteram marcadamente as músicas de raiz, sempre com o fito de criar uma música nova e original. Um objectivo mais que conseguido por [dunkelbunt], nome artístico de Ulf Lindemann. (8/10)


GAETANO FABRI
«NUIT TSIGANE»
Le Divan du Monde/Crammed Discs/Megamúsica

Embora seja o álbum musicalmente menos interessante deste lote, «Nuit Tsigane - Gypsy Night at Le Divan du Monde» é aquele que é capaz de ter mais apelo comercial: nele, o DJ belga Gaetano Fabri faz uma selecção avassaladora dos nomes mais - e alguns, menos - conhecidos da música cigana dos Balcãs, reunindo-os num todo homogéneo e, sempre, dançável. Com subtis alterações de pitch, acelerações, algum uso e abuso do dub, um ou outro efeito electrónico, Gateano Fabri remistura temas dos KAL, da Koçani Orkestar, da Fanfare Ciocarlia, dos Balkan Beat Box e dos Taraf de Haidouks, juntando ainda ao lote temas assinados por DJ Eastender, Beltuner, Romashka ou... o já referido DJ Click, aqui em parceria com a cantora Rona Hartner. E este álbum é o resultado, passado ao suporte CD, de muitas sessões de DJing de Gaetano Fabri no mítico teatro Le Divan du Monde, em Paris, um resultado que pode não ser absolutamente brilhante mas é uma boa fonte de referências para os apaixonados da música balcânica e uma mina de «pilhagens» possíveis para sets de DJ dos outros DJs todos. (7/10)

28 janeiro, 2008

Entrudanças - É Carnaval, Ninguém Dança Mal!


O já incontornável festival Entrudanças - o nome diz tudo! - decorre no fim-de-semana de Carnaval, se se preferir do Entrudo, mais uma vez na aldeia de Entradas, perto de Castro Verde, numa parceria da Pé de Xumbo com a Câmara Municipal de Castro de Verde e a Junta de Freguesia de Entradas. As danças, folguedos, folias, concertos, oficinas de dança, etc, etc, começam dia 2 de Fevereiro e terminam no dia 4. Dia 2, sábado, há uma caminhada/desfile Entrudanças às 14h30, seguida por oficinas de lã, de máscaras e de música instrumental alentejana, de danças europeias, italianas e africanas, documentários, contos tradicionais, coros infantis e cante alentejano, enquanto para a noite fica um projecto de cante com crianças e concertos de violas campaniças e do grupo francês Trio Lam. Dia 3, domingo, a começar logo de manhã, há um passeio de observação da fauna local, oficinas de lã e de máscaras, de danças europeias, italianas e africanas, de valsas e danças do Brasil, documentários, um torneio de malha (o jogo, não aquilo que se pode fazer com... a lã), uma oficina de cante alentejano e outra de flauta de tamborileiro e baile com a Banda Filarmónica da Sociedade 1º de Janeiro; à noite há concertos pelos Tanira (na foto) e pelo Trio Lam. Dia 4, segunda-feira, com o programa a começar também logo de manhã, há uma oficina de gastronomia, de lã e de máscaras, de valsas mandadas, danças africanas, europeias, alentejanas, de Pauliteiros de Miranda, do Brasil e de danças de Carnaval do Mundo, documentários e uma oficina de pequenos instrumentos de percusssão. À noite, o festival termina com a Banda Forrozada e os Galandum Galundaina. Mais informações, aqui.

25 janeiro, 2008

Cromos Raízes e Antenas XXXVII


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XXXVII.1 - Caetano Veloso


O cantor, músico, letrista e compositor brasileiro Caetano Veloso (na foto, de Thereza Eugenia) é um dos maiores génios da música mundial. De nome completo Caetano Emanuel Viana Teles Veloso, nascido em Santo Amaro da Purificação, Bahia, a 7 de Agosto de 1942, Caetano é um dos maiores paradigmas de uma música que vai às raízes populares do seu local de origem para a fundir com a música que as «antenas» lhe trazem. Não por acaso, o seu nome confunde-se com o conceito de «tropicalismo» - a corrente musical brasileira de finais dos anos 60 em que as origens africanas, o caldeirão de culturas que era a Bahia e expressões musicais como a pop, o rock ou o jazz se uniam num todo magnífico, original, vivo. Ao longo de quarenta anos de carreira, Caetano Veloso mudou a música brasileira e influenciou de uma maneira ou outra muitos artistas não brasileiros (de David Byrne a Sérgio Godinho, de Devendra Banhart a Lila Downs).


Cromo XXXVII.2 - Ojos de Brujo


Nascidos no borbulhante movimento do «som mestiço» - que tem como papa Manu Chao -, os Ojos de Brujo formaram-se em 1996, em Barcelona, Catalunha, com uma ideia de música bem-definida e incrivelmente consistente desde o início: fundir o flamenco, e mais especificamente um dos seus «palos» (géneros), a rumba catalã, com muitas outras músicas. Uma aposta que, apesar de não ser completamente original, tem nos Ojos de Brujo o seu expoente máximo. Na sua música - espalhada pelos álbuns «Vengue» (1999), «Barí» (2002), «Techarí» (2006) e «Aocaná» (2009) - o flamenco surge transfigurado, renovado, em contacto com o hip-hop, o funk, o reggae, as electrónicas, a música árabe, latino-americana e indiana. O grupo, que tem à frente a maravilhosa cantora Marina «La Canillas», tornou-se, com mérito, um dos mais importantes do circuito da world music.


Cromo XXXVII.3 - Googoosh


Neste momento é difícil acreditar que no Irão tenha havido divas da música pop e estrelas do cinema equiparáveis às suas congéneres de outros países (norte-americanas, europeias, indianas...). Mas a verdade é que as houve. E o maior e melhor exemplo de uma cantora-actriz, a estrela mais brilhante de um firmamento muito próprio - o Irão ocidentalizado do Xá Rheza Pahlevi - é o de Googoosh, nascida com o nome Faegheh Atashin, em 1950, em Teerão. De origem azeri, Googoosh chegou ao estrelato muito jovem, durante os anos 60, protagonizando filmes e discos que a transformaram, já durante a década seguinte, na maior vedeta iraniana. Na sua música houve - e há - elementos de música persa, azeri, rock, blues, jazz, disco-sound! Com a chegada ao poder do Ayatollah Khomeini, em 1979, Googoosh foi presa durante alguns meses e proibida de cantar. Mas permaneceu no Irão e, vinte anos depois, voltou à ribalta internacional.


Cromo XXXVII.4 - SambaSunda

A expressão máxima, mais genuína e verdadeira, da música indonésia é o gamelão: orquestras de percussões em que campânulas metálicas (ou, por vezes, de bambu) são percutidas de uma forma repetitiva, hipnótica, intrincada. E esta é uma música mágica, ancestral, em que é raro haver desvios. Mas que os há, há: os SambaSunda são um extenso grupo de músicos (geralmente catorze) de Bandung, na ilha de Java, liderados pelo multi-instrumentista e compositor Ismet Ruchimat e com uma cantora, Rita Tila, a traçar surpreendentes melodias sobre uma música feita de tradição - os ensinamentos dos gamelões e o canto tradicional kecak - misturada com reggae, música brasileira (a palavra «samba» em SambaSunda não está lá por acaso), jazz e a energia do rock. «Rawhana's Cry», álbum editado em 2006, lançou-os ao Mundo... E o Mundo agradece.

24 janeiro, 2008

André Cabaço - (Nova) Música Moçambicana na ZDB


O cantor, guitarrista e compositor moçambicano André Cabaço vive há cerca de vinte anos em Portugal, costumamos vê-lo a integrar os projectos Sons da Fala e Sons da Lusofonia, a actuar com a Tora Tora Big Band, a aparecer ao lado de artistas como Sérgio Godinho e Vitorino, Guto Pires e Lindú Mona, Carlos Martins ou Janita Salomé. Mas é raro vê-lo num concerto em nome próprio. Uma dessas raras oportunidades surge agora, com a confirmação de um concerto dele na Galeria ZDB, ao Bairro Alto, em Lisboa, dia 9 de Fevereiro. Na sua variada ementa musical entram os seus álbuns «Xipapa-Pala», «Bassopa» e o mais recente «A Punga Ni Nhama» em que, segundo o press-release que acompanha a notícia desse concerto, «os ritmos, a execução de instrumentos musicais tradicionais e a exploração das diferentes tradições étnicas moçambicanas estão intrínsecas ao reportório que apresenta. As suas composições incidem numa fusão da música popular de Moçambique e estilos musicais como o funk, jazz ou house. O seu compromisso pessoal de confrontar e fundir instrumentos, sonoridades e ritmos distintos, torna André Cabaço num dos nomes mais sonantes da música contemporânea de Moçambique». Mais informações aqui.

23 janeiro, 2008

Auto-Promoção - O Regresso ao Formato Papel


A partir de hoje, quarta-feira, os leitores deste blog também podem ler outros textos meus na revista «Time Out - Lisboa», onde comecei a colaborar numa base regular e semanal, a convite do meu camarada Jorge Manuel Lopes. E, confesso, já tinha saudades de algumas pequenas rotinas a que isto está a obrigar-me (como, por exemplo... cumprir prazos de entrega de textos!). Hoje pode ler-se uma antevisão ao concerto de Emir Kusturica & The No Smoking Orchestra no Coliseu de Lisboa e uma crítica à caixa de três CDs e um DVD dos Kussondulola, «Mayombe». Para a semana será publicada uma entrevista com Miguel Filipe, mentor dos Novembro, projecto que está agora a editar o seu álbum de estreia, «À Deriva».

21 janeiro, 2008

Adeus Andy Palacio...


Estava a guardar um espaço para ele, proximamente, no Raízes e Antenas... e, assim, de repente, chega-nos a notícia da sua morte: Andy Palacio, que iria estrear-se este Verão em palcos portugueses, personagem em crescimento acelerado - um crescimento mais que justo! - no circuito da world music, morreu há dois dias, assim, de repente, em consequência de um AVC. Tinha apenas 47 anos de idade. O Luís Rei, no Crónicas da Terra, é o autor do obituário que eu tomo a liberdade de transcrever aqui:

«O ano de 2008 começa de forma trágica. Este fim-de-semana, Andy Palacio, figura maior da música do Belize e da cultura Garifuna, faleceu aos 47 anos, vítima de complicações cardíacas e respiratórias provocadas por um AVC. Durante o ano de 2007, Andy Palacio tornou-se numa das principais figuras do circuito de festivais de músicas do mundo. Autor de um dos mais aclamados álbuns do ano passado pela crítica especializada, Palacio que tinha sido recentemente designado pela UNESCO de «artista pela paz» e que recebeu, no passado mês de Outubro, o prémio WOMEX (que a principal feira de músicas do mundo concede ao melhor que este circuito musical tem para oferecer), viu o seu disco "Watina" ocupar por vários meses lugares cimeiros da World Music Charts Europe, ser considerado um dos quatro melhores discos pela revista britânica fROOTS e ser candidato aos prémios de "world music" de 2008 da BBC Radio 3, na categoria de melhor álbum. Carlos Seixas, programador do FMM, que desejava apresentar Andy Palacio e a sua banda Garifuna Collective na décima edição do Festival de Sines, ficou em "estado de choque" quando recebeu a notícia, referindo que a morte de Palacio é uma "grande perda para o Belize e para o mundo da música". Andy Palacio, como verdadeiro herói nacional que é no seu país natal, terá na próxima sexta-feira honras de uma cerimónia fúnebre de estado, estando planeado em sua memória a realização de um grande concerto na cidade do Belize. Recorde-se que, de acordo com palavras dos editores Ivan Duran e Jacob Edgar da "label" norte-americana Cumbancha, referiram ao site World Music Central que, na cultura Garifuna, "a morte de um ente querido é uma oportunidade de celebrar a sua memória e de agradecer a bênção de essa pessoa ter feito parte das suas vidas"».

18 janeiro, 2008

Cromos Raízes e Antenas XXXVI


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XXXVI.1 - Inti-Illimani


Nascidos no caldeirão da «nueva canción» chilena, em 1967, ao lado de Victor Jara ou dos Quilapayún, entre outros, os Inti-Illimani cedo se destacaram como uma das vozes mais importantes da esquerda revolucionária do Chile. Com uma música assente na tradição sul-americana mas também com ecos da folk vinda dos Estados Unidos, e com letras de intervenção política e social - bem presentes no seu álbum de estreia, homónimo, em 1968, e em «Canto al Programa», de 1969, que era uma adpatação musical do programa político de Salvador Allende -, os Inti-Illimani começaram a levar as suas canções a muitos países do mundo. E foi exactamente durante uma das suas digressões que aconteceu o golpe de estado de extrema-direita em Santiago do Chile, liderado por Pinochet, em 1973. O grupo estava em Itália, país do qual fizeram a sua base de actuação até 1988, quando regressaram ao país-natal.


Cromo XXXVI.2 - Zulya


Mais um excelente exemplo de como se pode fundir a música tradicional com outras músicas - neste caso, o rock, o jazz, leves pitadas de electrónicas... - é o da espantosa cantora Zulya (aka Zulya Kamalova), de origem tártara e russa mas radicada na Austrália desde 1991. Na sua música - espalhada por álbuns como «Aloukie», «The Waltz of Emptiness (and Other Songs on Russian Themes)» ou «3 Nights» -, boa parte dela constituída por originais seus e dos seus companheiros nos Children of The Underground, há quase sempre ecos de uma música antiga, vinda das estepes, mas também uma modernidade assumida sem medos nem complexos. Ao longo da sua carreira tem colaborado com artistas como Bob Brozman, Nikola Parov, Slava Grigoryan, Sirocco, Llew Kiek e Epizo Bangoura, tendo também encetado parcerias com músicos aborígenes australianos.


Cromo XXXVI.3 - Ba Cissoko


A kora é um dos instrumentos musicais mais emblemáticos da cultura mandinga. Tocada há séculos por milhares de griots da África Ocidental, é um cordofone acústico, mágico, sagrado. Mas há quem se atreva a... electrificá-la e com isso a aproximá-la do rock e dos blues. Quem o faz são os Ba Cissoko, grupo liderado pelo intérprete de kora com o mesmo nome, Ba Cissoko, que canta e toca kora acústica e deixa para o seu primo Sékou Kouyaté a kora eléctrica. Os outros elementos deste grupo da Guiné-Conacri, Kourou Kouyaté (bolon e baixo) e Ibrahim Bah (percussões), contribuem para um som novo, cheio, arrebatador, em que as referências maiores são a música tradicional mandinga e... Jimi Hendrix. Não por acaso, o segundo (e extraordinário) álbum dos Ba Cissoko chama-se «Electric Griot Land» (2006), numa alusão directa a Hendrix. O álbum de estreia, «Sabolan», tinha sido editado em 2004.


Cromo XXXVI.4 - Kimmo Pohjonen


Ele tem um passado feito em grupos punk... e talvez assim se perceba toda a energia, fúria, inventividade, gosto em quebrar barreiras que ele tem. Ele, o acordeonista Kimmo Pohjonen (na foto, de Maxim Gorelik), é finlandês, nasceu a 16 de Agosto de 1964 e é um dos mais inclassificáveis artistas do circuito da chamada world music. E está tão à vontade neste circuito como poderia estar no do rock, do jazz de vanguarda, da música erudita contemporânea, da electrónica experimental. E como está, de facto! Hiper-activo, sempre inconformado e sempre à procura de novos sons, Pohjonen grava e apresenta-se a solo mas também com muitos outros projectos: Kluster (em duo com Samuli Kosminen), Uniko (os Kluster com o Kronos Quartet), KTU (com Pat Mastelotto e Trey Gunn, ambos dos King Crimson), Animator (com a videasta Marita Liulia), entre outros.

17 janeiro, 2008

Carlos do Carmo É Candidato aos Prémios Goya


Desta vez, a notícia é sacada aos Sons Vadios, o excelente e sempre bem informado blog de Sara Vidal (cantora portuguesa que brilha à frente dos galegos Luar na Lubre): «Fado da Saudade», tema interpretado por Carlos do Carmo em «Fados» (na imagem, um fotograma do filme, com Carlos do Carmo, Mariza e, de costas, Camané), de Carlos Saura, nomeado para os Prémios Goya na categoria de «Melhor Canção Original». Os vencedores dos Prémios Goya - os «oscares» da indústria cinematográfica espanhola - serão conhecidos dia 3 de Fevereiro na Gala da sua 22ª edição. «Fado da Saudade», da autoria de Fernando Pinto do Amaral, é interpretado no filme por Carlos do Carmo, acompanhado à guitarra portuguesa por José Manuel Neto, à viola por Carlos Manuel Proença e no baixo por Marino de Freitas. Em «Fados», recorde-se, participaram ainda, para além dos cantores e músicos já citados, Argentina Santos, Vicente da Câmara, Maria da Nazaré, Ricardo Ribeiro, Ana Sofia Varela, Pedro Moutinho, Carminho, Catarina Moura, Kola San Jon, Caetano Veloso, Chico Buarque, Lura, SP&Wilson e Lila Downs, entre outros.

16 janeiro, 2008

June Tabor, The Imagined Village e Rachel Unthank & The Winterset - Folk Inglesa, Com Certeza!


Por muita música que oiça - de vários géneros e de todo o mundo... ou quase - e por muito prazer que tenha a ouvi-la, e a escrever sobre ela aqui neste blog, há sempre um porto de abrigo que procuro para descansar os ossos destas viagens: a folk britânica. Um porto de abrigo onde se podem encontrar «velhas» conhecidas como June Tabor ou deparar com excelentes surpresas como o segundo álbum de Rachel Unthank & The Winterset (na foto) e o disco de estreia do alargado projecto The Imagined Village.


JUNE TABOR
«APPLES»
Topic Records/Megamúsica

Falar de June Tabor é falar de uma paixão antiga, de uma paixão permanente, que cresce de disco para disco, de concerto para concerto, como se de uma companhia boa, simples e continuada se tratasse. Uma paixão enorme mas que tem ainda espaço para crescer. E «Apples», o seu álbum mais recente, só não é uma surpresa porque desta cantora se pode esperar sempre mais e mais. Os discos imediatamente anteriores - «Rosa Mundi» (2001), «An Echo of Hooves» (2003) e «At the Wood's Heart» (2005) - já apontavam para este descarnamento, esta simplicidade, esta beleza em estado puro que se encontra agora em «Apples», mas que aqui se encontra num grau de depuração muitas vezes próximo do silêncio; de um silêncio preenchido por alguma da música mais bonita que se pode imaginar. Acompanhada apenas por Andy Cutting (dos Blowzabella) na concertina, Mark Emerson no piano, violino e viola d'arco e Tim Harries no contrabaixo, June Tabor interpreta - essencialmente - canções tradicionais inglesas e francesas (algumas com centenas de anos!) com uma emoção e um grão de voz únicos, tanto em baladas de amor como em histórias de guerra e abandono ou em antigas danças campesinas. Destacar temas no álbum é complicadíssimo, mas atrevo-me a eleger quatro ou cinco: «The Dancing», «The Auld Beggarman», «Soldiers Three», «Au Logis de Mon Père» e o arrepiante de tão belo «My Love Came To Dublin». (10/10)


THE IMAGINED VILLAGE
«THE IMAGINED VILLAGE»
Real World/Virgin

As sucessivas tentativas de modernização das músicas tradicionais, sejam elas bem ou mal sucedidas, correm sempre o risco de desagradar aos mais puristas, aos Velhos do Restelo que gostam que tudo se mantenha inalterado, igual, mesmo que o «antigo» definhe, apodreça ou cheire a mofo. Não faço a mínima ideia de como é que os puristas da folk britânica terão reagido a este projecto, The Imagined Village, e ao seu álbum de estreia homónimo. Nem isso interessa. O que é importante, aqui, é que este é um fabuloso álbum de folk, de canções tradicionais das ilhas britânicas - e são muitas, ao lado de alguns originais dos participantes - reinventadas para o Séc. XXI por Simon Emmerson (dos Afro Celt Sound System), mentor da ideia, acompanhado por um naipe luxuoso de gente vinda do rock, da folk mais clássica e das suas margens, da fusão indo-britânica, do «spoken-word». Veja-se só: Billy Bragg, Martin Carthy e a sua filha Eliza, o «diseur» Benjamin Zephaniah, Paul Weller (sim, o dos Jam e dos Style Council), a cantora indiana Sheila Chandra, os Transglobal Underground, The Copper Family, The Gloworms e os Tunng, entre outros, e todos a contribuirem para um caldo em ebulição permanente e em que canções tradicionais são mergulhadas em violinos, guitarras e outros instrumentos acústicos, sim, mas também em programações e electrónicas várias, mas sem que alguma vez os elementos constituintes deste som soem deslocados. Se se quiser, isto já não é bem folk. Mas é música, seja lá ela qual for; grande música! (9/10)


RACHEL UNTHANK & THE WINTERSET
«THE BAIRNS»
Rabble Rouser/EMI

Sem ser uma revisitação, digamos, radical da tradição como é «The Imagined Village», «The Bairns», o segundo álbum da cantora e violoncelista Rachel Unthank e das suas companheiras The Winterset - a sua irmã Becky Unthank (voz e sapateado), Belinda O'Hooley (piano e voz) e Niopha Keegan (violino e voz) - é também um belíssimo exemplo de como se pode pegar em canções tradicionais e dar-lhes roupagens actuais, vivas e vibrantes. Completamente acústico - para além dos instrumentos referidos só há mais um cavaquinho (tocado pela própria Rachel) e, aqui e ali, uma secção de cordas, um contrabaixo e um acordeão -, o álbum é preenchido por uma fabulosa colecção de canções escolhidas a dedo por Rachel, de tradicionais a algumas surpresas como «A Minor Place», do geniozinho da alt.country norte-americana Will Oldham (aka Bonnie «Prince» Billy), e a fabulosa «Sea Song», de Robert Wyatt, para além de dois temas originais de Belinda O'Hooley (um deles cantado a solo por Becky, que também protagoniza mais uma ou duas canções). As outras todas são interpretadas de forma exemplar pela voz de Rachel - uma voz que faz lembrar... Joanna Newsom -, sobre arranjos variados, inventivos (oiçam-se as harmonias vocais das quatro em alguns temas) e de permanente bom-gosto. E aqui a tradição não está no passado nem num futuro qualquer, mas num presente mais que perfeito. (9/10)

15 janeiro, 2008

Tucanas - «Maria Café» Já Está nas Lojas...


O mui aguardado álbum de estreia das Tucanas chegou às lojas ontem, segunda-feira. «Maria Café», assim se chama o disco, apresenta a música das Tucanas - Ana Cláudia Gonçalves (vozes e percussão), Catarina Ribeiro (vozes e percussão), Marina Henriques (vozes e acordeão), Mónica Rocha (vozes e percussão) e Sara Jónatas (vozes e percussão) -, aqui acompanhadas por alguns convidados: o percussionista Rui Júnior (em «Mãos de Calor»), a cantora Amélia Muge (em «Molhar o Pé») e a Kumpa'nia Al-gazarra (em «Peruano», tema que aparece duas vezes, com e sem a participação da charanga sintrense). Os outros temas do álbum são «Tempo Perguntou ao Tempo», «Surdim», «Domingão/Niará», «Tucana», «Amor És», «Áfricca», «Lócus», «Dacanas», «Fusão», «Djidji», «Estruturas Primavera» e «Kazoo». Uma faixa multimédia com uma entrevista ao grupo completa o alinhamento do álbum, que tem edição da Spot e da Farol.

14 janeiro, 2008

Emir Kusturica & The No Smoking Orchestra em Dose Dupla


Ainda não se sabe se a super-produção teatral «Time of The Gypsies» - a ópera-rock (ou, se se preferir, «ópera-punk») adaptada do filme com o mesmo nome de Emir Kusturica - alguma vez chegará às salas portuguesas. Mas muitos temas da sua banda-sonora serão interpretados por Kusturica e os seus companheiros da No Smoking Orchestra nos concertos que o grupo tem marcados para 25 de Janeiro no Coliseu do Porto e um dia depois no Coliseu dos Recreios de Lisboa. Temas como «Efta Purane Ikone», o emblemático «Hederlezi», «Cik Cik Pogodi» ou o popíssimo «Evropa», à mistura com outros temas sacados à tradição balcânica e outros compostos por Kusturica (e/ou pelos seus camaradas dr Nelle Karajlic e Dejan Sparavalo) como «Unza Unza Time» ou «Pitbull Terrier». E se Woody Allen pôde vir tocar clarinete com a sua banda de jazz na passagem-de-ano portuguesa, outro realizador de cinema, Kusturica, bem pode vir tocar guitarra eléctrica com a sua trupe de ciganos-fake armados em rockers e fazer uma festa... maior.

11 janeiro, 2008

Os Ganhões de Castro Verde, Ronda dos Quatro Caminhos e Cramol - A Tradição (E Só Alguns Desvios)


Os leitores habituais deste blog sabem que não sou um fanático da «tradição», pelo contrário: também gosto de desvios, caminhos paralelos, fusões, avanços para o futuro, misturas... Mas é tão bom, tão bom!, mergulhar de vez em quando num caldo de tradição (quase) absoluta. E os álbuns mais recentes dos alentejanos Os Ganhões de Castro Verde (na foto), da Ronda dos Quatro Caminhos e das Cramol levam-nos de volta à tradição, mesmo quando há lugar para alguns «desvios».


OS GANHÕES DE CASTRO VERDE
«TERRA»
(Ed. de Autor/Megamúsica)

«Terra - Os Ganhões de Castro Verde - Antologia 1972-2006» é um documento imprescindível para quem quer conhecer o que de mais profundo, verdadeiro e único tem o cante alentejano, polifonias mágicas que se espalham pela planície marcando os ciclos da natureza, do trabalho, do convívio dos «ganhões», de um sonho bonito chamado Revolução de Abril, aqui cantado por este grupo de homens com uma luz de esperança imensa. Não por acaso, a antologia - que agrupa gravações do grupo dispersas por vários LPs e CDs ao longo das últimas três décadas e ainda dois inéditos - começa com canções dedicadas a Catarina Eufémia e à revolução, para além de uma versão de «Grândola, Vila Morena», de José Afonso, antes de avançar para originais e inúmeros tradicionais alentejanos. O álbum, duplo, contém um luxuoso livreto com textos que contextualizam a história d'Os Ganhões, do próprio cante alentejano e do Alentejo. De um deles, do escritor José Luís Peixoto, cito aqui: «O cante é a voz dessa terra infinita (o Alentejo). Os homens descem pelas ruas quando voltam do campo ao fim da tarde. Nos olhares, trazem o pó queimado pelo sol. Nessa hora, pouco antes do sol-pôr, nasce uma aragem nos rostos dos homens. Essa aragem fresca passa pelas pedras das ruas, pela cal das casas onde houve vida e morte, pelos sorrisos, pelas crianças que brincam na rua. O cante é essa aragem». (9/10)


RONDA DOS QUATRO CAMINHOS»
«SULITÂNIA»
Ocarina

Os últimos anos de produção artística da Ronda dos Quatro Caminhos têm sido uma surpresa, boa!... De um grupo urbano de música popular, a Ronda tem vindo gradualmente a transformar-se numa verdadeira instituição - no bom sentido da palavra - que congrega em si, ou à sua volta, muitos outros músicos e grupos, tanto estrangeiros (cf. no álbum «Terra de Abrigo») como portugueses e... de diversas áreas, da música tradicional à música erudita. E essa «fórmula» está ainda mais refinada no novo álbum, «Sulitânia» (o trocadilho é um achado!), em que a Ronda pega em temas tradicionais alentejanos e da Beira Baixa (principalmente de Monsanto, zona em que os adufes são tão «árabes» quanto as músicas do sul de Portugal) e os embala numa produção de extremo bom gosto em que estão bem presentes a música popular urbana, a música de raiz tradicional e os elementos «clássicos». Com colaborações das Adufeiras de Monsanto, do grupo alentejano Coral Guadiana de Mértola, do coro clássico Eborae Musica, do Quarteto Opus 4 e dos Cantares de Évora, «Sulitânia» é um bom exemplo de como se pode «estilizar» a tradição sem que a tradição se perca. Nunca. (8/10)


CRAMOL
«VOZES DE NÓS»
(Ocarina)

Lembro-me como se fosse hoje de uma das mais belas (e aterradoras!) experiências sónicas que já tive: há muitos anos, as Cramol editaram o seu primeiro álbum (e este «Vozes de Nós» é só o segundo num percurso de muitos, muitos anos...) e fui entrevistá-las ao local em que ensaiavam: a Biblioteca Operária Oeirense, em Oeiras. Antes da entrevista, a Margarida Antunes da Silva convidou-me a assistir a parte do ensaio do grupo e eu concordei. De repente, tinha vinte mulheres a cantar canções das Beiras, do Minho, do Alentejo..., todas à minha volta, sem amplificação alguma que não as suas cordas vocais. Juro: é mais forte, mais violento, que assistir a um concerto dos Sonic Youth ou dos Caveira na fila da frente!... Não é bem a mesma coisa, mas ao ouvir agora «Vozes de Nós» tive quase a mesma sensação: a de que estas mulheres (mesmo sendo mulheres da cidade) transportam em si um saber tão antigo, tão arrepiante, tão... nosso, nas suas vozes que cantam canções de um país inteiro. Vozes que nos 46 temas (46 temas!) deste álbum nos vão entrando pela pele como uma memória boa e verdadeira. (8/10)

10 janeiro, 2008

Cromos Raízes e Antenas XXXV


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XXXV.1 - Woody Guthrie


O cantor, músico e compositor Woody Guthrie (Woodrow Wilson Guthrie, nascido a 14 de Julho de 1912, no Oklahoma, Estados Unidos, falecido a 3 de Outubro de 1967, em Nova Iorque) foi o principal pioneiro da folk de intervenção norte-americana, tendo influenciado decisivamente cantores como Bob Dylan, Phil Ochs ou Joan Baez. Compositor de centenas de canções (entre as quais a emblemática «This Land Is Your Land»), sempre do lado das ideologias socialistas - não por acaso, a sua guitarra exibia a inscrição «this machine kills fascists» -, Guthrie lançou as sementes da folk com uma música inspirada na country, na música tradicional irlandesa e nos blues. Fez parte dos importantíssimos Almanac Singers - ao lado de Pete Seeger e outros - e deixou um legado ainda hoje glosado por dezenas de artistas (de Ani DiFranco aos Klezmatics, de Bruce Springsteen a Billy Bragg e os Wilco).


Cromo XXXV.2 - Stella Chiweshe


Instrumento transversal a variadíssimos países africanos, a m'bira (aka kalimba ou kissange ou sansa ou likembe, entre outras designações) é um lamelofone que consiste num jogo de lamelas de metal presas a uma caixa de ressonância de madeira. Há milhares de tocadores de m'bira em África, mas a embaixadora principal do instrumento é a cantora e instrumentista Stella Chiweshe (nascida a 8 de Julho de 1946, em Mhondoro, no Zimbabué). Curiosamente, em várias culturas africanas o acesso à m'bira está interdito às mulheres mas ela aprendeu a tocá-la (à m'bira dzavadzimu, típica do povo Shona, a que Stella pertence) no final dos anos 60, quando ainda por cima qualquer aprendizagem cultural estava proibida à população negra da então Rodésia. Stella é cantora, intérprete de m'bira e compositora, dançarina, actriz, activista. Tudo numa só, e grande, mulher.


Cromo XXXV.3 - Tinariwen


Ainda só têm três álbuns no circuito internacional - «The Radio Tisdas Sessions» (2000), «Amassakoul» (2004) e «Aman Iman» (2007) - mas são uma lenda da música africana, com dezenas de cassetes gravadas desde a fundação do grupo, em 1982. Formados por músicos que, no início, faziam parte da guerrilha tuaregue treinada nos campos militares líbios e apadrinhada pelo Coronel Khadafi, os malianos Tinariwen começaram a desenvolver um estilo musical próprio - o «tishoumaren» -, em que estão presentes elementos de músicas tradicionais tuaregues e de outros povos do norte e oeste de África, os blues e o rock. Não é por isso de estranhar que os seus instrumentos de eleição sejam, ao lado do djembé, várias guitarras eléctricas e um baixo eléctrico. Os seus espectáculos, sempre memoráveis, são uma intensa celebração musical e de vida.


Cromo XXXV.4 - Mercan Dede


Na vanguarda da fusão entre músicas tradicionais e as mais modernas tendências da pop e das electrónicas, o músico, compositor, produtor, DJ, misturador e, só por vezes, cantor turco Mercan Dede é um dos mais notáveis exemplos de como se podem misturar músicas ancestrais (como a música sagrada dos sufis) com as novas linguagens sonoras. Mercan Dede (de verdadeiro nome Arkın Ilıcalı e também conhecido como DJ Arkin Allen; nascido em 1966) aprendeu em jovem a tocar ney (uma flauta tradicional), bendir (instrumento de percussão) e oud (o alaúde dos países árabes), mas a sua paixão pela música ocidental levou-o a seguir para cruzamentos inspirados de música tradicional do Médio Oriente com outras músicas (da música indiana e espanhola ao drum'n'bass, ao dub, ao house...). Entre os seus colaboradores contam-se a cantora indiana Susheela Raman, a turca Aynur ou Peter Murphy (dos Bauhaus).

09 janeiro, 2008

Roncos do Diabo - Álbum na Forja (Infernal)


Os Roncos do Diabo (ex-Gaitafolia) preparam-se para gravar o seu álbum de estreia, um disco que não será registado em estúdio mas no seu «habitat» natural - não, não são as profundezas sulfurosas do reino de Hades -, ao vivo, em concerto. As gravações decorrem dia 26 de Janeiro, no espectáculo que o grupo dá no Fórum Romeu Correia/Auditório Fernando Lopes-Graça, em Almada. Praticantes das tradições mais profundas da música portuguesa para gaita-de-foles (principalmente de Trás-os-Montes) mas sem deixar de piscar o olho à Galiza ou até... ao fado, os Roncos do Diabo são quatro gaiteiros (André Ventura, Mário Estanislau, João Ventura e Victor Félix) e um percussionista (Tiago Pereira) que incendeiam, salvo seja, qualquer festa ou festival em que participam. Para conferir no concerto de Almada e também aqui, aqui e aqui.

08 janeiro, 2008

Mayra Andrade - Em Digressão Por Portugal

A cantora cabo-verdiana Mayra Andrade - que se deu a conhecer ao mundo com o seu álbum de estreia «Navega», editado em 2006 - é uma das grandes revelações do circuito da world music dos últimos anos. E com toda a justiça. Concertos esgotados um pouco por toda a parte, um espectáculo triunfal na WOMEX de Sevilha do ano passado, nomeações para vários prémios... No seu regresso aos palcos portugueses, Mayra prepara-se para uma digressão de seis datas que a vai levar a Sintra (22 de Fevereiro; Centro Cultural Olga Cadaval), Setúbal (23 de Fevereiro; Fórum Municipal Luísa Todi), Lisboa (24 de Fevereiro; Teatro Municipal de São Luiz), Coimbra (29 de Fevereiro; Convento de São Francisco), Braga (1 de Março; Theatro-Circo) e Porto (2 de Março; Casa da Música). Os bilhetes encontram-se à venda nos locais dos concertos, Ticketline, lojas FNAC e WORTEN. Para saber mais sobre Mayra Andrade, aqui.

07 janeiro, 2008

Sérgio Godinho & Os Assessores - O Álbum ao Vivo


Com os arranjos de Nuno Rafael e a banda Os Assessores, a música de Sérgio Godinho rejuvenesceu, ficou ainda mais fresca e actual, ganhou nuances que nunca tinha tido e reforçou outras que tinha desde sempre. E quem viu os espectáculos de Godinho nos últimos anos sabe bem que isto é verdade. Agora, para tirar as dúvidas a quem não (ou)viu e para deleite de quem pode (re)ouvir vem aí o álbum ao vivo «Nove e Meia no Maria Matos», que é editado pela Universal em parceria com a EMI, dia 28 de Janeiro. No álbum, gravado ao vivo no Teatro Maria Matos, em Lisboa, entre os dias 16 e 20 de Maio de 2007, participam, para além de Godinho, Os Assessores: Nuno Rafael (direcção musical, guitarras, programação, máquina de escrever e coros), Miguel Fevereiro (guitarras, percussão e coros), João Cardoso (piano, teclados e coros), Nuno Espírito Santo (baixo e coros), Sérgio Nascimento (bateria, percussão e coros), Sara Côrte-Real (coros, teclados e percussão) e João Cabrita (sopros e coros). E no alinhamento estão presentes temas recentes (como os que Sérgio Godinho gravou com esta mesma banda no álbum «Ligação Directa») mas também muitos dos seus clássicos, incluindo uma surpresa bem-vinda: «É Tão Bom» (o tema principal da banda-sonora da série «Os Amigos de Gaspar»), primeiro single retirado de «Nove e Meia». As outras canções do álbum são «O Primeiro Gomo da Tangerina», «Dias Úteis», «A Deusa do Amor», «Às Vezes o Amor», «Arranja-me Um Emprego», «Marcha Centopeia», «Só Neste País», «O Velho Samurai», «Com um Brilhozinho nos Olhos», «Espectáculo», «O Rei do Zum Zum», «Dancemos no Mundo», «O Homem Fantasma», «A Democracia», «O Primeiro Dia», «Liberdade» e «Quatro Quadras Soltas».

04 janeiro, 2008

Auto-Promoção (ou World DJing no Éden Glorioso -Parte 3)


Não, ao contrário do que se pode julgar pela imagem, ainda não é desta que vou pôr música na Quinta da Regaleira. Mas é lá perto, no já incontornável CaféVinil, junto à biblioteca e muito próximo da estação dos comboios de Sintra. Desta vez num registo que vai dar primazia à folk europeia, da Península Ibérica à Rússia, passando pelas ilhas britânicas, França, Alemanha, Itália, Grécia, Balcãs, Escandinávia... A minha sessão de DJ (muito originalmente intitulada... «Raízes e Antenas») decorre no dia 12 de Janeiro, integrada numa programação que inclui ainda sessões de Diogo & Jo@na («Projecto Abébia») no dia 5, Flak (dos Micro Audio Waves, numa sessão de nome... «Micro Audio Waves») no dia 19 e Luís Varatojo (d'A Naifa, com a sessão «Rock Rendez Vous») no dia 26. Também durante este mês de Janeiro, o CaféVinil apresenta a exposição de fotografia «Clandestino», de Alexandre Nobre. Mais informações aqui.