31 julho, 2007

FMM de Sines - «Os Gamíadas» (ou Um Proto-Poema Semi-Épico em Construção)



Prólogo


Ao fim de tarde na praia Vasco da Gama
Já vemos garbosos navios a atracar
São cervejas, manhanhaus e caipirinhas,
Ao som de Bob Marley e de tanto, tanto mar...

São p'ra cima de vinte, os marinheiros
Espalhados por toda esta semana
Em três caravelas, três!!!, senhores,
Mesmo que não haja assim tanta cama

Não faz mal, diz o Capitão Vítor
Algum canto se há-de arranjar
E de canto em canto lá vamos
Passando estes dias a cantar*

Tanto cantámos na noite de sábado
Que a Tenente Cristina discursou
E com tanto empenho e brio o fez
Que a todos os amotinados calou!


As Primeiras Descobertas da Tripulação


À noite no promontório de Porto Covo
Solta-se a música em grande folguedo
E só os Deti Picasso, apesar da miúda,
Fizeram uma música de fugir de medo

De resto, tudo ficou bem por aqui:
O Darko Rundek e o violinista travesti
O franciú da guitarra com a Mamani
A loucura ska-trad dos Haydamaky
As gaitas dos Galandum (sopra-me aqui!)
Os Etran Finatawa, do Niger que parece Mali
E até os Djabe... em inglês: da Hungary

(Mas... o Rão Kyao, esse, coitado, era melhor continuar no fado)

No novo Centro de Artes de Sines
Havia gente por dentro e por fora
E todos os concertos foram bons
Indepentemente do estilo e da hora

Nas Ttukunak a txalaparta partiu
Ah, grandes gémeas do País Basco
Foi tal o vigor que delas se viu
São por certo marujas do Gama, o Vasco!

O Marcel parece um Cohen judeu
E a bela Lula aos matraquilhos perdeu
Mas quando cantou, Deus meu!,
Até o Boy George no fado meteu

O Jacky Molard mais a sua banda
Misturam bem a tradição com o jazz
Mas foi no convés da nau SMURSS
Que mostraram como a música se faz


(E agora um Breve Interlúdio à la «Ilha dos Amores»):


Comemos frango de freak-à-séria
Nas esplanadas das tasquinhas
E bebemos um néctar tão perfumado
Que vinha das melhores vinhas**

Descobre o freak que há em ti
Disse-lhe ela com todo o respeito
E enrolou-lhe um charro de erva
Enquanto da relva fez seu leito***

E lá vem Ana; e lá vem Pedro
Anunciar, taram!, o seu noivado
Não estivéssemos todos bêbados
E tínhamos logo caído p'ró lado

Há um doce triângulo amoroso
Do mais bonito que pode haver
O Manuel, a Petra e o Luís
Todos estão nos blues com prazer

Sem esquecer a cadela Naika
Que outro triângulo (quadrado?) insinua
Ela, o Luís e a sua querida Petra
Mais o Árabe, lindo, a uivar à Lua

O amor, o amor, o amor é tão bonito
Que outras histórias se poderiam contar
Mas como gosto dos meus amigos
O melhor é ver, ouvir e... assobiar

(fim do interlúdio à la «Ilha dos Amores»)


Notas:

(*reparem bem, por favor, no elegante jogo de aliterações entre as palavras «canto» - de «um sítio qualquer onde descansar o esqueleto, nem que seja o hall de entrada, quando não estamos a ver concertos e a embebedar-nos violentamente» - e «canto», do verbo «cantar»)

(**reparem bem, bis, no subtil jogo fonético da palavra «vinha» - do verbo vir - com a palavra «vinhas» - de videiras, aquelas plantas que dão uvas, das quais se faz vinho, etc, etc...)

(***reparem bem, tris, na inteligente ligação entre os diferentes significados de «erva» e de «relva», que apesar de serem por vezes sinónimas são vegetais que nem sempre têm a mesma origem, utilidade e função...)

(Na foto: Vasco da Gama, nossa inspiração comum... Amanhã no Raízes e Antenas: As descobertas das costas de África, das Américas e da Índia na segunda e última parte de «Os Gamíadas»)

19 julho, 2007

FMM de Sines - Falta Um Dia!



A um dia do início do FMM de Sines - começa amanhã, sexta-feira, na sua extensão em Porto Covo, e o Raízes e Antenas promete contar muito do que por lá se vai passar -, aqui fica a recuperação do fabuloso programa do festival: A 9ª edição do Festival Músicas do Mundo de Sines - que decorre de 20 a 28 de Julho - é, mais uma vez, promessa de grandes, grandes concertos, nos vários palcos que lhe vão servir de cenário (Porto Covo e, em Sines, o Castelo, a Avenida da Praia e o Centro de Artes). Com organização da Câmara Municipal de Sines, a programação do FMM deste ano inclui concertos dos Galandum Galundaina (Portugal), Darko Rundek & Cargo Orkestar (Sérvia/França) e Etran Finatawa (Níger), dia 20, em Porto Covo; Don Byron (a fazer versões de Junior Walker, Estados Unidos), Mamani Keita & Nicolas Repac (Mali/França) e Deti Picasso (Arménia/Rússia), dia 21, em Porto Covo; Djabe (Hungria), Rão Kyao & Karl Seglem (Portugal/Noruega) e Haydamaky (Ucrânia), dia 22, em Porto Covo; Marcel Kanche (França) e Ttukunak (País Basco), dia 23, no Centro de Artes; Lula Pena (Portugal) e Jacky Molard Acoustic Quartet (Bretanha), dia 24, no Centro de Artes; Trilok Gurtu (Índia), Bellowhead (Inglaterra) e Oumou Sangaré (Mali), no Castelo, e Oki Ainu Dub Band (Japão), na Av. da Praia, dia 25; Harry Manx (Canadá), na Av. da Praia, e Carlos Bica & Azul (com o DJ Ill Vibe, Portugal/Estados Unidos/Alemanha), Tartit (Mali) e Mahmoud Ahmed (Etiópia) no Castelo, e de volta à Av. da Praia, Bitty McLean (Inglaterra; infelizmente sem Sly Dunbar & Robbie Shakespeare, devido a um acidente de Robbie), dia 26; Aronas (Nova Zelândia/Austrália), na Av. da Praia, e Hamilton de Holanda Quinteto (Brasil), World Saxophone Quartet (com as sonoridades do álbum «Political Blues»; Estados Unidos) e Rachid Taha (Argélia/França; na foto) no Castelo, e de volta à Av. da Praia, La Etruria Criminale Banda (Itália), dia 27; Norkst (Bretanha), na Av. da Praia, e Erika Stucky & Roots of Communication (Suiça), K'naan (Somália; na foto) e Gogol Bordello (Estados Unidos/Ucrânia) no Castelo, e de volta à Av. da Praia, Senõr Coconut (Chile/Alemanha), dia 28. Pelas ruas de Sines toca, dias 25 e 26, o Hypnotic Brass Ensemble (Estados Unidos). E para dançar até de madrugada, os últimos quatro dias de festival têm também, na Av. da Praia, sessões de DJ por, huuuum, António Pires & Gonçalo Frota (dia 25), Raquel Bulha & Álvaro Costa (dia 26), DJ Mankala & Freestylaz (dia 27) e Bailarico Sofisticado (dia 28). Ainda há uma exposição de fotografia de Kiluanji kia Henda, «Ngola Bar», um ciclo de cinema dedicado ao tema «Música e Trabalho» - que inclui alguns episódios da mítica série «Povo Que Canta», de Michel Giacometti -, conversas com alguns dos artistas presentes e workshops para crianças coordenados, também, por alguns dos artistas (exemplo: dia 23, as irmãs Maika e Sara Gómez, as Ttukunak, dirigem um workshop de txalaparta). É um programa fabuloso! Mais informações aqui.

18 julho, 2007

Tondela - Quantos Tons Tem um Tom de Festa?



O Tom de Festa, veterano festival anual organizado pelo ACERT, começa já hoje em Tondela e segue até ao próximo sábado, com concertos de Sam The Kid (Portugal) e Uxu Kalhus (Portugal), hoje, dia 18; Dobrek Bistro (Áustria), Toques do Caramulo (Portugal) e Talisman (Ucrânia, Moldávia, Bielorrússia, Alemanha), dia 19; Ivan Lins (Brasil) e Pedro Luís Ferrer (Cuba), dia 20; Panteón Rococó (na foto; México) e Jon Luz (Cabo Verde), dia 21. Antes destes concertos no palco principal, o Tom de Festa - que vai já na sua 17ª edição - ainda promove alguns encontros inesperados de grupos tradicionais com músicos a eles exteriores, nos concertos no Bosque, em que intervêm o Grupo de Cantares da Arrifana com o trompetista Brian Carvalho (dia 18); Associação Etnográfica Os Serranos com o violinista Manuel Rocha, da Brigada Victor Jara (dia 19); Grupo de Cantares de Carvalhal de Vermilhas com a acordeonista Helena Rodrigues (dia 20); e Grupo Cana Verde com a violoncelista Lydia Pinho (dia 21). Uma mostra de filmes, intervenções artísticas de rua e gastronomia regional fazem também parte da ementa do Tom de Festa. Mais informações aqui.

17 julho, 2007

Vá ao FMM de Sines com a VGM



O Raízes e Antenas e as Crónicas da Terra associam-se ao Festival de Músicas do Mundo de Sines e à loja de discos VGM que oferece, até à próxima sexta-feira, bilhetes para os primeiros três dias de celebração do FMM em Porto Covo (que ocorre entre os dias 20 e 22 de Julho) a todos aqueles que adquirirem dois títulos em CD de folk/world music do extenso catálogo à disposição (e se levarem para casa um terceiro disco, terão direito a um segundo bilhete). A Você Gosta de Música, também conhecida por Vendemos o Gosto Pela Música, ou seja, VGM (parece que é mais fácil assim), situa-se na Rua do Viriato, nº 12 em Lisboa, mesmo em frente à sede do Jornal Público. Para se habilitarem a esta promoção, devem indicar o nome de um destes dois blogues. Na foto (de Mário Pires): Trilok Gurtu, o ano passado, no Castelo de Sines.

16 julho, 2007

Andanças 2007 - E Siga(m) a(s) Dança(s)...



A edição 2007 do Festival Andanças já tem programação definida de bailes, concertos e tudo o resto à volta. E, se sem se olhar aos nomes envolvidos e pensando-se apenas na palavra mágica Andanças, já muita gente vai até lá, olhando-se para os artistas e grupos participantes, a vontade de lá ir ainda cresce mais. E os nomes do Andanças 2007 - que decorre de 30 de Julho a 5 de Agosto em Carvalhais, S.Pedro do Sul - são estes: nos bailes, Abnoba (Itália), B-Boa (Bélgica), Bruel (Catalunha), Bruno et Maria (Alemanha), Dites 34 (França), Dobranotch (Rússia), Eztenas (Hungria), Paddy B & Celtic Express (Irlanda), Saj (França), Spakkabrianza (Itália), Stéphane Delicq (França), The Stygiens (Itália), Toc Toc Toc (Itália/Suiça), Triple X (Bélgica), Zef (França) e o enorme contigente português formado por Alfa Arroba, Bailebúrdia, Cravo & Ferradura, Dazkarieh, Dyabara, Fol&Ar, Galandum Galundaina, João Gentil & Luis Formiga, Lenga-Lenga, Mandrágora, Monte Lunai, Mosca Tosca, Mú, OliveTree, Omiri e Ms. Pinky, Pé na Terra, Roncos do Diabo, Tanira, Tchakare Kanyembe, Toques Do Caramulo, TOR, Uxu Kalhus e Ventos da Líria. Já os concertos no palco alto ficam por conta dos Abnoba, Dazkarieh, Diabo a Sete (Portugal), Filho Perdido (Portugal), Galandum Galundaina, Mandrágora, Nação Vira Lata (Portugal), Olive Tree, Omiri e Ms. Pinky, Tchakare Kanyembe, Toques Do Caramulo e Uxu Kalhus. E, como é habitual no Andanças, ainda há lugar para dezenas de oficinas de dança, workshops de instrumentos musicais, mostras de vídeo (é obrigatório ver o filme «Arritmia», de Tiago Pereira!), ranchos folclóricos, actividades para crianças, sensibilização ecológica, contadores de histórias, animação de rua, debates, passeios e as mil e uma outras coisas que enchem o Andanças. Para ver o programa completo, aqui, no site da Pé de Xumbo. A imagem que encima este post é «O Baile de Casamento», de Pieter Bruegel.

14 julho, 2007

Festival do Trebilhadouro - Dar Vida a Uma Aldeia



Dias 27, 28 e 29 de Julho, na aldeia de Trebilhadouro, perto de Vale de Cambra, vai decorrer mais um Festival do Trebilhadouro, que visa devolver a vida a esta aldeia perdida. Teatro e música são o prato principal da ementa, com espectáculos dos Bombos de Sandiães, Danças Tradicionais de Moçambique, Quarto Minguante e Folkatrua (dia 27); Teatro do Elefante, Lúmen e os franceses Dites 34 (dia 28); Teatro Dom Roberto, Teatro Assombrado, Bailebúrdia e os russos Dobranotch, na foto (dia 29). Mas há mais: palhaços, danças africanas e europeias, yoga, modelagem em papel, contos tradicionais africanos e ateliers de expressão dramática.

Tudo num cenário lindíssimo, se bem que abandonado, assim descrito pela Rasgo, a cooperativa de teatro organizadora do festival: «Trebilhadouro é uma aldeia perdida nas encostas da Serra da Freita. Rodeada pela serra do Trebilhadouro e o Alto do Galinheiro, é zona de microclima, pois é abrigada dos ventos que sopram do Norte. Do alto destes montes avistam-se o mar e a ria de Aveiro, bem como outras cidades do Litoral, todo o Vale de Cambra e a Serra da Freita. É também aqui que nasce um ribeiro que desagua no rio Caima, cujas águas servem para regar os campos das aldeias vizinhas. O lugar de Trebilhadouro, de cujo nome ainda não se descobriram as origens, é bastante antigo; nas bases de dois canastros de pedra lavrada encontram-se gravadas datas do século passado, mas presume-se que esta aldeia tenha sido habitada em épocas mais remotas devido à sua altitude (cerca de "600 metros" acima do nível médio das águas do mar), e como é virada a Sul e abrigada a Norte é provável que antes da passagem dos povos Romanos por esta zona tenha habitado aqui algum núcleo Lusitano: lembramos que os povos Lusitanos se dedicavam à pastorícia; ora esta área é propícia a essa actividade, mas como não dispomos de documentos comprovativos desse facto deixaremos esse trabalho para outros estudiosos na matéria. Provavelmente é a única aldeia do concelho de Vale de Cambra onde a arquitectura tradicional da casa rural portuguesa ainda se mantém, à excepção de um palheiro que foi restaurado com blocos de cimento. Facto pouco significativo se comparado com outras aldeias, onde as “Maisons” proliferam desordenadamente. O ultimo melhoramento cá feito foi a recuperação do fontanário da aldeia que estava em ruínas em 1987, por Cristina Brás e Aníbal Augusto da Costa, no âmbito do curso de Cantaria que frequentavam no Porto, e com a colaboração da Junta de Freguesia de Rôge, recuperou-se o fontanário que marca o centro da aldeia. Rôge é uma freguesia muito antiga, conta na sua história as marcas de um passado muito rico, deixado pelos povos que a visitaram, desde os Lusitanos que nas montanhas habitaram, aos Mouros que lutaram contra os Romanos que por aqui estiveram e deixaram nesta freguesia pelo menos uma das suas pontes características chamada “Castelo”. Pelo século XVII foi erguido o cruzeiro de Rôge todo em pedra esculpida. Hoje é considerado Monumento Nacional. A igreja de Rôge também é rica em Cantaria. É incrível também, o registo escultórico lá existente,desde os esteios, que são feitos todos de pedra, alguns a recordarem menires; até aos trabalhos de cantaria registados em canastros e algumas casas. O aspecto humano não é tão risonho; até alguns anos a esta data, viviam a tia Maria e a tia Francelina, mãe e filha respectivamente, habitavam em Trebilhadouro: sem luz eléctrica. Sem telefone e nem sequer um caminho satisfatório com que possam comunicar com as aldeias vizinhas, estas duas senhoras sobreviviam à custa de umas ovelhas e umas hortas que cultivavam. Segundo nos contaram, em 1987 (Cristina Brás e Aníbal Costa), os mais novos começaram a fugir para Sandiães, Soutelo, Fuste e para outras aldeias onde existiam escolas primárias, electricidade, telefone e melhores vias de comunicação e condições de vida; foram as últimas pessoas a sair desta aldeia, depois da morte do Sr. Barbosa, que esteve no Brasil e quando para cá veio teve uma trombose que o paralisou, mas ainda fazia colheres de pau artesanalmente; a sua mulher e filha abandonaram Trebilhadouro talvez para sempre. Trebilhadouro, uma aldeia para o alerta para uma situação que afecta muitos monumentos de pedra e as sua raízes culturais, ou são preservados, ou perdem-se definitivamente na voragem dos tempos». Mais informações aqui.

13 julho, 2007

Cromos Raízes e Antenas XXIII


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XXIII.1 - Carmen Miranda



Possivelmente a primeira diva global de fora da esfera anglo-saxónica, a portuguesa de nascimento mas brasileira de alma Carmen Miranda (nascida a 9 de Fevereiro de 1909 em Marco de Canaveses, Portugal, com o nome Maria do Carmo Miranda da Cunha - Carmen viria da paixão do seu pai pela ópera; falecida a 5 de Agosto de 1955) conquistou fãs em todo o mundo através do seu trabalho de actriz e cantora. Considerada como uma pioneira do tropicalismo, pelo seu cruzamento de música brasileira com sonoridades mais «sofisticadas», e inserindo-se na perfeição no conceito de música «exotica» que precedeu o conceito de «world music», dela ficaram canções inesquecíveis como «Pra Você Gostar de Mim» («Taí»), «O Que É Que a Baiana Tem», «Chattanooga Choo Choo» ou «South American Way», para além de treze filmes rodados em Hollywood.


Cromo XXIII.2 - Amadou & Mariam



O casal mais famoso da música maliana, Amadou & Mariam, é um belísimo exemplo de como as contrariedades da vida podem ser ultrapassadas e como se pode ser feliz apesar delas - e basta vê-los em palco para se perceber o amor que os une e o amor que os une, também, na música, belíssima, que fazem. Amadou (Amadou Bagayoko, nascido em Bamako, a 24 de Outubro de 1954) e Mariam (Mariam Doumbia, nascida igualmente em Bamako, a 15 de Abril de 1958) conheceram-se na escola para cegos desta cidade e a paixão comum pela música - ela mais do lado das cantoras malianas e das variedades francesas, ele mais do lado dos blues e do rock de Jimi Hendrix, Led Zeppelin ou John Lee Hooker, e já com carreira feita em alguns grupos - leva-os ao casamento e a uma carreira riquíssima em que pontificam os álbuns «Sou Ni Tilé», «Tje Ni Mousso», «Dimanche à Bamako» e «Welcome To Mali», onde têm cruzado a sua música com a de Manu Chao ou a de Damon Albarn, entre outros.


Cromo XXIII.3 - Moussu T e Lei Jovents



Cidade portuária - feita de cruzamentos de povos e culturas -, Marselha é o cadinho perfeito para a criação de músicas híbridas, excitantes, vindas de muitos lugares. E o projecto Moussu T e Lei Jovents é um excelente exemplo dessa abertura, unindo música da Provença e música negra, seja ela norte-americana, africana, brasileira ou das Antilhas. Liderado por Moussu T (aka Tatou, ex-Massilia Sound System) do grupo fazem também parte Blu (igualmente ex-Massilia Sound System) e o percussionista brasileiro Jamilson, aos quais se juntam vários outros cúmplices para as gravações e/ou os concertos. Cantando quase sempre em língua occitana (também se ouvem por lá palavras em português e na gíria portuária de Marselha), o grupo dedicou o seu primeiro álbum, «Mademoiselle: Marseille» (2005), ao escritor jamaicano Claude McKay, que glosou nos seus poemas a cidade portuária de Marselha. Seguiram-se-lhe «Forever Polida», «Inventé a la Ciotat» e «Home Sweet Home».


Cromo XXIII.4 - Steelpan



Também conhecido como steeldrum - o que não é propriamente correcto porque este instrumento não é um tambor, sendo antes um idiofone -, o steelpan é uma fabulosa invenção dos músicos de Trinidad e Tobago, nos anos 30 do séc. XX, que de bidões de gasolina fizeram um instrumento musical riquíssimo em notas, timbres e nuances - o topo do bidão é trabalhado de modo a que se obtenham as notas musicais que se desejam. E foram mais longe: juntando vários steelpans eles criaram orquestras (que chegam, por vezes, a reunir dezenas de músicos), as steelbands, capazes de interpretar temas tradicionais (como o calipso), canções rock, sinfonias clássicas ou a nossa «Coimbra». As steelbands tornaram-se um símbolo de Trinidad e Tobago (duas ilhas próximas da Venezuela) e, todos os anos, há competições entre variadíssimas steelbands que enchem de espectadores os estádios de futebol.

12 julho, 2007

Festa da Diversidade - Sem Fronteiras e sem Preconceitos e sem Barreiras



Este fim-de-semana, Lisboa acolhe mais uma Festa da Diversidade e da Igualdade de Oportunidades, com inúmeros concertos (desde a folk à música tradicional africana, passando pelo reggae, o gnawa ou o hip-hop...), espectáculos de dança, artesanato, gastronomia, exposições, workshops, debates e outras actividades. É nos dias 13, 14 e 15 de Julho, na Praça do Comércio, e o programa cultural (que inclui concertos, performances e espectáculos de dança) é preenchido por actuações de Kilate, Red Chikas, Pedrinhas de Arronches, Ballet Brasil, Grito Silencioso, Gnawa Bambara, Glória Lopo, Chullage e Tucanas (dia 13, das 19h00 às duas da manhã); Moulin Rouge, Cantares Mistos de Beja, Bazas d'lum, Raízes, Chocolate Lusófono, Black Roses, Schakas, Lúmen G, Netas di Bidinha Cabral, Terra Batida, The Guibs Dancers, As Estrelas do Mocho, Geração Viva, Batoto Yetu (na foto), Pé na Terra, Mistura Pura, Vera Cruz e Freddy Locks & The Groove Missions (dia 14, das 16h00 às duas da manhã); e Dança Cigana, um rancho folclórico, Plural, Tarrachinha, Mães Solteiras, Afrostyle Models, Nácia Gomi, As Rapicadas, Cabo Djura, O Pôr do Sol, um recital de poesia, Focolitus, Kumpa'nia Al-gazarra e Terrakota (dia 15, das 16h00 à meia-noite). Por sua vez, os debates - dedicados aos temas Religião, Deficiência, Género, Idade, Racismo e Orientação Sexual, decorrem ali muito perto, no Welcome Center. Todas as informações aqui.

11 julho, 2007

«Arritmia» - Um Filme (Fabuloso) Sobre o Andanças



O realizador de cinema Tiago Pereira - que tem feito um trabalho notável na captação de imagens da nossa música tradicional, colaborador dos Chuchurumel e realizador de telediscos para Júlio Pereira, Chuchurumel e Uxu Kalhus - está quase a estrear o seu filme sobre o festival Andanças, «Arritmia», editado pela Pé de Xumbo e para já com exibições marcadas para Viseu (13 de Julho) e para o Andanças (dia 31 de Julho). Neste fabuloso filme dedicado ao Andanças - e em que não há imagens captadas no... Andanças - participam vários músicos e/ou monitores de dança como Osga e Diana Azevedo (ambos dos Mu), Celina da Piedade e Paulo Pereira (ambos d'Uxu Kalhus), Mercedes Prieto (Monte Lunai), Vasco Ribeiro Casais (Dazkarieh), Julieta Santos (Chuchurumel e Diabo a Sete), Luís Fernandes (Toques do Caramulo), Toni Tavares (Sossabe/Trio Fou-nana) e os irmãos Meirinhos (Galandum Galundaina), entre alguns outros.

Filme de tese - em que a «tese» Andanças é apenas o pretexto (leia-se também «pré-texto», já que nele participam muitos dos mentores, organizadores ou participantes deste festival) -, em «Arritmia» ouvem-se os ritmos primeiros do coração, os ritmos dos ofícios, os ritmos das celebrações religiosas (sejam católicas - o sino das igrejas - ou pagãs - a arrepiante imagem, menos de um segundo apenas, de uma faca espetada num porco...), os ritmos da cidade grande ou os ritmos do desejo amoroso (alguém diz, com saber, ser a dança uma representação vertical de um desejo horizontal). Qual foi a primeira dança, pergunta-se - na voz do enorme Benjamim Pereira, narrador deste filme e... companheiro de Veiga de Oliveira na pesquisa de antigos sons e danças da tradição portuguesa. E, sem resposta imediata, ficamos a saber de bailes populares nas aldeias, dos ranchos folclóricos, da recuperação - e reavaliação e reinvenção - das danças tradicionais portuguesas e de outras partes da Europa ou das danças africanas escondidas num berimbau... Com um trabalho de som e imagem espantoso, um guião inesperado e uma montagem (de imagem e som) sempre inventiva e por vezes vertiginosa, cruzando muitas vezes músicas e danças diferentes, «Arritmia» é um filme lindíssimo e extremamente importante na divulgação e explicação da dança - e da música de dança - como expressão popular. E como expressão, também, pessoal: de quem toca, de quem dança, de quem vê, de quem ouve, de quem... deseja (eu, pessoalmente, nunca me atrevi a ver a sarronca como sexo, apesar daquilo ser sexo a partir do momento em que se vê). Para ver o trailer de «Arritmia»: aqui. Para saber mais sobre o filme «Arritmia» e o restante trabalho de Tiago Pereira, no seu blog, aqui.

10 julho, 2007

L'Orchestra di Piazza Vittorio - Todo o Mundo no CCB



Aqui há tempos, o blog Política, Cidadania e Civilização alertava para a existência deste grupo extraordinário: L'Orchestra di Piazza Vittorio (na foto), nascida em Roma em 2002, que reúne músicos de Itália, Tunísia, Brasil, Cuba, Estados Unidos, Hungria, Equador, Argentina e Senegal, todos juntos no desejo de fazer uma música global, ampla e livre. Com escola feita na música tradicional, na clássica, no jazz, na pop e nas ruas, a orquestra tem também uma forte componente teatral. E a boa notícia é que L'Orchestra di Piazza Vittorio vai fazer a sua estreia em Portugal no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, dias 31 de Agosto e 1 de Setembro, concertos de encerramento do festival CCB Fora de Si, que inclui ao longo dos meses de Julho e Agosto «novo-circo, fanfarras, música multiétnica, teatro móvel, marionetas, jogos de água, instalações e jazz – uma programação pensada para fruir ao ar livre». Toda a programação do festival pode ser econtrada aqui.

09 julho, 2007

Voz de Mulher - Do Canto das Baleias às Mais Fundas Raízes do Minho



É só um breve apontamento - que o tempo escasseia e os afazeres são muitos - mas mais que justificado pela altíssima qualidade que atingiu o II Festival Voz de Mulher, que decorreu este fim-de-semana no Teatro Aveirense. A começar por um extraordinário concerto/performance de Fátima Miranda (na foto, de Dragan Tasic), com a cantora espanhola a mostrar como a voz consegue ser um instrumento total e infinito de possibilidades, seja mimetizando o canto das baleias com um sussurro gutural nos confins dos agudos, seja fazendo ouvir um poderosíssimo grito de revolta numa canção baseada na guerra civil espanhola, seja um divertimento puro, embora elaboradíssimo, quando pega nas bases do flamenco e nos códigos da sedução homem/mulher para arrancar sentidas gargalhadas à plateia. Por sua vez, Amélia Cuni - cantora italiana que durante dez anos estudou com mestres indianos as técnicas do canto dhrupad - mostrou como é possível, com uma contenção, uma beleza e um respeito extremos, recriar criativamente uma tradição distante - e, sempre, com o seu companheiro Werner Durand a manipular sábia e subtilmente electrónicas e a tocar estranhíssimos instrumentos de sopro por ele inventados. Já as finlandesas Anna-Kaisa Liedes (voz principal, kantele e percussões) e Kristiina Ilmonen (percussões e voz), embora não atingindo o nível de arrebatamento dos outros projectos, mostraram mesmo assim como a voz tem inúmeras vozes lá dentro e como de tradições diversas se pode chegar à modernidade extrema. Entre mostras e amostras, no encerramento o grupo Mulheres do Minho mostrou um profundo amor à terra e à tradição, raro, raríssimo; um amor feito de cantos sagrados e profanos, cantados como se sempre assim tivessem sido cantados - o «Aboio» é um arrepio. Arrepios extensíveis ao workshop de Amélia Cuni (em que a voz, ali solta e não contida, viajou por estradas, espirais, remoinhos intermináveis...) e aos momentos em que Fátima Miranda, no seu colóquio, enchia a sala com uma voz maior que a vida. Ah, e a minha sessão de DJ com o camarada Luís Rei correu muito bem - uma hora de sessão transformou-se em... três horas e meia.

06 julho, 2007

FMM de Sines - Faltam 15 Dias!



Rápido ponto da situação a quinze dias do início do FMM de Sines: para já, para já, os bilhetes já estão à venda (pormenores no blog do festival, aqui) e há algumas alterações ao programa que é importante referir: a soberba cantora maliana Oumou Sangaré (na foto) substitui os anteriormente previstos Kasaï Allstars, dia 25 de Julho, no Castelo. Outra alteração, se bem que não tão radical, é a de quem acompanha o percussionista indiano Trilok Gurtu no seu concerto (no mesmo dia e a abrir a programação do Castelo): em vez do anunciado grupo italiano Arkè String Quartet, Gurtu será acompanhado por uma formação alargada, multinacional, na interpretação de temas dos seus discos mais recentes: «Remembrance» (2002), «Broken Rhythms» (2004), «Farakala» (2006) e «Arkeology» (2006). E um acrescento não previsto inicialmente: pelas ruas de Sines toca, dias 25 e 26, o Hypnotic Brass Ensemble, grupo norte-americano formado por oito músicos, sete dos quais filhos de Kelan Phil Cohran, trompetista da Sun Ra Arkestra; na ementa trazem jazz, funk, soul e hip-hop. Siga a festa!

05 julho, 2007

«...A Menina Dança?» - Apresentação no MusicBox



«...A Menina Dança? - New Roots From Portugal» é uma colectânea de edição limitada produzida e editada pela turma de Produção e Marketing Musical, da Restart, turma a que tive o prazer de dar aulas, no início deste ano lectivo, no módulo de História da Indústria Discográfica. O lançamento do álbum - que é apresentado como uma «compilação de grupos portugueses que partem das suas raízes (portuguesas) para construir a sonoridade que os caracteriza, dando assim origem a uma linguagem musical baseada nas tradições mas...com os olhos postos no futuro» - decorre dia 12 de Julho, no MusicBox, ao Cais do Sodré, em Lisboa, com concertos dos Chuchurumel e dos O'QueStrada (na foto, de Rui Palha), sessões de DJing com Luís Varatojo (A Naifa) e António Pires (Raízes e Antenas) e VJing por Chris & Candy. A colectânea inclui os temas «Viva!» (Sam the Kid), «Música» (A Naifa), «O meu Coração Abandonado» (Viviane), «Rodada» (Dead Combo), «Se Esta Rua Fosse Minha» (O'QueStrada), «Era Não Era do Tamanho de um Pardal» (Gaiteiros de Lisboa), «Deus te Salve Ó Rosa» (Chuchurumel), «Vozes» (Megafone), «Assobio» (Dead Combo), «Oxalá Te Veja» (O'QueStrada), «Aqui Há Gato» (Gaiteiros de Lisboa), «Confidências da Minha Rua» (Viviane), «Señoritas» (A Naifa), «Canção das Maias» (Chuchurumel), «Aboio» (Megafone) e «Discos Entre Caminhos (Remix)» (Phil Louis). Mais informações aqui.

04 julho, 2007

Hertha - Encontro de Sons e Danças no Contagiarte



O Contagiarte, no Porto, não pára! Desta vez a notícia é que o Hertha - II Encontro de Sons e Danças do Mundo vai decorrer por lá de 17 a 21 de Julho, com concertos e workshops variados que podem muito bem servir como «aquecimento» para a maratona do Andanças que aí vem... E mesmo para quem não vai ao Andanças. Citando o comunicado da casa, «durante cinco dias, no espaço Contagiarte, a partir das 15 horas haverá lugar a inúmeros workshops leccionados por diversos formadores e todas as noites, pequenos espectáculos relacionados às temáticas desenvolvidas durante as tardes encherão de cor, música e dança este espaço do Porto. Comércio, artesanato e outras actividades convidarão ainda todo o público a agradáveis momentos neste espaço durante todo este Encontro». O programa inclui workshops de dança afro-sagrada com Tathiana Lobo e de percussão oriental com David Lacerda (Trio Árabe Ensemble) e um espectáculo com Tathiana Lobo (dia 17); workshops de afro-samba e samba-reggae com Cláudia Aurora e percussão em bidons com Hugo Menezes (Cool Hipnoise e Tora Tora Big Band) e um espectáculo de Hugo Menezes (dia 18); workshops de danças tradicionais do Mediterrâneo com Mercedes Prieto (Monte Lunai) e de Pauliteiros de Miranda com Manuel e José Meirinhos (Galandum Galundaina e Pauliteiros de Miranda de Fonte d'Aldeia) e um espectáculo dos Pauliteiros de Miranda de Fonte d'Aldeia (dia 19); workshops de dança indiana (na foto) com Diana Rego (TerraE) e de didgeridoo com Hugo Osga (Mu e Bailebúrdia) e um concerto de Hugo Osga (dia 20); workshops de danças tradicionais do mundo com Alexandre Matias (Mosca Tosca) e Rute Mar (Bailebúrdia) e grande baile de encerramento com as danças tradicionais «mandadas» pelos Bailebúrdia (dia 21). Mais informações aqui e aqui.

03 julho, 2007

Festival Voz de Mulher - Está Quase Quase...



O Festival Voz de Mulher começa no Teatro Aveirense, em Aveiro, já na quinta-feira, com um interessantíssimo programa centrado no cruzamento de técnicas vocais tradicionais e contemporâneas. Tanto nos concertos como nos workshops que vão ser dirigidos pelas cantoras presentes no festival (e cujas inscrições ainda estão abertas). Para refrescar a memória aqui fica uma notícia já anteriormente publicada neste blog acerca do Voz de Mulher:

Depois de anunciado o nome de Fátima Miranda, é agora conhecido o restante programa do II Festival Voz de Mulher, que ocupa o Teatro Aveirense, em Aveiro, nos dias 5, 6, 7 e 8 de Julho, com organização das Segue-me à Capela e do Teatro Aveirense. Um programa interessantíssimo em que todas as intervenientes juntam doses semelhantes de música tradicinal com técnicas e géneros contemporâneos, proporcionando experiências musicais e performáticas únicas. O programa arranca na primeira noite, dia 5, com o concerto «Diapasión», da espanhola Fátima Miranda, e uma sessão de DJing - a «Noite Borato de Sódio» - por António Pires (autor deste blog) e Luís Rei (o camarada do Crónicas da Terra). No dia seguinte, 6, às 15h00, a cantora italiana Amélia Cuni dirige um workshop de canto indiano dhrupad. Dia 7, às dez da manhã, o grupo vocal Segue-me à Capela dá um workshop de canto tradicional português; às 15h00, Fátima Miranda protagoniza o colóquio «Yo Me Las Compongo - Vocalista ou Boca Lista?»; e à noite decorre o espectáculo «Old Trends and New Traditions in Indo-European Music», pelo duo de Amélia Cuni e Werner Durand, seguido pelo espectáculo «Aanikuvia – Soundscapes» do duo finlandês de Anna-Kaisa Liedes (ela que foi do importantíssimo grupo Niekku e está agora nas MeNaiset; na foto) e Kristiina Ilmonen (que acompanhou Anna-Kaisa no projecto Utua) e por um concerto do grupo português Mulheres do Minho. No dia 8, o festival encerra com um workshop, às 15h00, de canto tradicional fino-karelio-úgrico e improvisação vocal por Anna-Kaisa Liedes e Kristiina Ilmonen. Uma feira do disco especializada em cantares no feminino pode também ser visitada nestes dias. Mais informações aqui e aqui.

02 julho, 2007

Festival MED - O Tapete Voador, a Cadela Light Designer e a Maior Banda Rock do Mundo



Foi preciso ir ao último MED de Loulé para ver um verdadeiro tapete voador, cruzar-me todos os dias com quatro ovelhas num campo de papel de parede, conhecer uma cadela que é light designer, gostar de iogurte pela primeira vez na minha vida e ver a maior banda rock do mundo.

Para além da música, que é o prato principal, o Festival MED tem sempre mil outras coisas a acontecer. Pelo recinto passeiam figuras fascinantes: uma «andaluza» que conta a lenda das amendoeiras em flor com um dedal-princesa-nórdica e um dedal-príncipe-mouro perante um grupo de crianças fascinadas, uma «rainha egípcia» (Nefertiti?) em busca de par para o seu gato ou um «turco» que possui tapetes coçados, mas valiosíssimos, porque voam mesmo! Ou uma cadela loira, lindíssima e devotíssima ao seu dono (o técnico italiano responsável pela iluminação dos vários palcos do festival), que o segue por todo o lado, que entra em stress quando ele sobe à teia dos palcos e que transporta ao pescoço uma acreditação oficial que diz «Staff - Alandra, Light Designer». E há outras figuras que não se mexem mas encantam na mesma: dois dançarinos apanhados a meio de um complicado passo de corridinho algarvio, duas crianças e o seu cão a brincar numa praia do Mediterrâneo ou quatro ovelhas que nos sorriem sobre um padrão de papel de parede. E figuras híbridas, que se encontram algures entre a realidade, a arte e a ficção, como as marionetas que fazem de uma corda de roupa o seu mercado de trocas e vendas, as pulgas invisíveis que saltam de uma caixa de fósforos fosforescente ou o improvável casal burocrata de gravata/flor verde e amarela. E, por falar em flor, atrevi-me pela primeira vez na minha vida a juntar iogurte - matéria láctea que nunca entra na minha dieta - ao kebab, num dos muitos e excelentes restaurantes do recinto. Tinha muito picante por cima e aquilo até resultou bem. Até agora, tudo o que aqui foi escrito é a mais pura das verdades; mesmo que não pareça. E isso é importante dizer, para se perceber que também é verdade o que se vai escrever a seguir: no MED de Loulé tocou a maior banda de rock do mundo. Adeus Rolling Stones. Adeus U2. Adeus Metallica. Adeus aos outros todos em que se esteja a pensar. Olá Tinariwen!

Os Tinariwen (na foto; de Mário Pires, da Retorta) deram o melhor concerto do MED deste ano. E chamar-lhes «a maior banda rock do mundo» - mais ainda do que chamar-lhes «a melhor banda rock do mundo» - não é nenhum exagero. Basta assistir a um concerto desta nova fase da banda do Mali, a fase pós-«Aman Iman» - e o concerto em Loulé foi disso exemplar - para se perceber o elevadíssimo grau de verdade que a sua música atingiu. Uma verdade feita de muitas verdades, é certo, porque nela convivem muitas guitarras eléctricas e as sombras de Robert Johnson, de Jimi Hendrix ou dos Jefferson Airplane com a(s) música(s) que os tuaregues atravessam nas suas viagens - a música árabe, a música gnawa, a música mandinga, a sua própria música... -, mas ainda mais verdadeira por isso: a música de um povo que viaja por vários territórios geográficos mas também pelos territórios que as rádios e as televisões lhes dão a conhecer. E se umas e outras músicas estão ligadas por laços fortíssimos, históricos, como os blues e o rock o estão à zona de que são originários os Tinariwen, essa verdade, então, deixa de ser apenas verdade para passar a ser A Verdade. Uma Verdade maior da maior banda rock da actualidade (e quem não acredita ainda pode tirar as teimas, dia 5, quando os Tinariwen actuarem no S.Jorge, em Lisboa, ou dia 6, no Festival Évora Clássica).

O concerto dos Tinariwen foi o melhor de todo o MED. Mas houve outros que estiveram lá quase. O do italiano Vinicio Capossela, com a sua «orquestra» de cordofones (um «bandolinzinho», bouzouki, guitarra eléctrica, banjo, ele próprio na guitarra «dobro» quando não estava ao piano ou a assumir personagens míticas com a ajuda de máscaras...), a voar com o seu vozeirão de barítono entre o romantismo mais desesperado, a fúria incontida ou o humor sardónico, tudo servido sobre bases inesperadas que foram do alt.country dos Calexico ao caos sónico dos Sonic Youth, passando pela música do «Quo Vadis» ou do «Ben-Hur». O dos Bajofondo Tango Club, que encerraram o festival com o seu tango modernizado, orgânico, vivo, inventivo, pulsante, imaginário e que instalaram a festa entre o público (parte do qual foi convidado pela banda a subir ao palco para dançar); Gustavo Santaolalla tem neste projecto pessoal (onde canta e toca guitarra eléctrica) um laboratório de experiências que deixou de ser ciência para passar a ser arte (no que é coadjuvado belissimamente por músicos de primeira água - o violinista, o bandoneonista, o contrabaixista, o pianista e DJ... - e uma VJ extremanente original. O do Sergent Garcia, com a sua máquina de dança e intervenção política («Free your mind and your ass will follow», dizia George Clinton), onde nunca se percebe onde começa uma e acaba a outra, sendo por isso possível dançar uma cumbia enquanto se apoia os zapatistas mexicanos ou entrar num ragga estonteante enquanto se critica o Bush. E o de Aynur, onde a cantora curda da Turquia (ou turca só porque não a deixam ser curda de nacionalidade) arrebatou toda a gente, logo a abrir o festival, com a sua voz belíssima, canções tradicionais e um grupo de músicos soberbos em que sobressaíam o saz (que ela própria também tocou num momento a solo), o nay, o violino e as percussões árabes; e com uma enormíssima vantagem em relação ao concerto que dela vi na WOMEX de Sevilha: em Loulé não tinha sintetizadores a atrapalhar-lhe o brilho intenso da voz.

Bons concertos - mas sem atingirem o brilho dos já referidos - foram os de Natacha Atlas, ainda dona de uma voz belíssima e apresentando um reportório - grandemente baseado no último álbum, «Mish Maoul» - de um assinalável bom-gosto (desde antigos temas românticos egípcios ou libaneses até bossa-nova, uma canção folk inglesa e uma homenagem a... Nina Simone); de Sara Tavares, que cada vez mais faz mais e melhor a ponte entre várias músicas tradicionais e da contemporaneidade, para além de se sentir cada vez mais à-vontade em cima do palco (e o uso frequente da palavra «mais» aqui foi apenas uma coincidência); e dos Yerba Buena, profissionalíssimos na sua função de fazer chegar ao público uma música - feita de ritmos latino-americanos, hip-hop, funk, soul... - que lhe é atirada directamente aos pés e ao rabo, obrigando-o a dançar do princípio ao fim (e isto é um elogio). A meio caminho entre o bom e o mau concerto ficaram Akli D. - que deu um espectáculo muito pior do que na WOMEX de Sevilha, talvez porque vários problemas familiares assolaram um dos músicos da banda, um estado de espírito que também assombrou o resto dos seus amigos -; os L'Ham de Foc, fabulosos quando estavam a interpretar os seus temas de geografias e épocas distantes entre si mas que cortaram o ritmo ao concerto para afinar os instrumentos durante penosos minutos; e os Chambao, que têm em Mari uma cantora de elevadíssimos recursos que merecia uma banda melhor e mais empenhada do que aquela que a acompanha (e bastou assistir ao magnífico e contrastante encore para se perceber como o concerto poderia ter sido muito melhor). E pelo mau ficaram-se, surpreendentemente, os Taraf de Haidouks que, apesar de terem apresentado vários temas do seu novíssimo álbum «Maskarada» (em que pontificam peças clássicas de compositores como Bartók, Ketèlbey, Albéniz ou Manuel de Falla, todos inspirados na música cigana e, através dos Taraf, de volta a «casa»), se mostraram desconcentrados, desmotivados e alterados.

O texto já vai longo, mas - sem esquecer a referência a coisas óbvias como o aumento do recinto (que chega agora à igreja matriz de Loulé, ao lado da qual está um dos palcos principais), ao facto de por lá terem passado nestes dias muitos milhares de pessoas, com enchentes em pelo menos três dos dias) e à má notícia que foi o cancelamento da actuação de DJ Shantel - ainda há espaço para mais algumas notas finais: as belas surpresas que foram o trance orgânico, acústico e selvagem dos OliveTree; a consistência dos Rosa Negra com o seu fado sofisticado e que viaja pelo Mediterrâneo fora; a excelência dos espanhóis Estambul, fusão conseguidíssima de jazz com música árabe, turca e balcânica; e o como resultou belíssimo o cruzamento da música bem escolhida por Raquel Bulha com os desenhos feitos e projectados em tempo real pelo autor de BD José Carlos Fernandes - que, do vazio de um papel branco, fez nascer émulos de Nusrat Fateh Ali Khan, Lila Downs, Tinariwen, odaliscas e opulentas mulheres africanas. São outras figuras, umas vivas, outras mortas, umas reais, outras imaginárias - ou a meio caminho -, umas cinéticas, outras plasmadas... Mas todas Verdadeiras.