29 dezembro, 2006

Feliz Ano Novo!


A caminho do Algarve por alguns dias (réveillon oblige!), aqui deixo a todos os meus amigos, leitores fiéis ou visitantes de ocasião (principalmente os que procuram no google por «O Midjor di Kizomba» :-) os meus votos de um excelentíssimo 2007!!!!

FELIZ ANO NOVO!

HAPPY NEW YEAR!

PRÓSPERO AÑO NUEVO!

BONNE ANNÉE!

GOTT NYTT ÅR!

Memorial 2006 (Ou Um Imenso Adeus)


Na Morte não há géneros musicais. Um enorme, imenso, sentido Adeus a todos estes músicos, cantores e compositores:


Ali Farka Touré - 31 de Outubro de 1939/6 de Março de 2006

Anita O'Day - 18 de Outubro de 1919/23 de Novembro de 2006

Arthur Lee (Love) - 7 de Março de 1945/3 de Agosto de 2006

Cheikha Rimitti (na foto) - 8 de Maio de 1923/15 de Maio de 2006

Desmond Dekker - 16 de Julho de 1941/25 de Maio de 2006

Grant McLennan (The Go-Betweens) - 12 de Fevereiro de 1958/6 de Maio de 2006

György Ligeti - 28 de Maio de 1923/12 de Junho de 2006

Janette Carter (The Carter Family) - 1923/22 de Janeiro de 2006

James Brown - 3 de Maio de 1933/25 de Dezembro de 2006

Jockey Shabalala (Ladysmith Black Mambazo) - 1943/11 de Fevereiro de 2006

Mícheál Ó Domhnaill (The Bothy Band) - 7 de Outubro de 1952/7 de Julho de 2006

Miguel «Angá» Díaz (Afro Cuban All Stars, Buena Vista Social Club) - 15 de Junho de 1961/9 de Agosto de 2006

Pío Leyva (Buena Vista Social Club) - 5 de Maio de 1917/22 de Março de 2006

Raul Indipwo (Duo Ouro Negro) - 1933/4 de Junho de 2006

Ray Barretto - 29 de Abril de 1929/ 17 de Fevereiro de 2006

Robert Lockwood Jr. - 27 de Março de 1915/21 de Novembro de 2006

Sivuca - 26 de Março de 1930/14 de Dezembro de 2006

Syd Barrett (Pink Floyd) - 6 de Janeiro de 1946/7 de Julho de 2006

Wilson Pickett - 18 de Março de 1941/19 de Janeiro de 2006

28 dezembro, 2006

Cromos Raízes e Antenas VIII



Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo VIII.1 - GAC - Vozes na Luta


O Grupo de Acção Cultural (GAC) - Vozes na Luta é um exemplo único em Portugal de uma alargada formação musical - chegou a contar com 60 elementos - ao mesmo tempo fortemente empenhada politicamente (o grupo estava conotado com a UDP) e com uma ligação às raízes tradicionais indelével. Formado em 1974, pouco depois da Revolução de Abril, por José Mário Branco, o GAC teve nas suas fileiras e ainda numa fase embrionária, José Afonso e Fausto, mas foi sob a liderança de José Mário Branco (que compôs muitas das canções do GAC) e o empenhamento de vários músicos e muitos cantores recrutados em coros da zona de Lisboa que o GAC traçou boa parte da sua importantíssima carreira na canção de intervenção. Álbuns obrigatórios, se se conseguirem encontrar, em qualquer discoteca básica da música portuguesa (e não só a popular ou a de intervenção): «A Cantiga é Uma Arma», «Pois Canté!!», «E Vira Bom» e «Ronda da Alegria». Há muitos anos que se espera a sua reedição em CD.


Cromo VIII.2 - Emmylou Harris


Emmylou Harris (nascida a 2 de Abril de 1947, no Alabama, Estados Unidos) é talvez a cantora mais importante da country norte-americana das últimas décadas. Com uma voz única e maravilhosa, Emmylou tem uma respeitadíssima carreira a solo (ela é também compositora de muitas das canções que interpreta) e colaborou ao longo das últimas três décadas com nomes tão variados como Gram Parsons, Neil Young, Bob Dylan, Dolly Parton, Mark Knopfler, Linda Ronstadt, Willie Nelson ou gente mais nova que a venera como a uma Deusa: Conor Oberst (aka Bright Eyes) ou Ryan Adams. O seu álbum de estreia, «Gliding Bird», foi editado em 1970, e muitos outros se seguiriam, numa trajectória pessoal e artística imparável. Álbuns aconselhados: «Blue Kentucky Girl», «Roses in The Snow», «Trio» (com Linda Ronstadt e Dolly Parton), «Bluebird» e, principalmente, «Wrecking Ball», disco edtado em 1995, com produção de Daniel Lanois, em que Emmylou canta temas de Neil Young, Jimi Hendrix e Steve Earle, entre outros.

Cromo VIII.3 - Baba Zula


A música turca está cheia de bons exemplos de fusão entre os sons locais e outras formas musicais (de Mercan Dede aos Oojami), mas foram os Baba Zula os primeiros a expandir globalmente essa fusão. No seu caso, uma mistura explosiva de música tradicional turca (incluindo o sempre excitante piscar de olho à dança do ventre), rock, electrónicas, reggae e dub. O álbum de estreia, «Tabutta Rovasata», foi editado em 1996, seguindo-se «3 Oyundan 17 Muzik», «Psyche-belly Dance Music», «Duble Oryantal» (estes dois produzidos pelo mestre do dub Mad Professor), «Dondurmam Gaymak» (banda-sonora) e o mais recente «Roots», este último uma homenagem a dois dos mais emblemáticos instrumentos tradicionais turcos, o saz e as colheres de madeira (usadas como percussões). Entre os colaboradores dos Baba Zula contaram-se, ao longo dos anos, gente do calibre de Sly Dunbar e Robbie Shakespeare (a secção-rítmica maravilha da Jamaica), Alexander Hacke (dos Einsturzende Neubauten) ou a diva turca da ópera Semiha Berksoy.


Cromo VIII.4 - Issa Bagayogo


Cantor e músico maliano, Issa Bagayogo é um dos mais importantes nomes da África Ocidental a fundir sons de raiz com outras músicas, nomeadamente com programações electrónicas. Fazendo-se acompanhar pelo seu característico kamele n'goni (que parece uma kora mas não o é: o kamele n'goni tem apenas seis cordas e é característico da música de Wassoulou, no sul do Mali), Bagayogo canta a terra, a paz e a amizade sem nunca esquecer as suas origens camponesas, em Korin. As suas primeiras gravações foram feitas em Bamako, no início dos anos 90, sem grande sucesso, o que o obrigou a conduzir autocarros durante algum tempo. Mas no final dos anos 90, finalmente, a sua estrela começa a brilhar. Em 1999 sai o álbum «Sya», um grande sucesso no Mali, seguindo-se depois três álbuns que o lançaram ao mundo: «Timbuktu», «TassouMaKan» e «Mali Koura».

27 dezembro, 2006

Kepa Junkera, Accordion Tribe, Tim Van Eyken - Acordeões de Todo o Mundo, Uni-vos


Há muitos discos editados este ano - e até o ano passado - sobre os quais ainda falarei neste blog, mas não queria acabar 2006 sem referir estes três de que falo aqui hoje. São três discos fabulosos - outra vez: fabulosos - que têm como elo comum o uso (não exaustivo nem exclusivo, excepto no caso dos Accordion Tribe, na foto) do acordeão e de instrumentos-irmãos. E, ah catano!, se todos os Quim Barreiros desta vida os ouvissem...

KEPA JUNKERA
«HIRI»
Elkar Musika

Ao fim de vários anos a escrever sobre Kepa Junkera, acho que já esgotei um léxico inteiro de elogios ao acordeonista basco. E a propósito de «Hiri», o seu novo álbum - também já perdi a conta a quantos já editou... - seria preciso renovar não apenas um léxico inteiro mas também uma sintaxe e um vocabulário paralelo para dizer tudo o que este álbum tem de bom lá dentro. Mas atrevo-me a dizê-lo: nunca Kepa tocou tão bem a sua trikitixa como aqui, nunca o seu som esteve mais perto de tantos caminhos (e já tantos caminhos que ele cruzou em vários álbuns!) e tão perto de um som universal, global, aberto a tantas músicas sem, nunca, nunca, deixar de ser ele, o «velho» Kepa. Oiça-se, por exemplo, «Ataun», em que a dança da trikitixa entronca na cavalgada imparável da txalaparta, sublinhada pelo uivo da alboka e o lamento da sanfona, unindo o País Basco a Itália (uma união que é repegada no maravilhoso «Napoli»). E também andam por este álbum sons árabes, vozes búlgaras (as Bulgarka), um piano maravilhoso (de Alain Bonnin), a gaita galega de Xosé Manuel Budiño, o percussionista Glen Velez, a fabulosa Mercedes Péon e a cantora azeri Aygun, os Tactequete e Eliseo Parra, entre muitos outros, numa festa feita de tantas músicas que não conseguimos contá-las. Ainda bem! (9/10)


ACCORDION TRIBE
«LUNGHORN TWIST»
Intuition Music

E se o álbum de Kepa e da sua trikitixa está, e tão bem!, rodeado de vozes e muitos outros instrumentos, já em «Lunghorn Twist», terceiro álbum dos Accordion Tribe, o acordeão (os cinco acordeões!) é rei e senhor e maestro e uma orquestra inteira. Os Accordion Tribe são um super-grupo que junta Guy Klucevsek (Estados Unidos), Maria Kalaniemi (Finlândia), Bratko Bibic (Eslovénia), Lars Hollmer (Suécia) e Otto Lechner (Áustria), cinco acordeonistas talentosíssimos que trazem as suas respectivas heranças locais (e muitos géneros musicais em que anteriormente se movimentaram, da folk ao rock progressivo, do jazz de vanguarda da Knitting Factory nova-iorquina à música clássica....) e o resultado é magnífico, absolutamente surpreendente e devastador. Com os Accordion Tribe há lugar para valsas e swing, solos lindíssimos de cor e calor mas também uníssonos em distorção e dissonância absolutas, punkalhadas sem vergonha e música improvisada que parece saída de uma jam de fim de curso no Conservatório (elogio!). O norte-americano Guy Klucevsek (que trabalhou com John Zorn, Laurie Anderson e Bill Frisell, entre outros) é geralmente visto como o líder do grupo, mas todos eles contribuem por igual para uma música novíssima e maravilhosa. (10/10)


TIM VAN EYKEN
«STIFFS LOVERS HOLYMEN THIEVES»
Topic Records

Ele também canta e toca guitarra, mas é quando pega no acordeão (oiça-se a lindíssima entrada do terceiro tema, «The Pearl Wedding/Nancy Taylor's», a primeira vez que o acordeão entra em cena neste álbum) que Tim Van Eyken se revela como um dos melhores músicos actuais do Reino Unido. Um músico com um respeito enorme pela tradição (todos os temas de «Stiffs Lovers Holymen Thieves» são tradicionais das Ilhas Britânicas) mas com a dose suficiente de ambição e talento para avançar um bocadinho na renovação da folk britânica, adicionando-lhe fatias de country norte-americana ou de rock. Jovem prodígio (com alguns prémios no currículo, nomeadamente da BBC), Tim Van Eyken fez parte dos Dr.Faustus e acompanhou durante cinco anos o projecto Waterson:Carthy, isto é o grupo da família-maravilha da folk constituído pelos enormes Martin Carthy e Norma Waterson, e a filha do casal Eliza Carthy. Neste álbum a solo, Van Eyken é acompanhado por Nancy Kerr no violino e voz, Pete Flood (dos Bellowhead) na bateria e Oliver Knight na guitarra eléctrica, entre outros. E o resultado é um álbum hiper-equilibrado, variado e muitas vezes surpreendente («Babes In The Wood», por exemplo, está entre a música romântica, a experimental e o indie-rock). (9/10)

26 dezembro, 2006

Dossier Guitarra Portuguesa - 4º Fascículo
























Um dos trabalhos que mais prazer me deu fazer durante os meus muitos anos de BLITZ foi este dossier sobre a Guitarra Portuguesa, em finais de 2004. Ao longo destas semanas, e espaçadamente (para não cansar e porque há outras coisas para falar), aqui vão ficar entrevistas com guitarristas da nova geração e um construtor de guitarras que com ele transporta o saber de gerações, uma possível História da Guitarra Portuguesa, uma discografia básica, etc... Fiz este trabalho com muito amor. Leiam-no também assim, por favor.


GUITARRA PORTUGUESA
CORDAS UMBILICAIS

Pode um instrumento musical espelhar - com o seu som, o seu timbre, a sua respiração e movimento e vibração - a alma de um povo? Pode. Ouve-se um didgeridoo na Austrália, um berimbau no Brasil, uma kora no Senegal, uma flauta de Pã nos Andes, um tambor taiko no Japão, e sabemos que aquele instrumento específico está a ser tocado pela alma certa, mesmo que possa ser tocado por «corpos» de toda a gente em todo o mundo.

Pode a guitarra portuguesa espelhar a alma do povo português? Pode. Há guitarra portuguesa de Lisboa e guitarra portuguesa de Coimbra e guitarra portuguesa do Porto e Braga. E há gente a tocá-la em todo o país. E há um género (dois?, se falarmos de Lisboa e de Coimbra separadamente) que lhe está colado como uma segunda pele, o Fado - ou, dizem os mais críticos, em vez de uma pele, um casaco grande e grosso que por vezes lhe abafa o respirar. E há intérpretes e compositores que fizeram da guitarra portuguesa um instrumento maior. João Maria dos Anjos, Antero Alte da Veiga, o clã Paredes - Gonçalo, Artur e Carlos -, Armandinho, Raúl Nery, António Portugal, António Brojo, Fontes Rocha, Augusto Hilário, Pedro Caldeira Cabral, António Chaínho e muitos, muitos outros... E, mais recentemente, há músicos mais novos que se atiram à guitarra sem complexos e com vontade de a levar para o futuro como Ricardo Rocha, Paulo Parreira, Custódio Castelo ou Paulo Soares... E algumas mulheres, como Marta Costa, perderam o medo de tocar este instrumento difícil e extremamente exigente em termos físicos (a posição; a dureza das cordas...). E há gente do rock a virar-se para ela: na invenção e recriação física do instrumento através das «guitarras portuguesas mutantes» de Nuno Rebelo; na paixão com que Luís Varatojo (ex-Peste & Sida e Despe e Siga) trocou a guitarra eléctrica pela guitarra portuguesa e contribuiu para fazer A Naifa; na aventura que é usar guitarra portuguesa no heavy-metal (os Thragedium, cujo líder, Eclipse, também toca guitarra portuguesa). E os ecos do instrumento não ficam por aqui. Mesmo que não estejam lá, fisicamente, estão nos samples de Sam The Kid ou nas guitarras eléctricas dos Dead Combo, de The Legendary Tiger Man e de Gonçalo Pereira (cf. na versão de «Movimentos Perpétuos», de Carlos Paredes, no álbum «Upgrade»).

A guitarra portuguesa, dizem alguns historiadores, evoluiu a partir de uma fusão da cítara com a guitarra inglesa e faz parte de uma imensa família de cordofones. Pelo som, e pelo sentimento, é irmã do oud (o alaúde árabe), é prima do bouzouki grego (que, por uma estranha emigração, foi adoptado também pelos irlandeses) e do bandolim siciliano, e é vizinha da guitarra espanhola - tão vizinha que, geralmente, para cada guitarra portuguesa há uma viola - uma guitarra espanhola - ali mesmo ao pé. Mas as ligações genealógicas dos cordofones podem ir mais além no tempo e longe no espaço: podem ir ao shamisen das gueixas japonesas, à sitar indiana, à balalaika russa, ao ukelele havaiano (neto dos cavaquinhos portugueses), à kora dos griots mandingas, às violas de lata dos blues do Mississippi.

São cordas que prendem a música, as canções, à terra onde nascem, como cordões umbilicais que nunca são cortados, como fios de Ariadne que nos servem de bússola permanente, como uma teia de relações que se prendem - e nos prendem - a um tempo, a um espaço, a uma poesia, a um gosto, a um destino. E à alma dos povos que as dedilham.

24 dezembro, 2006

Colectâneas de Natal - Um Mundo de (Algumas) Canções


O que era suposto estar aqui era a terceira parte da série «Prendas no Sapatinho», com a caixa de quatro CDs «Angola», que só não está porque deve andar nataliciamente encalhada em alguma estação dos correios. Não faz mal, porque assim tenho um bom motivo para aconselhar algumas colectâneas de canções de Natal interpretadas por artistas da chamada world music e de «territórios» contíguos. São pequenas fichas, entradas, aperitivos...













Vários - «World Christmas» (Blue Note Records): Canções de Natal de vários países interpretadas por artistas de «world» e de jazz do calibre de Papa Wemba, John Scofield, Angélique Kidjo, Cesária Évora, Deep Forest com Lokua Kanza, Vocal Sampling, Gilberto Gil com Caetano Veloso ou Joshua Redman com Marcus Miller.















Vários - «Christmas Around The World» (Putumayo): Fórmula semelhante ao do anterior com interpretações, em várias línguas, de canções de Natal, interpretadas por Steve Schuch & The Night Heron Consort, New York Twoubadou, Sheryl Cormier & Cajun Sounds, Cuba L.A., Banks Soundtech Steel Orchestra, Los Reyes, Pepe Castillo ou Kali.















Vários - «A Putumayo Christmas: World, Folk, Blues, Jazz and Soul» (Putumayo): O título diz quase tudo o que esta colectânea tem lá dentro. Protagonistas: John Gorka, Ottmar Liebert, Machel, Michael Doucet, Otis Redding, Koko Taylor, Son Seals e Loreena McKennitt, entre outros.















Vários - «Christmas: Around the World» (National Geographic). A mesma fórmula, com um leque «geográfico» bastante alargado. Inclui interpretações dos Berrogüetto, Nina Postolovskaya, Ivan Lins, Asne Valland Nordli, Tairona, Tarun Bhattacharya, Mondo Caribe, Big D Nui e Folk Scat, entre outros.















Vários - «Nomad Christmas» (Nomad Records): Entre o jazz e as músicas «locais» de cada um dos intervenientes (Índia, Cuba, Brasil...), esta colectânea inclui participações de Simon Shaheen, Glen Velez, Tarun Bhattacharya, Fernando Melo, Luiz Bueno, Folk Scat, Robbie Link e Mike Richmond, entre outros.















Vários - «Celtic Christmas» (Windham Hill Records): O mais limitado em espaço geográfico e «musical» abrangente (a música «celta»), é no entanto um regalo de se ouvir. Inclui temas interpretados por Phil Cunningham com Manus Lunny, Triona Ni Dhomhnaill, Liam O' Flynn, Luka Bloom, Nightnoise, Carlos Nuñez ou Loreena McKennitt.


Feliz Natal*Merry Christmas*Joyeux Noël*Feliz Navidad*God Jul*Saint Dan Fai Lok*Vrolijk Kerstfeest*Maligayang Pasko*Hyvaa Joulua* Milad Majid*Froehliche Weihnachten*Shub Naya Baras*Kala Christouyenna*Afishapa*E Ku Odun*Mele Kalikimaka*Mo'adim Lesimkha*Gledileg Jol*Boldog Karácsonyt*Selamat Hari Natal*Nollaig Shona Dhuit*Buon Natale*Kurisumasu Omedeto*Nollaig Chridheil Huibh*Mboni Chrismen*Sung Tan Chuk Ha*Linksmu Kaledu*Selamat Hari Natal*Meri Kirihimete*Craciun Fericit*Cestitamo Bozic*Vesele Vianoce*Nadolig Llawen*Pozdrevlyayu s Prazdnikom Rozhdestva*Zalig Kerstfeest*Webale Krismasi*Gajan Kristnaskon

23 dezembro, 2006

Super-Réveillon Bailante - Pé de Xumbo ao Pé Coxinho


Se é conveniente passar o segundo exacto entre um ano e outro ao pé coxinho, para se entrar no novo ano com o pé direito, imagine-se o que é fazer isso quando se tem (ou já não se tem, conforme...) pé de chumbo e durante quatro dias seguidos... O último festival trad do ano - e, ao mesmo tempo, o primeiro de 2007 - decorre no Porto, entre 29 de Dezembro e 1 de Janeiro, organizado pela Pé de Xumbo e pela Associação Gambozinos. É o Festival Fim d'Ano, na Igreja do Marquês (Praça do Marquês de Pombal), com bailes/concertos abrilhantados pelos grupos portugueses Monte Lunai (na foto, de Mário Pires, da Retorta), Uxu Kalhus, Mu e Mosca Tosca, os franceses ZEF e os belgas Naragonia. O festival inclui ainda workshops de dança (europeias, holandesas, portuguesas, orientais, bálticas, galegas, etc...) e de música e instrumentos (concertina, gaitas-de-foles, música tradicional).

22 dezembro, 2006

Dossier Guitarra Portuguesa - 3º Fascículo


Um dos trabalhos que mais prazer me deu fazer durante os meus muitos anos de BLITZ foi este dossier sobre a Guitarra Portuguesa, em finais de 2004. Ao longo destas semanas, e espaçadamente (para não cansar e porque há outras coisas para falar), aqui vão ficar entrevistas com guitarristas da nova geração e um construtor de guitarras que com ele transporta o saber de gerações, uma possível História da Guitarra Portuguesa, uma discografia básica, etc... Fiz este trabalho com muito amor. Leiam-no também assim, por favor.


GUITARRA PORTUGUESA
DISCOGRAFIA BÁSICA

A guitarra portuguesa está, quase sempre, escondida atrás de um fadista ou de uma fadista. E não são muitos os registos discográficos existentes que dêem ao instrumento o protagonismo absoluto. O BLITZ foi à procura dos discos que julga serem os que mais e melhor justiça fazem à nossa guitarra:

António Brojo e António Portugal - «Variações Inacabadas» (CD 1994 EMI). Dois dos mais importantes guitarristas de Coimbra colaboram num álbum que foi deixado inacabado devido ao falecimento dos dois intervenientes. Neste disco, Brojo e Portugal interpretam temas próprios e de Artur Paredes, Gonçalo Paredes, Augusto Hilário e Flávio Rodrigues, entre outros.

António Chaínho - «A Guitarra e Outras Mulheres»(CD 1998 Movieplay). Acompanhante de fadistas como Maria Teresa de Noronha, Lucília do Carmo e Carlos do Carmo, entre outros, Chaínho mostra neste disco que também é um talentoso compositor de originais. É aqui acompanhado por cantoras como Teresa Salgueiro, Marta Dias, Elba Ramalho ou Filipa Pais e músicos como Fernando Alvim, Vinicius Cantuária, Greg Cohen, Peter Sherer e Eyvind Kang.

Artur Paredes - «Artur Paredes» (LP 1961 Alvorada, CD 2003 Movieplay). Filho de Gonçalo Paredes e pai de Carlos Paredes, Artur Paredes foi «o génio revolucionário da guitarra coimbrã» (diz José Niza). Neste disco, Artur Paredes interpreta originais seus acompanhado por Carlos Paredes (também na guitarra portuguesa) e Arménio Silva (viola).

Carlos Paredes - «Guitarra Portuguesa» (LP 1968 Columbia, CD 1987 EMI-VC) e «Movimento Perpétuo» (LP 1971 Columbia, CD 1988 EMI-VC). Se Artur Paredes, pai de Carlos, revolucionou a guitarra coimbrã, Carlos Paredes revolucionou toda a música nacional e fez da guitarra portuguesa um instrumento maior na galáxia dos sons. Génio absoluto, Carlos Paredes - acompanhado nestes dois álbuns pela viola de Fernando Alvim - lança as sementes do futuro para o instrumento em temas imortais por si compostos e interpretados («Canção Verdes Anos», «Movimento Perpétuo», «Mudar de Vida»...).

Domingos Camarinha e Santos Moreira - «Guitarras Portuguesas» (LP 1960 Decca, CD 2001 EMI-VC). O guitarrista Domingos Camarinha (neste disco acompanhado à viola por Santos Moreira) foi acompanhante e autor de músicas para Amália Rodrigues e um dos mais importantes intérpretes de guitarra de Lisboa. Neste álbum toca temas de Lisboa mas também de Coimbra e do folclore nacional.

José Nunes - «O Melhor de José Nunes» (CD 2001 EMI-VC). Acompanhador de fadistas (nomeadamente Amália) mas também solista, José Nunes foi o melhor exemplo de como a guitarra portuguesa é mesmo... portuguesa. Nascido no Porto, é tido como um genial fusionista entre os estilos de Coimbra e Lisboa. Neste disco interpreta temas seus e de outros (Raul Ferrão, Max, populares...).

Pedro Caldeira Cabral - «Memórias da Guitarra Portuguesa/A Guitarra do Século XVIII» (CD 2003 Tradisom). Instrumentista, investigador, especialista em música antiga, Pedro Caldeira Cabral (na foto) é também um apaixonado pela guitarra portuguesa. Neste disco duplo, Cabral vai em busca de formas clássicas/eruditas (embora não se resuma a isto) interpretadas em guitarra portuguesa: pavanas, sonatas, tocatas, minuetos...

Ricardo Rocha - «Voluptuária» (CD 2003 Vachier & Associados) e «Tributo à Guitarra Portuguesa» (CD 2004 Público/Vachier & Associados). O mais talentoso guitarrista de Lisboa da nova geração, Ricardo Rocha tanto inova, revoluciona e leva a guitarra para novos e inexplorados territórios (no álbum em solo absoluto - excepto quando é acompanhado por cravo e violino - e maioritarimente com composições suas, «Voluptuária») como é respeitoso e reverente na transmissão de temas de compositores do passado como Armandinho, José Nunes, Domingos Camarinha, José Cavalheiro ou Jaime Santos (em «Tributo à Guitarra Portuguesa», em que é acompanhado pela viola de Paquito).

Vários - «Guitarra Diversa» (CD 2004 Músicactiva). Álbum editado com o apoio de Coimbra - Capital Nacional da Cultura, inclui participações de Ricardo Rocha, Pedro Caldeira Cabral, Nuno Rebelo, Cândido Lima e Paulo Soares.

Vários - «Guitarras do Fado - Ao Vivo na Aula Magna» (CD 2001 EMI-VC). Inclui gravações ao vivo de Fontes Rocha, Carlos Gonçalves, Mário Pacheco, Manuel Mendes, Paulo Parreira e Ricardo Rocha.

21 dezembro, 2006

Prendas no Sapatinho 2 - Sufjan Stevens


O Natal é sempre uma boa desculpa para investir, por via directa ou indirecta, em objectos (livros, CDs, DVDs...) mais caros do que o habitual, seja através da magnífica invenção que é a auto-prenda («Quer que embrulhe?», «Não, não é preciso, é p'ra mim») quer através da pedinchice descarada aproveitando o flanco aberto do inimigo («Então netinho, o que é que queres que eu te dê este Natal? Meias?», «Não, não, deixe estar, pode ser só o DVD do Richard Thompson»). O DVD do Richard Thompson também já entrou nesta minha lista, mas hoje, aqui fica o lindíssimo embrulho que é a caixa de Natal de Sufjan Stevens...


SUFJAN STEVENS
«SONGS FOR CHRISTMAS»
Asthmatic Kitty Records

Já o disse aqui várias vezes: estou cada vez mais cansado da pop e do rock que se vai fazendo por esse mundo fora. Mas há excepções, claro, e ainda bem... E agora no Natal - época de boa vontade e de amor universal -, deixem-me que diga que a melhor canção (canção!) dos últimos dez anos não veio da área da world music ou da folk ou de «géneros» colaterais... Também não é dos White Stripes, dos Arcade Fire ou dos Animal Collective, de Devendra Banhart ou de Joanna Newsom, de Beck ou dos Handsome Family, isto é, daqueles poucos artistas e grupos que eu venero... Não, a melhor canção dos últimos dez anos, para mim, chama-se «John Wayne Gacy, Jr.» e é de Sufjan Stevens. O mesmo Sufjan Stevens que, sempre com a mania das megalomanias que se lhe conhece, nos oferece agora uma lindíssima prenda de Natal: a caixa de cinco CDs «Songs For Christmas - Singalong (In Stereo Hi-Fi)», uma compilação dos seus EPs oferecidos aos amigos e a alguns fãs - à semelhança do que faziam os Beatles e outros grupos -, por alturas do Natal, ao longo dos últimos quatro anos e ainda o que estava reservado para este ano da graça de 2006. São gravações caseiras, geralmente lo-fi (à excepção do disco 5, muito mais orquestrado do que os anteriores), com Sufjan e os amigos e amigas a fazerem versões de muitos temas de Natal conhecidos - estão cá os clássicos absolutos «Silent Night», «O Come O Come Emmanuel», «Amazing Grace», «The Little Drummer Boy», «Joy To The World» e «Jingle Bells» -, à mistura com vários originais de Sufjan compostos a propósito da quadra natalícia, alguns deles com recurso ao seu humor corrosivo e à sua verve inteligentíssima - e basta atentar nos títulos para ver logo onde é que ele quer chegar («It's Christmas! Let's Be Glad», «Only at Christmas Time», «Come On! Let's Boogey To The Elf Dance!» ou «That Was The Worst Christmas Ever!»), mas, sempre, sempre, com o seu toque mágico e pessoalíssimo. Ah!, a caixa ainda traz autocolantes, um livreto com as letras e as músicas, banda-desenhada, etc, só faltando mesmo um chocolate ou dois... Esta prenda comprei para mim! (9/10)

20 dezembro, 2006

Dossier Guitarra Portuguesa - 2º Fascículo


Um dos trabalhos que mais prazer me deu fazer durante os meus muitos anos de BLITZ foi este dossier sobre a Guitarra Portuguesa, em finais de 2004. Ao longo destas semanas, e espaçadamente (para não cansar e porque há outras coisas para falar), aqui vão ficar entrevistas com guitarristas da nova geração e um construtor de guitarras que com ele transporta o saber de gerações, uma possível História da Guitarra Portuguesa, uma discografia básica, etc... Fiz este trabalho com muito amor. Leiam-no também assim, por favor.


A INCLINADA GERAÇÃO (II)
TOCAR GUITARRA PORTUGUESA É DOLOROSO

No ano passado, quando Ricardo Rocha editou o seu álbum a solo «Voluptuária», o guitarrista referiu em várias entrevistas uma relação de amor/ódio com o instrumento. Relação que ele agora clarifica: «Quando falo um bocado mal da guitarra, isso tem a ver simplesmente com a parte técnica e a parte física do instrumento. É um instrumento que exige não só boas condições técnicas como uma boa condição física para tocar, pela tensão e dureza das cordas. Tudo aquilo exige uma forma muscular muito boa para se conseguir tocar, porque tudo é duro, muito tenso. Isso dificulta a técnica, a articulação. É uma grande canseira. É um desporto radical». E também Marta Costa refere a dificuldade que é tocar o instrumento: «É difícil para qualquer pessoa, mas para uma mulher é ainda mais difícil. Temos uma pele mais fina do que a dos homens, temos que criar calos nos dedos, as cordas são muito finas e têm uma tensão enorme - é um bocado doloroso. Quando os calos chegam está tudo bem».

INFLUÊNCIAS, REFERÊNCIAS, OS PAREDES E ARMANDINHO...

E quem é que ouvem os guitarristas da nova geração? Quais são as suas principais influências e referências?... Diz Ricardo Rocha: «O Carlos Paredes e o Pedro Caldeira Cabral são uma referência pela sua actividade de solistas. Mas há outras pessoas que são uma referência fundamental na linguagem da guitarra tradicional: Jaime Santos, Domingos Camarinha, Armandinho, são guitarristas fundamentais para quem aprende guitarra portuguesa e se interessa pelo instrumento. Eles tocavam com uma complexidade enorme e já ninguém toca aquela linguagem, porque é muito difícil».

Por sua vez, Paulo Soares contrapõe com a escola de Coimbra: «A minha grande influência é, sobretudo, dos Paredes, porque na música deles - Artur e Carlos - existe uma energia anímica e de aproveitamento sonoro do instrumento que não encontramos em mais nenhum guitarrista. E sempre procurei essa energia. Mas também admiro muito o trabalho de Octávio Sérgio, que podemos pôr ao lado do de Carlos Paredes, em termos de qualidade da composição e da adaptação ao instrumento. O Pedro Caldeira Cabral faz um trabalho extraordinário, com influências da música erudita, e isso leva-nos a sofisticar o uso que se faz da guitarra». E lança algumas farpas ao estilo de Lisboa: «Historicamente, houve uma tentativa de se adaptar a construção do instrumento ao uso e ao estilo de cada cidade. Mas essas diferenças estão a atenuar-se cada vez mais e de uma forma geral é o modelo físico de guitarra de Coimbra que tende a prevalecer. Mas do ponto de vista da técnica, e da forma como o reportório se desenvolveu, as principais diferenças são que a guitarra de Lisboa procurou muitos rodriguinhos, muitos ornamentos, cantar as melodias mas ornamentá-las com um certo jeito malabarista, algum virtuosismo exibicionista, que caracterizava o Armandinho, que serve de modelo inicial a esse estilo de guitarra. Na guitarra de Coimbra, temos outra atitude, representada pelo Artur Paredes, onde não são os efeitos sonoros que estão em causa, mas a sonoridade intrínseca, completa, cheia, do instrumento e da música que nele se faz».

Farpas que são repegadas por Varatojo: «Não posso dizer que tenha influências, porque tenho tão pouca experiência no instrumento que não consigo avaliar se a minha maneira de tocar tem mais a ver com este ou aquele. Gosto de ouvir alguns guitarristas, mas gosto de descobrir os meus próprios caminhos... Gosto das coisas simples e a guitarra portuguesa tocada de uma forma clássica é uma coisa muito rendilhada, muito barroca, muito promenorizada, e gosto de "passar isso a ferro" e fazer umas coisas um bocado mais cubistas. Já fazia isso com a guitarra eléctrica». Por sua vez, Marta, humilde, refere: «Gosto muito do Mário Pacheco, do Fontes Rocha, do Ricardo Rocha - que ao seu estilo é genial. E é mais a essas pessoas com quem me dou a quem eu me agarro. Tenho poucos CDs, é uma vergonha...».

O PRESENTE E O FUTURO

Neste momento, e entre outros projectos, Nuno Rebelo (na imagem, um dos esboços de uma «guitarra portuguesa mutante») está envolvido no grupo Mark Lewis & The Standards, mas As Guitarras Portuguesas Mutantes!!! continuam vivas, quanto mais não seja através da projecção de filmes originalmente feitos para o projecto a serem exibidos num festival em Atenas. Para além disso, diz Rebelo, «não está nada encerrado no capítulo As Guitarras Portuguesas Mutantes!!!; é bem possível que volte a acontecer. É preciso apenas chegar o momento certo e a ocasião ideal».

Ricardo Rocha está a trabalhar em originais para um novo álbum, embora ainda não saiba quando será editado: «Eu também acompanho o Carlos do Carmo, mas prefiro ficar sozinho a gravar, nem sequer é a tocar em público». E, diz, sente «uma solidão e uma tristeza muito grande» por ser dos poucos a compor para o instrumento: «E isso só se passa em Portugal. Portugal é único em tudo: na decadência, na miséria e na pobreza. Existir aqui um instrumento como este, único no mundo, e só haver um ou dois compositores que o encaram de uma forma solística e compor e fazer peças para o instrumento a solo. E mesmo noutras gerações, houve só o Pedro Caldeira Cabral e o Carlos Paredes e pouco mais. É caricato e absurdo».

Paulo Soares tem um álbum na forja: «Tenho um álbum gravado, mas não gostei da captação de som e vou gravá-lo outra vez. O disco tem a ver com toda a guitarra de Coimbra, desde o Gonçalo Paredes até aos dias de hoje, incluindo composições minhas». Para já, dedica-se a «recitais a solo, acompanhado por uma viola, com um reportório baseado na guitarra de Coimbra, e também com composições mais recentes, algumas minhas. E também tenho feito alguns espectáculos com a Orquestra de Câmara de Coimbra e com a Orquestra do Norte». O ano passado fez um espectáculo, no encerramento do Festival da Guitarra, integrado em Coimbra - Capital da Cultura, estreando um concerto para guitarra portuguesa e orquestra da autoria de Fernando Lapa.

Por estes dias, Luís Varatojo continua a apresentar ao vivo o projecto A Naifa - que partilha com João Aguardela, a cantora Mitó e o baterista Vasco Vaz - e os temas do álbum «Canções Subterrâneas», cujos originais «foram todos construídos, de base, por mim na guitarra portuguesa e pelo João no baixo eléctrico. As minhas partes de composição nasceram na guitarra portuguesa, e isso foi propositado porque acabei por descobrir ali uma série de coisas, inclusive fazer acordes que não estão correctos mas que me soam bem e que não soariam dessa maneira se tivesse composto noutro instrumento qualquer... A guitarra portuguesa é um instrumento acústico, mas eu electrifico-a e uso efeitos, tanto em estúdio como ao vivo... Mantenho algumas características acústicas - o timbre e a ressonância -, mas dando algum cunho eléctrico ao instrumento». E num próximo álbum do projecto, lá continuará a guitarra portuguesa, também, à sua maneira, mutante.

Marta Costa está no último ano de Engenharia Civil, no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, mas, depois de terminado o curso, promete dedicar-se mais à guitarra do que às engenharias: «Desde pequena que gosto imenso de música». E esta frase de Marta ilumina na perfeição tudo o que ficou para trás e as declarações dos outros todos.

19 dezembro, 2006

Prendas no Sapatinho 1 - Richard Thompson


O Natal é sempre uma boa desculpa para investir, por via directa ou indirecta, em objectos (livros, CDs, DVDs...) mais caros do que o habitual, seja através da magnífica invenção que é a auto-prenda («Quer que embrulhe?», «Não, não é preciso, é p'ra mim») quer através da pedinchice descarada aproveitando o flanco aberto do inimigo («Então netinho, o que é que queres que eu te dê este Natal? Meias?», «Não, não, deixe estar, pode ser só a caixa de cinco CDs do Sufjan Stevens»). A caixa de cinco CDs do Sufjan Stevens também entra nesta minha lista, mas para já, aqui fica o Sr. Richard Thompson...


RICHARD THOMPSON
«1000 Years of Popular Music»
Cooking Vinyl

O mote para esta aventura extraordinária de Richard Thompson foi, diz ele, um convite que a «Playboy» lhe lançou e a mais alguns artistas: «Escolha as dez melhores canções dos últimos mil anos». E, diz Thompson, pensou: «Hipócritas, eles querem é uma lista das melhores canções dos últimos vinte anos...». E vai daí, pimba!, pôs-se a pesquisar canções com centenas de anos, juntou-lhe algumas mais recentes e a lista da «Playboy» transformou-se num espectáculo e um destes espectáculos (em São Francisco, Estados Unidos) neste magnífico DVD, com dois CDs audio com o mesmo alinhamento acoplados. Aqui, Richard Thompson (se for necessário referi-lo: o cérebro por trás dos primeiros anos dos Fairport Convention e um dos maiores senhores da folk britânica dos últimos, oops!, mil anos), ocupa-se da guitarra acústica e da voz, acompanhado por Judith Owen (teclas e voz, e que voz!!!, em alguns dos temas que ela canta a solo) e Debra Dobkin (percussões e coros), e revisita canções sagradas e profanas medievais e renascentistas, madrigais e canções vitorianas, cantos de marinheiros e o music-hall britânico do início do séc. XX, passando por Inglaterra, Itália e Escócia. Depois atira-se à música para filmes de Hollywood, a Cole Porter e a Nat King Cole, ao rock'n'roll via Jerry Lee Lewis e à country via Buck Owens. E à pop - estão aqui os Kinks, os Squeeze, os australianos Easybeats e... Britney Spears, com uma divertidíssima versão de «Oops!... I Did It Again» (com uma parte - risos - que parece saída do bolso de um trovador medieval!). No encore há mais três docinhos: o standard «Cry Me a River», um tema de uns tais Bowling For Soup e uma delirante canção de piratas. O todo é uma maravilha completa que, para além do prazer que nos proporciona como excelentíssimo objecto de escuta que é, põe uma questão só relativamente palerma: quantas mais canções dos últimos mil anos será preciso redescobrir? (10/10)

18 dezembro, 2006

Sérgio Godinho - «Só Neste País» a Hino Nacional, Já!


Estou a imaginar um estádio inteiro a assobiar o início da canção, qual «A Ponte do Rio Kwai», antes de um jogo da selecção. Estou a imaginar as deputadas da Assembleia da República a fazer a ladaínha sussurrada dos coros femininos da canção durante uma cerimónia oficial qualquer. Estou a imaginar os recrutas dos quartéis a fazer continência enquanto se ouve «E agora a Rima!», e a rirem entre dentes. Estou a imaginar a Banda dos Bombeiros Voluntários do Entroncamento - se existir - a atacar o final da canção, majestoso com ânimo. Estou a imaginar um país inteiro, o nosso, a cantar «Só Neste País», a canção que fecha o novo álbum de Sérgio Godinho e que é o mais perfeito retrato do nosso país em muitos anos. Merecia ser, desde já!, o nosso novo hino nacional (ver letra aqui em baixo, sff).

De resto - e isto não é uma crítica convencional ao disco - refira-se que não, «Ligação Directa» não é o melhor álbum de sempre de Sérgio Godinho - não podia!!! -, mas é muitíssimo bom... Nele há baladas puro-SG, um reggae arraçado à Police, uma marcha-ska-carrossel, um fake-country-chula (chula?), um tema («O Velho Samurai») cuja música parece saída de um misto de «banda-sonora» de Hollywood/anos 40 e Yann Tiersen, rock'n'roll de feira e circo (nos fabulosos «O Rei do Zum-Zum» e «No Circo Monteiro Nunca Chove», com mais dois grandes poemas, entre muitos, tantos outros, neste e noutros álbuns...), dois bons temas com músicas de Nuno Rafael e Hélder Gonçalves, e «Só Neste País» que, repete-se, é o Hino que todos nós merecíamos (para o bem e para o mal).

«SÓ NESTE PAÍS»
SÉRGIO GODINHO

Unamo-nos
Nós somos os famosos anónimos
Mesmo assim já cumprimos os mínimos
Somos todos únicos
Que mais vão querer de nós
Para provar quem vai à frente
Ou fica atrás

Se é por
Ir estabelecer um novo record
Compremos o Guinness
Ao preço que for
E fica o assunto homologado
E sai espumantes
Às vezes dá p'ra um banquete
Ou dele as sandes

Sempre
Complicamos a coisa mais simples
E simplificamos a complicada
Sai em rajada
O tiro pela culatra
Às vezes mata
Às vezes ressurreição
Foi de raspão

(Só neste país...)

Só neste país
É que se diz:
Só neste país
Só neste país
Só neste país
Só neste país
Só neste país

São muitos séculos em morna ebulição
A transitar entre o granizo e a combustão
E um qualquer hino
P'ra qualquer situação
A pessimista, a optimista...
E vai abaixo e vai acima
E vai abaixo, e vai acima
(e agora a rima):

Portugal é nosso p'ro bem e p'ro mal

E o mal que está bem
E o bem que está mal
E o bem que está bem

Juro
P'lo fado
P'lo baile e p'lo kuduro
Que este país 'inda tem futuro
É verde e maduro
Como a fruta, às vezes brota
Às vezes, consternação
Secou no chão

Por isso unamo-nos
Nós somos os famosos anónimos
Mesmo assim já cumprimos os mínimos
Somos todos únicos
Que mais vão querer de nós
Para provar
Quem vai à frente
Ou fica atrás...

(Só neste país...)

Só neste país
É que se diz:
Só neste país
Só neste país
Só neste país
Só neste país
Só neste país

(...)

15 dezembro, 2006

Dossier Guitarra Portuguesa - 1º Fascículo


Um dos trabalhos que mais prazer me deu fazer durante os meus muitos anos de BLITZ foi este dossier sobre a Guitarra Portuguesa, em finais de 2004. Ao longo destas semanas, e espaçadamente (para não cansar e porque há outras coisas para falar), aqui vão ficar entrevistas com guitarristas da nova geração e um construtor de guitarras que com ele transporta o saber de gerações, uma possível História da Guitarra Portuguesa, uma discografia básica, etc... Fiz este trabalho com muito amor. Leiam-no também assim, por favor.


GUITARRA PORTUGUESA
A INCLINADA GERAÇÃO

Ricardo Rocha. Paulo Soares. Marta Costa. Luís Varatojo (na foto - de Mário Pires, da Retorta). Nuno Rebelo. Cada um à sua maneira, todos eles se apaixonaram pela guitarra portuguesa. São uma nova geração de músicos que, pegando na tradição, dela se aproximam ou afastam consoante os gostos e personalidades e intenções próprias. O BLITZ falou com eles.

O que leva as pessoas a interessar-se por um instrumento difícil de tocar e raramente procurado pelos mais novos, mais interessados em guitarras eléctricas ou baterias, djembés ou «laptops»?... Cada caso é um caso, mas a verdade é que, como refere Paulo Soares, intérprete de guitarra de Coimbra, compositor, professor de guitarra portuguesa e autor de um manual («Método de Guitarra Portuguesa») dedicado ao ensino do instrumento, «o interesse na guitarra portuguesa está a crescer bastante entre os jovens. E o que é curioso é que em Coimbra quase ninguém se interessa pela guitarra de Lisboa, mas em Lisboa há muita gente interessada na guitarra de Coimbra, nomeadamente no Museu do Fado, onde na escola, 50 por cento dos pedidos de aprendizagem têm a ver com a música de Carlos Paredes, ou seja, com a guitarra de Coimbra. Mas há aprendizes dos dois géneros em todo o país». Paulo começou a tocar guitarra portuguesa na Tuna Académica da Universidade de Coimbra, em 1983, quando tinha 16 anos, e porque havia um grupo de fados: «Aprendi essencialmente como autodidacta, apesar de ter procurado mestres. Desses mestres, os mais importantes foram Jorge Gomes - pela forma como me apresentou a guitarra e me motivou - e Octávio Sérgio, que foi o último guitarrista a acompanhar o José Afonso. Mas também estudei e tenho estudado, através da audição e da observação dos mais diversos guitarristas, toda a obra da guitarra de Coimbra, apesar de não enjeitar estudar outras obras, mormente a de Pedro Caldeira Cabral e a guitarra de Lisboa. Mas o meu maior interesse é mesmo a guitarra de Coimbra, onde incluo a obra dos Paredes todos - Gonçalo, Artur e Carlos».

Dos outros, todos oriundos de Lisboa, Ricardo Rocha - um dos pouquíssimos novos intérpretes de guitarra portuguesa a fazer recitais a solo baseados nas suas próprias composições; autor do álbum «Voluptuária» -, chega à guitarra por influência familiar, tendo aprendido com o avô, Fontes Rocha: «Não aprendi numa escola, porque não havia essa escola. Nos conservatórios havia e há disciplinas de guitarra clássica e violoncelo, por exemplo, mas não de guitarra portuguesa. Uma pessoa para aprender tem que ter um interesse natural. É um tipo de aprendizagem que muitas vezes acontece de geração em geração». Marta Costa (um raríssimo exemplo de intérprete de guitarra portuguesa no feminino, que costuma tocar em espectáculos de Mário Pacheco e no Clube do Fado, onde acompanha fadistas como Joana Amendoeira, Ana Sofia Varela, Rodrigo Costa Félix, José da Câmara, Maria da Nazaré ou Alcindo Carvalho) também começa a tocar por influência familiar, se bem que aqui indirecta: «De inicio não gostava de fado nem conhecia a guitarra portuguesa. Desde os cinco anos que toco piano, mas o meu pai, que adora fado, convenceu-me a tocar guitarra portuguesa. Comecei a aprender com o Carlos Gonçalves, que foi guitarrista da Amália, há cinco anos, e comecei a descobrir o instrumento e a entusiasmar-me. Depois mostrei a minha evolução ao guitarrista Mário Pacheco, do Clube do Fado, e ele achou piada - nos últimos anos tenho estudado com ele».

QUANDO O ROCK
E A MÚSICA IMPROVISADA VÃO À GUITARRA PORTUGUESA

Com uma abordagem diferente da guitarra, menos purista e mais longe da tradição, estão dois nomes saídos do rock - Luís Varatojo (ex-Peste & Sida e Despe e Siga; que agora toca guitarra portuguesa n'A Naifa) e Nuno Rebelo (que foi dos Street Kids e dos Mler Ife Dada antes de enveredar pela nova música improvisada e por uma aventura chamada As Guitarras Portuguesas Mutantes!!!). Varatojo começou a tocar guitarra portuguesa «há dois anos e pouco. E por dois motivos: um, a curiosidade, e outro, eu e o João (Aguardela) andávamos a discutir umas ideias em relação à Naifa e pareceu-me apropriado pegar na guitarra portuguesa para desenvolver este projecto», sendo essencialmente autodidacta: «Fiz uma tentativa de aprender com um mestre, conforme o método clássico, mas as aulas eram demasiado caras. E optei por averiguar e apanhar por aí alguns manuais, que são raros. O Museu do Fado e da Guitarra Portuguesa disponibilizou-me fotocópias de um manual dos anos 50...». Mas a escola do rock e da pop ainda está lá: «A minha forma de tocar guitarra acaba por ser um misto da técnica mais clássica - porque faço os acordes e as posições dos dedos de acordo com essa linha - e o trabalho que tinha feito para trás com a guitarra eléctrica. Mas ainda tenho muito a desbravar...».

Ainda mais longe do convencional está Nuno Rebelo, que se meteu na aventura de transformar o próprio instrumento: «A exploração que eu andava a levar a cabo (e que continuo a desenvolver) na guitarra eléctrica integra-se, à escala internacional, num universo constituído por imensos guitarristas, cada qual com a sua linguagem e abordagem, ou seja, somos todos um entre muitos. Quis aplicar essa abordagem do instrumento à guitarra portuguesa, com a certeza de que seria um dos poucos senão o único a transfigurar este instrumento. Mas também confesso que me moveu o facto de estar a subverter um ícone da nação com uma carga de memória ligada ao passado, à tradição, à saudade. Quis pôr a guitarra portuguesa a olhar para o futuro». Nuno Rebelo chamou à sua aventura As Guitarras Portuguesas Mutantes!!!: «Fiz as primeiras experiências e os primeiros concertos, a solo, em 1993 [ver CD "Way Out, New Music from Portugal – Vol 1", editado pela Ananana; o tema "Pink Pong" foi gravado num concerto solo de guitarra portuguesa mutante em 93]. O projecto As Guitarras Portuguesas Mutantes!!! aparece mais tarde, em 1998», no âmbito da Expo'98.

Questionado sobre a reacção de outros guitarristas às suas «invenções», Rebelo diz: «Os dois guitarristas que trabalharam comigo neste projecto foram o Júlio Pereira e o Ricardo Rocha. Ambos se dedicaram ao projecto com ânimo e abertura de espírito e penso que terá sido uma boa experiência para eles. O papel que lhes coube foi o de fazer a ponte entre a linguagem e técnicas da guitarra portuguesa tradicional e a "nova música" que eu pretendia fazer, ou seja, tocando em harmonias pouco usuais no repertório deste instrumento. Neste aspecto o cunho pessoal do Ricardo Rocha foi uma grande contribuição. Quanto ao Júlio Pereira, não sendo um especialista da guitarra portuguesa mas antes de outros cordofones nacionais, teve um papel mais discreto, mas igualmente importante, de contraponto à guitarra do Ricardo Rocha». Os restantes músicos do projecto «eram todos bateristas, os Tim Tim Por Tim Tum – Marco Franco, José Salgueiro, Alexandre Frazão e Acácio Salero. Cada um dispunha de duas guitarras portuguesas mutantes, colocadas na horizontal. Estas eram tocadas simultaneamente com baquetas, arcos de violino ou simplesmente com as mãos, numa abordagem percussionística».

14 dezembro, 2006

Cromos Raízes e Antenas VII



Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo VII.1 - Manu Chao


Cantor, músico, produtor, o francês Manu Chao é um dos «padrinhos» mais importantes da chamada world music, não apenas pelo seu trabalho em nome próprio, mas também através de grupos e artistas que produziu, como Amadou & Mariam ou Akli D., ou que apadrinhou, como os Ojos de Brujo. Nascido em Paris, a 21 de Junho de 1961, Jose-Manuel Thomas Arthur Chao, filho de mãe basca e pai galego, passou por vários grupos rock, chegando à fama internacional como vocalista dos Mano Negra (aos quais pertenceu entre 1987 e 1994). Depois da separação do grupo viajou pela América do Sul e por África, onde bebeu muita da inspiração para os seus trabalhos a solo, como o seminal «Clandestino» e os mais recentes «Proxima Estacion Esperanza», «Radio Bemba Sound System» (ao vivo), o livro-CD «Sibérie m'était contée» e «La Radiolina». O seu envolvimento em causas sociais e políticas (os «sem-papéis», imigrantes clandestinos na Europa, têm nele um dos seus principais defensores) contribuiu, juntamente com a sua música, para um culto alargado em todo o mundo.


Cromo VII.2 - Ewan MacColl


O cantor inglês de ascendência escocesa Ewan MacColl (aqui em foto com a sua companheira Peggy Seeger) nasceu a 25 de Janeiro de 1915 e morreu a 22 de Outubro de 1989. De seu verdadeiro nome James Miller, Ewan tornou-se primeiramente conhecido pelo seu trabalho como actor e como activista político, antes de se tornar um dos mais importantes cantores e compositores da folk britânica do séc. XX. Com uma carreira envolta em variadíssimos problemas - perseguido pelo MI5 (a polícia secreta inglesa; com canções proibidas na BBC; desertor do exército britânico; censurado publicamente por ter abandonado a mulher para se ligar à cantora e guitarrista norte-americana Peggy Seeger (irmã dos cantores de protesto Pete e Mike Seeger), muitos anos mais nova, que com ele gravaria muitas vezes -, isso não o impediu de com a sua voz iluminar canções fabulosas como «The Manchester Rambler», «The First Time Ever I Saw Your Face» ou... «Dirty Old Town», que décadas depois ficaria mundialmente conhecida através de uma brilhante versão assinada pelos Pogues.


Cromo VII.3 - Rokia Traoré


A cantora maliana Rokia Traoré (nascida a 24 de Janeiro de 1974) é um dos maiores ícones da música da África Ocidental e de como essa música está também aberta a outras influências. Rokia, que pertence à etnia bambara, viajou com o pai, diplomata, por vários países antes de voltar ao Mali, onde foi apadrinhada por Ali Farka Touré. E o facto de Rokia também tocar guitarra, para além de cantar, não será estranho a essa ligação. O seu primeiro álbum, «Mouneissa», foi lançado em 1999, e nele estabeleceu desde logo uma sonoridade bastante própria onde cruzava elementos de música de várias etnias malianas e géneros norte-americanos. Seguiram-se «Wanita» (2000), «Bowmboi» (2003), em que tinha como músicos convidados... o Kronos Quartet, e «Tchamantché» (2008). O reconhecimento do seu talento como cantora e compositora teve, talvez, a sua expressão máxima quando foi convidada para participar nas comemorações do 250º aniversário do nascimento de Mozart, em Viena, num espectáculo conjunto com o Klangforum Wien.

Cromo VII.4 - Tablas


As tablas são o instrumento de percussão mais importante da música indiana (principalmente do norte da Índia) e paquistanesa, sendo bastante importantes tanto na música popular como na música clássica. Riquíssimas em timbres e em soluções rítmicas, as tablas são também - de acordo com vários percussionistas ocidentais - um dos instrumentos de percussão de mais difícil aprendizagem. Os dois «tambores» que constituem as tablas descendem de instrumentos mais antigos - mrdangm e puskara -, conhecendo-se registos escritos acerca das tablas «modernas» desde o séc. XVIII. Desde os anos 60 do séc. XX, as tablas começaram também a ser ouvidas na música ocidental, nomeadamente em discos dos Beatles, Miles Davis ou Bill Laswell. Alguns dos mais importantes intérpretes de tablas são Samir Chatterjee, Trilok Gurtu, Zakir Hussain, Pandit Shankar Gosh e Ustad Haji Shamshuddin Khan, que se apresentam a solo ou acompanhando formações de música indiana/paquistanesa e grupos ocidentais de jazz, rock ou música erudita.

13 dezembro, 2006

Rachid Taha, Akli D. e Cheb i Sabbah - Três Argelinos na Diáspora


Há alguns anos, Rachid Taha disse-me em entrevista (encontrável algures neste blog...) que «o meu país é a minha música... e a minha música é o meu país», frase mais que natural saída de um cantor, músico e compositor que se sente mais à vontade num território mítico em que não há fronteiras nem «papéis», a música, do que entre dois países, no caso dele, a Argélia e a França. Festejando o lançamento do seu novo álbum «Diwan 2», aqui deixo também textos acerca de discos recentes de Akli D. (na foto) e Cheb i Sabbah, dois outros argelinos que há muitos anos também emigraram para França.


RACHID TAHA
«DIWAN 2»
Wrasse Records/Universal Music

«Diwan 2» é a continuação lógica, oito anos depois, de «Diwan», álbum em que Rachid Taha homenageava muitos dos músicos e cantores que ouvia na sua infância. Em «Diwan 2» o tributo continua - há aqui versões de temas de Mohamed Mazouni, Missoum Abdlillah/Blaoui Houari, Ahmed Wabhy e Dahmane El Harrachi, entre outros - mas com uma qualidade e uma inventividade muito maiores do que no primeiro álbum do «díptico Diwan». Em «Diwan 2» podemos ouvir rai misturado com reggae, rock com gnawa, música mandinga (anda uma kora à solta em «Agatha», original de Francis Bebey), punk com música egípcia, e por aí fora, numa festa pegada, variadíssima (não há um único tema que se assemelhe a outro, neste álbum...), que nos agarra do princípio ao fim do álbum. Menos rock e pesado do que «Tékitoi», o seu fabuloso álbum anterior, e quase não recorrendo a electrónicas, «Diwan 2» continua no entanto a conter temas que podem assaltar facilmente os ouvidos mais «ocidentalizados» (como «Josephine» ou «Ah Mon Amour», os dois originais de Taha incluídos no álbum, o primeiro também co-assinado por Steve Hillage, companheiro de Taha há muitos anos). Mas, paradoxalmente, é quando ele se aproxima mais da tradição - mesmo que uma tradição misturada com outros elementos - como em «Ecoute Moi Camarade», «Agatha», «Mataouel Dellil» ou «Maydoum», que se consegue começar a imaginar qualquer coisa muito estranha que é: «e se o rock tivesse nascido em Alger e não em... Memphis»?... Isso é que era!! (9/10)


AKLI D.
«MA YELA»
Because Music

Também a habitar em França desde há muitos anos, Akli D. (Akli Dehlis) é muito menos conhecido do que Rachid Taha, mas está agora a mergulhar definitivamente no circuito da chamada world music (e a sua presença na última WOMEX é disso prova). Originário da região da Kabilia, no norte da Argélia, Akli D. cresceu a ouvir a riquíssima música da sua região (já falada neste blog), rock norte-americano e francês, reggae e m'balax. Akli D. chega a França no início dos anos 80, por alturas da revolta dos berberes na Kabilia, onde começa por tocar nas ruas e no metro, acompanhado pelo seu banjo (!). Muitos anos depois fará parte dos grupos El Djazira e Les Rebeuhs des Bois, antes de começar a editar a solo. Para o seu novo álbum, «Ma Yela», Akli D. contou com a ajuda preciosa de Manu Chao, que o produziu e nele introduziu algumas das suas marcas habituais (cf. em «DDA Mokrane»). Um álbum em que se ouve uma deliciosa mistura de música châabi da Kabilia - e outros géneros berberes -, folk norte-americana, reggae e blues, jazz manouche e afro-beat... Com letras de intervenção - Akli D. fala de imigrantes ilegais e dos direitos das mulheres muçulmanas -, mas também com letras em que o amor, a paz e a harmonia são o mote principal, «Ma Yela» é mais um luminoso álbum em que muitos e variados géneros se encontram para criar uma música nova e em que já não faz sentido falar de géneros específicos. (8/10)


CHEB I SABBAH
«LA KAHENA»
Six Degrees Records

Igualmente argelino, o respeitadíssimo músico, compositor e DJ Cheb i Sabbah tem uma já longa carreira na mistura de ritmos de dança ocidentais com música do Norte de África, música sufi e música indiana. Tendo também deixado a Argélia natal em direcção a França ha dezenas de anos, Cheb i Sabbah trabalhou com o Living Theatre, com o trompetista de jazz Don Cherry e com o grande cantor paquistanês Nusrat Fateh Ali Khan, antes de saltar para a ribalta com os seus álbuns «Shri Durga» (1999), «MahaMaya - Shri Durga ReMixed» (2000), «Krishna Lila» (2002) e «As Far As» (2003). Há um ano editou este «La Kahena - Les Voix du Maghreb» (já saiu, entretanto, o álbum de remisturas baseado neste disco, «La Ghriba»). Para «La Kahena», Cheb i Sabbah foi para Marrocos gravar com cantores (principalmente, cantoras) e músicos locais, em busca das raízes da sua música. E o resultado é um disco espantoso de ritmo e harmonia, de transe e elegância, de raiz e de modernidade, em que a música árabe, berbere, gnawa e até orações, se fundem naturalmente com drum'n'bass, dub, beats hip-hop... Para além de Cheb i Sabbah e da «crew» marroquina, também outros músicos bastante conhecidos participam em «La Kahena», como Bill Laswell, Richard Horowitz e dois «irmãos» de Cheb nestes cruzamentos das electrónicas com as suas músicas tradicionais: o turco Mercan Dede e o indiano Karsh Kale. Um cruzamento que, no caso destes três - e daí a irmandade - é sempre feito com um respeito e uma paixão enorme pela tradição, por muitos outros elementos que a sua música contenha. (8/10)

12 dezembro, 2006

Pinochet Morreu. Victor Jara Está Vivo.


Não festejo a morte de ninguém, por muito filho-da-puta, ditador, assassino, torturador, torcionário, que esse alguém tenha sido. Não festejo, porque a festa é reservada à vida e não à morte. Mas concordo em absoluto com um antigo, e amado, professor meu, quando ele dizia: «Esses gajos, quando morrem, são bons é para dar de comer aos corvos». O ditador chileno Pinochet morreu. Demasiados anos depois de muitas das suas vítimas; não os suficientes para ter sido julgado pelos seus crimes em vida. Mas uma coisa é certa: ele está morto, deixando apenas memórias de sangue, morte, traição, miséria, perseguição, enquanto muitas das pessoas que ele mandou matar continuam a viver na nossa memória... Como o enorme Victor Jara, a quem os esbirros de Pinochet partiram os dedos com que tocava guitarra («Vamos, vê lá se consegues tocar agora»), antes de o assassinar. Victor Jara, de quem recordo aqui a canção que continua a dar-me mil arrepios na espinha quando a oiço (na sua voz, na voz de Mercedes Sosa, na voz de Joan Baez ou na versão fabulosa de Robert Wyatt). É que a arte vive sempre, sempre!, para muito além de quem a quer domar.

«TE RECUERDO AMANDA»
VICTOR JARA

Te recuerdo Amanda
la calle mojada
corriendo a la fabrica donde trabajaba Manuel

La sonrisa ancha, la lluvia en el pelo,
no importaba nada
ibas a encontrarte con el,
con el, con el, con el, con el

Son cinco minutos
la vida es eterna,
en cinco minutos

Suena la sirena,
de vuelta al trabajo
y tu caminando lo iluminas todo
los cinco minutos
te hacen florecer

Te recuerdo Amanda
la calle mojada
corriendo a la fabrica
donde trabajaba Manuel

La sonrisa ancha
la lluvia en el pelo
no importaba nada,
ibas a encontrarte con el,
con el, con el, con el, con el

Que parti a la sierra
que nunca hizo dao,
que parti a la sierra
y en cinco minutos,
qued destrozado

Suenan las sirenas
de vuelta al trabajo
muchos no volvieron
tampoco Manuel

Te recuerdo Amanda,
la calle mojada
corriendo a la fabrica,
donde trabajaba Manuel.

WOK - Ritmos Avassaladores no Trindade


Esta notícia está há alguns dias literalmente congelada no meu laptop (eufemismo que significa «portátil baratucho que anda em bolandas de um lado para o outro, de festival em festival, e que cracha - anglicismo! - volta-não-volta, por-dá-cá-aquela-palha, por causa do calor, do vento ou do frio; e, caramba, que frio estava no Porto!!!»), mas esta - ao contrário de outras que perderam actualidade (como a dos concertos dos espanhóis Rarefolk em Faro) - ainda vai mais ou menos a tempo:

O projecto WOK apresenta desde dia 7 e até dia 17 de Dezembro, no Teatro da Trindade, em Lisboa, o seu espectáculo «WOK - Ritmo Avassalador», em que percussões várias se encontram com coreografias cuidadas e vestimentas coloridas, na senda de uns Stomp, Tap Dogs ou de alguns espectáculos da Batsheva Dance Company. Nascidos no seio da escola/orquestra Tocá Rufar - dirigida por Rui Júnior (WOK é outra maneira de dizer O Ó Que... Som Tem?, projecto veterano do seu mestre) -, os WOK são uma trupe de rapazes e raparigas que espantam quem os vê com um domínio exemplar de inúmeros instrumentos de percussão, uma forte presença teatral e uma ligação profunda às raízes tradicionais portuguesas: nos seus espectáculos são utilizados tambores tradicionais portugueses (mesmo que, por vezes, percutidos à maneira dos tambores taiko japoneses) e alusões a temas populares como o jogo-do-pau. Mais informações aqui.

11 dezembro, 2006

O Etnias É Um Festival Tão Bonito!


Montes de gente, boa música em todo o lado, uma festa pegada, sorrisos que nunca mais acabam e uma simpatia imensa... A quarta edição do Festival Etnias terminou na madrugada de sábado para domingo depois de excelentes concertos e sempre, em todos os momentos, com muita coisa para ver, ouvir e contar. Alguns desses momentos, já a seguir...

Momento 1: Osga, anfitrião como há poucos, dá as boas-vindas com o seu didgeridoo a servir de tapete voador aos delírios vocais de Beat, puto de Braga com escola hip-hop que usa as suas cordas vocais (vocal beat box ou, se se quiser, caixa-de-ritmos vocal que tem ecos distantes no scat do jazz ou no canto konokol indiano) para disparar mil sons, mil músicas - do tema da «Floribela» ao «Seven Nation Army» dos White Stripes -, mil ritmos, scratch e estalinhos de língua. Um espanto! A seguir, os fabulosos 3ple-D (na foto) incendiaram o Contagiarte com uma festa pegada de didgeridoos e percussões (com destaque para um estranhíssimo instrumento, o hang, que está entre as steel-drums de Trinidad e Tobago e uma... cataplana). Magia, transe, drones infinitos, ritmo e movimento... Para, logo a seguir, Osga pôr toda a gente aos saltos com uma das suas já míticas DJ-folk-sessions, mais parecendo o chão do Contagiarte uma cama-elástica (literalmente!). Eram quase seis da manhã quando saí de lá, cansado mas feliz...

Momento 2: Início de festa com uma estupenda banda que é necessário conhecer com urgência: os Comcordas, três rapazes de Alcains, em guitarra-ritmo, guitarra-solo e guitarra-baixo, todas acústicas, a viajarem pelo reportório de Django Reinhardt, mas com marcas pessoalíssimas: pequenas invenções deliciosas, uma pulsão funk por vezes, um «approach» quase rock outras, e sempre com um swing raro em músicos portugueses... Disco com eles já! A seguir, não vi os Terrae... O Osga - malandro! - pediu-me para pôr música no rés-do-chão e eu lá estive a fazer de DJ para algumas pessoas que dançaram quando passei temas mais folk mas que ficaram muito quietinhas quando aquilo era mais árabe ou africano ou cubano. Mas dessa hora e meia atrás dos pratos guardo um momento especial: o espanto com que foi recebido o «Clocks» dos Coldplay em ritmo salsa. Depois, os Roncos do Diabo estiveram, mais uma vez, magníficos, afinadíssimos, com uma misteriosa pulsão ancestral (terão mesmo feito um pacto faustiano qualquer?) a puxá-los para o interior da Terra. Ah, gaitas do Demo!!! E, ahhh!!!!, percussionista dos Infernos!!!... A festa terminou no rés-do-chão com os Roncos em alegre jam-session com outros músicos em gaitas aladas e tambores em chamas e com a muito boa folk escolhida pelo camarada Luís Rei que pôs toda a gente a dançar. Eram quase seis da manhã quando saí de lá, mais cansado mas ainda mais feliz...

Momento 3: Na ultima noite saí do Contagiarte à uma e meia da manhã - derreado de cansaço mas estupidamente feliz - depois de ter visto parte do espectáculo dos Djamboonda e das suas bailarinas. Bailarinas que dançam fabulosamente bem e comunicam facilmente com o público; e muito bons músicos: dois deles em djembés e outros dois em tambores vários, baterias artesanais, tudo a disparar ritmos africanos, ancestrais, pulsantes de calor e cor e uma estranha harmonia que parece habitar aquele espaço do Porto quando o Etnias acontece. Uma harmonia também visível nos vídeos bem escolhidos que ocuparam a sala chill-out durante estes dias, vídeos em que árabes e espanhóis, indianos e africanos, tocam todos uns com os outros; vídeos em que danças de distantes lugares do mundo se assemelham tanto entre si que o arrepio só não acontece a quem é completamente insensível... E uma harmonia que se sente entre toda a equipa do Contagiarte, uma fabulosa equipa a quem agradeço a hospitalidade com que me receberam. Um grande Obrigado ao Osga e à Rute, à Ana e ao Rui, às senhoras da cozinha (ai, as sopas!!!, ai as tripas com cominhos, canela e pimenta!!!) e ao Thomas (ai, a sopa de peixe!!!)... Era uma e meia da manhã, dizia, e o Luís Rei e eu fizemo-nos à estrada a caminho de Lisboa e a espantar o sono inventando letras alternativas para temas folk-tecno balcânicos...

07 dezembro, 2006

Afel Bocoum e Vieux Farka Touré - O Legado de Ali


Ali Farka Touré morreu, mas o seu espírito, o sopro mágico da sua arte, vive - mais ou menos presente - na música de muita gente. Na música de bluesmen do outro lado do Atlântico como Corey Harris ou na dos portugueses Terrakota, nos franceses Lo'Jo, nos norte-americanos Toubab Krewe ou nos malianos, seus conterrâneos apesar de etnia diferente, Tinariwen. E, claro, na música do seu protegido Afel Bocoum (na foto) e do seu filho Vieux Farka Touré, que edita agora o seu álbum de estreia.


AFEL BOCOUM & ALKIBAR
«NIGER»
Contre-Jour Belgium

Afel Bocoum não é nenhum jovem. Nasceu em 1955, em Niafunké, e integrou durante mais de dez anos a banda acompanhante do seu tio Ali Farka Touré - depois de ter sido seu roadie e, como ele diz em entrevistas, «lhe ter servido o chá» -, que o «adoptou» como discípulo dilecto. Tirou depois o curso de engenheiro agrónomo e dedicou-se durante bastante tempo à agricultura. Nos anos 80 formou o grupo Alkibar mas o seu primeiro álbum, exactamente intitulado «Alkibar», foi apenas lançado em 1999, já ele tinha ultrapassado os 40 anos de idade. Muitos fãs de pop e rock tomaram contacto com o seu nome através de «Mali Music», álbum gravado a meias com Damon Albarn, dos Blur. E «Niger», o álbum editado este ano por Bocoum, é mais um passo seguríssimo de uma carreira feita à sombra de Ali Farka, sim - no recente concerto da Womex, Afel apareceu de óculos e chapéu preto como o seu mentor -, mas que o confirma como um compositor talentoso e igualmente exímio no cruzamento da música tradicional da África Ocidental com os blues. O primeiro tema do álbum, «Ali Farka», é um lamento, uma despedida, que fala do seu melhor amigo, Ali Farka Touré, já doente e, na estrofe seguinte, já morto mas ainda presente. É uma despedida arrepiante, comovente, belíssima. E no resto do álbum, esse espírito inicialmente invocado perpassa todas as canções. Canções cantadas por Afel em sonrai, peul e tamasheq (dos tuaregues) - três das mais importantes línguas do Mali, unindo assim várias das suas etnias, também à semelhança do que fazia Ali Farka. Canções em que se ouvem, bem presentes, njarkas e njurkels - em diálogo permanente com a guitarra de Bocoum -, a cabaça percutida e os djembés. Por vezes, coros femininos e masculinos. E, em «Niger», o tema-título, uma surpresa: flauta e harpa céltica, respectivamente nas mãos de Paddy Keenan (da Bothy Band) e Liam O'Maonlai (dos Hothouse Flowers), para além da guitarra de Habib Koité. Ouve-se tão bem, este álbum! (8/10)


VIEUX FARKA TOURÉ
«VIEUX FARKA TOURÉ»
Modiba Productions/World Village

Se no novo álbum de Afel Bocoum não há lugar para a electricidade, já no álbum de estreia de Vieux Farka Touré - assim chamado em honra do seu avô, o pai de Ali Farka (o verdadeiro nome de Vieux Farka Touré é Bouriema Touré) - a electricidade jorra muitas vezes... mas isso não é um problema, bem antes pelo contrário. O álbum é surpreendentemente bom e o pai de Vieux está lá bem presente, no espírito de muitas canções mas também em «matéria», com Ali Farka a colaborar com o filho, e finalmente a dar-lhe a sua bênção, em duas canções - «Tabara» e «Diallo». Assim como o estão o «padrinho» Toumani Diabaté, que toca kora em «Touré de Niafunké» e «Diabaté» (dois temas lindíssimos!!!), e o espantoso cantor Issa Bamba, em «Courage». E não se pense que o disco de Vieux é uma cópia a papel-químico do trabalho do seu pai. Não! O álbum é uma festa de géneros e ritmos diferentes, de temas acústicos e outros mais eléctricos, do Mali e não só. Nele estão a música dos povos sonrai, peul, tuaregue e mandinga e também reggae (cf. em «Ana»), uma pulsão rock rara e ecos de soul, funk e, claro, blues. No álbum ouvem-se koras, njarkas, ngonis, talking-drum, cabaças e djembés, mas também guitarras eléctricas, baixos eléctricos, um órgão, um cravo (!), flauta, uma secção de metais... A história de Vieux é curiosa (mesmo pensando que muitas vezes as biografias dos artistas e grupos é muitas vezes romanceada): o pai tentou que ele não seguisse a carreira musical - chegou mesmo a proibí-lo de o fazer - e foi Toumani Diabaté que integrou Vieux na sua banda há alguns anos e convenceu Ali Farka a aceitar o «destino» do filho. Vieux tocou depois com o pai e, no interim, colaborou (e colabora) com a campanha da UNICEF «Fight Malaria», que pretende erradicar a malária do continente africano (dez por cento das vendas deste álbum revertem para a organização maliana Bée Sago, associada da UNICEF nessa luta). (8/10)

06 dezembro, 2006

Cromos Raízes e Antenas VI



Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo VI.1 - Lee «Scratch» Perry


Lee «Scratch» Perry (nascido a 20 de Março de 1936, em Kendal, Jamaica) é um dos nomes mais importantes da música jamaicana, estando o seu nome associado a estilos como o ska, o reggae e o o dub. Com uma profícua carreira iniciada nos anos 50, funda a sua própria editora em 1968, a Upsetter, que também daria nome à sua banda acompanhante, The Upsetters. E o seu primeiro single editado através desta etiqueta, «People Funny Boy» é por muita gente considerado como o primeiro tema verdadeiramente reggae, para além de ter ficado para a história da música por conter um dos primeiros exemplos de samples (o choro de uma criança). No seu estúdio, o lendário The Black Ark, lançou as fundações daquilo que viria a ser a arte do dub. E produziu discos de Bob Marley & the Wailers, Max Romeo, Junior Byles e The Heptones, entre outros. Mais recentemente colaborou com Adrian Sherwood, Beastie Boys e Mad Professor. Boa porta de entrada na sua música: a magnífica caixa «Arkology».


Cromo VI.2 - Berrogüetto


Os Berrogüetto - cujos fundadores tinham pertencido, na sua maior parte, aos seminais Matto Congrio - são um dos exemplos mais originais da música feita pelos nossos irmãos galegos. Editaram o seu álbum de estreia, «Navicularia», em 1996 e rapidamente se impuseram como uma voz própria e poderosa na cena musical da Galiza, misturando na sua música elementos tradicionais, sim, mas muitas outras linguagens sonoras. Logo a seguir à saída do seu primeiro álbum iniciaram um périplo internacional que os trouxe a Portugal e também os levou à Alemanha, França e Reino Unido. Três outros excelentes álbuns se seguiram, «Viaxe por Urticaria», «Hepta» (este baseado num conceito à volta do número sete: sete é o número de músicos do grupo, sete são as notas musicais, sete são as cores do arco-íris...) e «10.0». Os Berrogüetto são Anxo Pintos, Guillermo Fernandez, Quico Comesaña, Santiago Cribeiro, Isaac Palacín, Quim Farinha e Xabier Díaz, tendo a sua emblemática vocalista e gaiteira Guadi Galego deixado a banda em 2008.


Cromo VI.3 - Pã


O deus grego Pã é uma das primeiras divindades europeias directamente associadas à música. Semi-homem semi-carneiro (tem deste animal os cornos, as orelhas e as pernas), Pã é o deus protector dos pastores e dos rebanhos, mas é também muitas vezes apresentado como um ser vingativo, violento e um predador sexual - muitas das suas representações mostram-no com o falo erecto. Filho de Zeus (noutras fontes, de Hermes ou de Cronos) e de uma ninfa, Pã conseguia, com a sua música, provocar sensações de calma, medo ou desejo sexual. A sua flauta - hoje conhecida como Flauta de Pã - tem, segundo a lenda, origem na tentativa falhada de sedução de uma ninfa, Siringe, que para se lhe escapar se transformou num canavial. Dessas canas - nas quais o vento provocava um som terno e triste -, Pã faria o seu instrumento musical. Ficou famoso um duelo entre a flauta tocada por Pã e a lira de Apolo, que a lira viria a ganhar (numa das versões desta lenda, a lira ganhou porque ambos os tocadores estavam de cabeça para baixo e é impossível tirar som da flauta de Pã nessa posição).


Cromo VI.4 - Laïs


As Laïs são três espantosas cantoras flamengas (originárias de Kalmthout) que iniciaram a sua carreira discográfica em 1998, rejuvenescendo velhas canções folk belgas com a adição de sonoridades sacadas ao norte da Europa (nomeadamente a Bulgária), à chamada música celta, ao rock e às electrónicas. Constituídas por Jorunn Bauweraerts, Annelies Brosens e Nathalie Delcroix - esta formação manteve-se estável ao longo de toda a sua carreira -, as Laïs têm entre os seus fãs gente graúda como Emmylou Harris, Sting e Daniel Lanois. O seu álbum de 2008, «Documenta», editado este ano, é um triplo que inclui um CD ao vivo, outro com interpretações à capella e outro com as Laïs a serem acompanhadas por outros músicos e pode ser um bom cartão-de-visita do grupo para quem não as conhece. Mas outros discos como os anteriores «Dorothea» (2000), «Douce Victime» (2004) e os posteriores «The Ladies' Second Song» (2007) e «Laïs Lenski» (2009) são também bastante aconselháveis.