28 dezembro, 2007

Rabih Abou-Khalil, Mari Boine, Balanescu Quartet... - Os Primeiros Concertos de 2008


O ano de 2008 promete muitos e bons concertos, muitos e ainda melhores festivais. O 10º aniversário do FMM de Sines - que decorre de 17 a 26 de Julho e para o qual está já confirmada a presença dos congoleses Kasai Allstars -, o crescimento sustentado de outros festivais como o MED de Loulé ou o Intercéltico de Sendim, só para referir alguns dos mais óbvios, são garantias de doze meses de programação variada e rica de surpresas nestas «áreas» da world music, da folk e das músicas tradicionais. Mas, para já - e fazendo uso de informações já disponibilizadas pelas Crónicas da Terra -, para os primeiros meses do ano novo estão previstos concertos com o mestre do alaúde libanês Rabih Abou-Khalil (na foto), dia 18 de Janeiro no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, e um dia depois, na Culturgest, em Lisboa; com a fabulosa cantora norueguesa Mari Boine (ver «Cromo» de há alguns dias neste blog), dia 15 de Fevereiro no Teatro Municipal da Guarda e um dia depois na Culturgest, em Lisboa; com o ecléctico quarteto de cordas Balanescu Quartet, também em Fevereiro, dia 7 no Centro Cultural de Belém, dia 8 no Theatro-Circo de Braga e dia 9 no Cine-Teatro de Alcobaça; e com o multi-instrumentista norueguês Karl Seglem, dia 15 de Maio, na Casa da Música, Porto. Lá mais para a frente, a Casa da Música recebe também a visita de outro colectivo congolês, os Konono Nº1, dia 29 de Junho, durante o Festival Mestiço, colectivo que se apresenta também em Lisboa, no Centro Cultural de Belém, dia 1 de Agosto.

26 dezembro, 2007

Crew Hassan - Dub, World, Trance, Reggae... Passagem d'Ano em Lisboa


Já há por aqui uma outra sugestão de passagem d'ano, em Coimbra, com bailes tradicionais e folk europeia... mas, para Lisboa, a sugestão é completamente diferente: a valorosa Crew Hassan propõe, para o réveillon da capital, uma enorme festa na Fábrica Braço de Prata (ao Poço do Bispo), em que as sonoridades próximas ou apenas vagamente distantes do techno minimal, do dub, do drum'n'bass, da world music (em inesperados cruzamentos), do reggae, do disco-sound e do funk, do ska, do afro-beat, da música dos Balcãs, do trance progressivo e psicadélico, se cruzam em universos infinitos (e paralelos). Lump, Trash Converters, Señor Pelota, Ballet Mecânico, Kaeser, DJ 2old4school, Bob Figurante & Sista Pat feat. Ras DaMula, Different Style Soundsystem, Riddim & Culture Soundsystem, Jahwise (and Guests), Lady G & Dr. Bastard, Weedub, Fido, Mental FX, Astro e Spirito são os DJs e projectos de serviço à festa, que começa já depois da meia-noite mas não muito. Mais informações, aqui.

24 dezembro, 2007

Feliz Natal!


Merry Christmas*Joyeux Noël*Feliz Navidad*God Jul*Saint Dan Fai Lok*Vrolijk Kerstfeest*Maligayang Pasko*Hyvaa Joulua* Milad Majid*Froehliche Weihnachten*Shub Naya Baras*Kala Christouyenna*Afishapa*E Ku Odun*Mele Kalikimaka*Mo'adim Lesimkha*Gledileg Jol*Boldog Karácsonyt*Selamat Hari Natal*Nollaig Shona Dhuit*Buon Natale*Kurisumasu Omedeto*Nollaig Chridheil Huibh*Mboni Chrismen*Sung Tan Chuk Ha*Linksmu Kaledu*Selamat Hari Natal*Meri Kirihimete*Craciun Fericit*Cestitamo Bozic*Vesele Vianoce*Nadolig Llawen*Pozdrevlyayu s Prazdnikom Rozhdestva*Zalig Kerstfeest*Webale Krismasi*Gajan Kristnaskon

21 dezembro, 2007

Colecção do Fado - Protocolo Finalmente Assinado


Seis anos depois do início das negociações, foi hoje finalmente assinado o protocolo entre as partes portuguesas e o coleccionador inglês Bruce Bastin, para a compra efectiva da colecção de oito mil gravações de fado (e de canções populares, de teatro de revista e outras) do início do Séc. XX que estão na posse do referido coleccionador. É uma excelente notícia para a música portuguesa! Uma notícia que, tendo como fonte a agência Lusa, aqui transcrevo na íntegra:

«A palavra "satisfação" foi a mais ouvida hoje em Lisboa após a assinatura do protocolo que garante a compra pelo Estado português da colecção de 8.000 discos de música portuguesa do britânico Bruce Bastin. A ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, o secretário de Estado da Cultura, o representante da EGEAC, o presidente do Instituto dos Museus e da Conservação (IMC), e o próprio coleccionador abriram os seus discursos afirmando-se satisfeitos por este processo de seis anos ter chegado ao fim. Isabel Pires de Lima referiu-se mesmo a "seis anos de peripécias, de recuos e avanços". O espólio, adquirido por 1,1 milhões de euros, irá agora ser inventariado por uma comissão de peritos, ainda não constituída, que tem 50 dias para determinar se o espólio corresponde ao valor efectivo afirmado pelo coleccionador. O secretário de Estado da Cultura, Mário Vieira de Carvalho, disse à Lusa que o espólio ficará temporariamente no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, que "tem as condições necessárias para a sua preservação", e que a estrutura de trabalho ficará no Palácio Foz, onde foi hoje assinado o protocolo. Em declarações à agência Lusa, Bruce Bastin afirmou hoje que "continuará de olho na colecção e no seu desenvolvimento", e que o musicólogo José Moças será o seu representante naquela comissão. Os outros representantes terão de ser nomeados pela EGEAC (Empresa municipal de Gestão dos Equipamentos e Animação Cultural) e pelo Ministro da Cultura através do IMC. Quanto ao acesso futuro da colecção que "ficará disponível a investigadores e público em geral", o ICM terá ainda que efectivar um protocolo com a EGEAC, disse à Lusa o presidente do Instituto, Manuel Bairrão Oleiro. "A EGEAC não perde nunca a propriedade do espólio mas terá que ser feito um protocolo que o entregue à salvaguarda do Museu da Música e Arquivo do Som", disse Bairrão Oleiro. O coleccionador afirmou-se "satisfeito" por a colecção vir para Portugal, "onde pertence e deve ser mantida, pois não faz qualquer sentido ficar em Inglaterra". O Ministério da Cultura participou com 400.000 euros na compra deste espólio, tal como a Câmara de Lisboa através da EEAC, e os restantes 300.000 euros foram assegurados por um mecenas, que permanece anónimo. Os primeiros 5.000 discos deverão chegar até 15 de Janeiro e os restantes 3.000 posteriormente. "Caso a avaliação não corresponda ao esperado, o Estado poderá denunciar o protocolo", disse à Lusa fonte ligada ao processo. O musicólogo José Moças, que desde a primeira hora tem estado ligado a este processo através do coleccionador inglês, disse que os membros da comissão avaliadora "se irão surpreender com o que vão encontrar". Entre as "raridades" encontram-se registadas em 78 rotações as vozes das lendárias Júlia Florista e Júlia Mendes, das mais insignes da tradição fadista. Entre a assistência estavam a directora do Museu da Música, Maria Helena Trindade, e a gestora do Museu do Fado, Sara Pereira».

E, horas depois, a Lusa continuou a história com mais esta notícia: «O coleccionador inglês Bruce Bastin, que hoje assinou em Lisboa o protocolo da venda da sua colecção de discos de música portuguesa a Portugal, afirmou à Lusa estar "satisfeito por estes virem para onde devem estar". Os 8.000 registos são "apenas uma parte" da sua colecção, que inclui outros estilos musicais como tango, blues e rabética (*). Aliás, o coleccionador considera que estes estilos musicais "são idênticos" mas, ao contrário destes, o fado "permaneceu igual a si próprio desde as origens até aos dias de hoje", e foi isso que o "fascinou". "O tango e o blues, por exemplo, estão hoje muito diferentes e o que é fascinante é ver que fados mais antigos continuam hoje a ser cantados e qualquer pessoa os canta e sabe", disse. Em declarações à Lusa, Bruce Bastin afirmou que começou esta colecção de discos portugueses "há 20 anos, por intermédio de um amigo investigador". Bastin gosta da forma como se cantava fado "nos primórdios". "Fascinam-me aquelas vozes e a entrega que têm em cada tema que cantam, e simplesmente acompanhadas à guitarra e à viola, sem mais nada", disse. "O mais perto dos dias de hoje que aprecio, em termos cronológicos, é Amália Rodrigues que é de facto imbatível e extraordinária", acrescentou. Reconhece que não "percebe as letras" mas "arrepia-se" quando ouve certas vozes como Maria Alice, Maria Silva ou Maria do Carmo Torres. O coleccionador não ouve hoje tanto fado como ouvia há dez anos atrás, até porque prefere a audição de discos de baquelite e vinil. Bastin afirmou que fica "sossegado" quanto ao futuro da colecção, pois "Portugal tem os meios necessários para a preservar e permitir que se oiça". A colecção irá ficar no futuro Museu da Música e Arquivo de Som, que além destes 8.000 registos irá albergar também "outros espólios de entidades, designadamente da RDP", disse Vieira de Carvalho. A ministra reconheceu, por seu turno, que em termos de registos sonoros "nem tudo está tão bem tratado em termos sistemáticos como deve ser", mas que essa situação será "ultrapassada" com o novo equipamento cultural. Segundo o coleccionador, metade dos discos comprados são de fado e os restantes de canções, teatro de revista e até folclore».

(*) O jornalista da Lusa deve estar, com a palavra «rabética», a referir-se à rembetika grega.


A imagem que encima este post (de um dos discos da colecção) foi retirada do blog 78 Rotações, de José Moças, que explica muito deste processo todo e do que é a colecção.

20 dezembro, 2007

Cromos Raízes e Antenas XXXIV


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XXXIV.1 - Mikis Theodorakis


O fascínio que a música tradicional dos seus locais de origem provoca em compositores eruditos é, se não banal e habitual, pelo menos comum a muitos deles e das mais variadas origens. Pense-se em George Gershwin, em Béla Bartók, em Manuel de Falla ou em Fernando Lopes-Graça... E pense-se, aqui, em Mikis Theodorakis, o compositor grego que tem na música do seu país - e de países à volta, como a Turquia e as regiões dos Balcãs - o mote principal para muitas das suas obras. Nascido a 29 de Julho de 1925 na ilha de Chios, Grécia, desde muito cedo o jovem Mikis se deixou conquistar pela música popular e pelos cantos polifónicos da igreja ortodoxa. Exilado em Paris devido ao seu activismo político, começou a desenvolver um riquíssimo reportório que, ao longo da sua vida, se revelou em sinfonias, óperas, cantatas, concertos para piano, partituras para bailado e filmes (a música para «Zorba, O Grego» e «Serpico» ficarão como marcas indeléveis do seu génio).


Cromo XXXIV.2 - Zap Mama


O excelentíssimo grupo afro-belga Zap Mama, liderado por Marie Daulne (na foto), é um dos melhores exemplos de como - a partir da voz, e de muitas vozes femininas em polifonias e harmonias africanas - se pode fazer a ponte entre músicas tradicionais e músicas apanhadas nas ondas do éter: o rock, o reggae, o hip-hop... Marie Daulne, nascida no Congo, criada na Bélgica, formada musicalmente no cadinho efervescente de Londres e ideologicamente quando fez uma longa viagem ao Congo e a outros países de África, e as suas companheiras (e os seus companheiros) de jornada, deram e dão ao mundo uma música viva, actual, fundada em raízes antigas mas com as antenas apontadas ao presente e ao futuro das músicas. No início (o álbum de estreia, «Adventures in Afropea» é de 1993) as Zap Mama eram um grupo a capella, mas há muito tempo que são outra coisa: muitas vozes e muitos instrumentos directamente ligados ao Céu.


Cromo XXXIV.3 - Gotan Project


Tendo como inspiração para o seu nome o calão da bandidagem de Buenos Aires, os Gotan Project («gotan» são as sílabas de «tango» ao contrário, tal como no referido calão, o vesre - ou «revés» ao contrário! - «madre» é «drema» e «carne» é «necar»), têm base em Paris mas como inspiração maior o tango e as milongas. E é um dos mais importantes - e o primeiro a ser massivamente conhecido na Europa e Estados Unidos - projectos a fundir a música urbana argentina com sonoridades contemporâneas, nomeadamente com uma fortíssima componente electrónica. Nascidos em Paris, em 1999, os Gotan Project são formados pelo francês Philippe Cohen Solal, pelo argentino Eduardo Makaroff e pelo suiço Christoph H. Müller, que editaram um ano depois o álbum «Vuelvo Al Sur/El Capitalismo Foraneo». Mas foi com «La Revancha del Tango» (2001) que se tornaram internacionalmente conhecidos.


Cromo XXXIV.4 - Stomp


Break-dance, tambores vagamente taiko/vagamente japoneses, danças e percussões africanas e brasileiras, os ritmos industriais dos Test Dept e dos Einsturzende Neubauten do início, vassouras, esfregonas e baldes de lixo usados como instrumentos musicais, o «Singin' In The Rain» tal como se tivesse sido coreografado por replicants do «Blade Runner», o corpo humano como uma imensa caixa-de-ritmos... Tudo isto - e mais, muito mais! - são os Stomp. Grupo alargado - neste momento são, aliás, vários grupos com o mesmo nome - de dançarinos, percussionistas, actores e acrobatas, todos irmanados numa missão comum, os Stomp são uma fabulosa ideia de espectáculo nascida em Brighton, Inglaterra, que já originou filmes, discos, anúncios de televisão... Mas é ao vivo que a arte total - só lá faltam as palavras, que, vendo bem, não fazem falta nenhuma - deste colectivo pode ser mais bem apreciada.

19 dezembro, 2007

Novembro - «À Deriva» Mas... Com Rumo


Há algum tempo que tenho prometido um post sobre projectos portugueses «desviantes» ao fado... Ainda não é desta que esse post vai aparecer, mas um dos nomes previstos para esse texto é o dos Novembro, grupo lisboeta que anuncia agora a edição do seu álbum de estreia. Com sugestões de fado pela ambiência e envolvimento (e anda por lá uma guitarra portuguesa), da pop melancólica e triste dos Joy Division e dos Durutti Column e com uma voz que faz lembrar, por vezes, António Variações, os Novembro prometem ser uma das maiores revelações da música portuguesa dos últimos anos. «À Deriva», o álbum de estreia do grupo - formado por Miguel Filipe (voz e guitarra portuguesa), Mark William Harding (bateria), Luís Aires (baixo) e João Portela (guitarras) - foi produzido por Tiago Lopes e Miguel Filipe e tem edição marcada para dia 28 de Janeiro, através da Lisboa Records. Já amanhã, dia 20 de Dezembro, o álbum é pré-apresentado ao vivo no Frágil, em Lisboa. Para saber um pouco mais sobre os Novembro, aqui.

18 dezembro, 2007

Festival da Passagem d'Ano - Bailes Tradicionais (e Não Só) em Coimbra


O final de ano no Centro Norton de Matos, em Coimbra, não se vai resumir a um simples réveillon, sendo antes um autêntico festival de música e danças tradicionais que se estende por vários dias. Com organização da Tradballs e do Rodobalho, o Festival de Passagem d'Ano 2007-2008 decorre nos dias 28, 29, 30 e 31 de Dezembro (e, naturalmente, com entrada dia 1 de Janeiro dentro...) com muitos grupos a lançar o baile, workshops de danças e instrumentos musicais, cinema e farto convívio. Dia 28, o festival arranca à noite com uma «tertúlia trad» conduzida pelos Mosca Tosca (no Café Xuven). E, dia 29, já no Centro Norton de Matos, durante a tarde, há workshops de danças - bourrées, portuguesas, poitou e tango -, de instrumentos - concertina e adufe - e uma «tertúlia trad» com os belgas Triple-X, enquanto à noite passa o filme «11 Burros Caem no Estâmago vazio», de Tiago Pereira e há bailes/concertos com os Diabo a Sete (na foto; de Fábio Teixeira) e os Fol&ar. Dia 30 há mais workshops de danças - irlandesas, mazurka e «portuguesas d'arroba» (isto é, as danças «mandadas» pelos Alfa Arroba) -, de expressão dramática e de instrumentos - sanfona e gaita-de-foles - e uma «tertúlia trad» pelos Alfa Arroba, ficando para a noite o filme sobre o Andanças «Arritmia», de Tiago Pereira, e bailes/concertos com os Triple-X e os Bailebúrdia. Dia 31 aprende-se a bailar mais danças irlandesas, scottischs, danças ribatejanas, valsa mandada e danças de grupo, a tocar bandolim e acordeão e há uma «tertúlia trad» com Celina da Piedade, enquanto a noite de passagem d'ano fica por conta de mais um filme de Tiago Pereira, «Manda Adiante», e bailes/concertos pelos Alfa Arroba e Triple-X. Mais informações aqui e aqui.

17 dezembro, 2007

Cristina Branco - As Voltas do Fado (Mudado)


Desde o início da sua carreira, Cristina Branco (na foto; de Luís Barros) nunca se deixou prender apenas nas malhas do fado. E surpreendeu, sempre, pelo reportório escolhido para os seus álbuns. Hoje, dia 17, Cristina Branco termina a primeira fase da sua digressão «Abril» no mesmo local em que o álbum homónimo, inteiramente dedicado à obra de José Afonso, nasceu: o Teatro Municipal de S.Luiz, em Lisboa. E, a acompanhar a notícia deste «intermezzo» da digressão, vem outra: no próximo álbum, já em preparação, Cristina Branco volta a surpreender, ao convidar compositores exteriores ao fado para escreverem as canções do disco. Com um mote comum que lhes foi dado pela cantora - o «Tempo» -, estão já arrolados para o álbum temas originais de Sérgio Godinho (letra e música), Jorge Palma (letra e música), Vitorino (letra e música), Pedro Abrunhosa (letra e música), Janita Salomé (música para um poema de Hélia Correia) e, ainda, uma participação do pintor Júlio Pomar (autor da capa?; fica a dúvida). Já a digressão «Abril» volta à estrada em... Maio.

14 dezembro, 2007

Yashila, Alms For Shanti e Transglobal Underground - Quando o Ocidente Chega à Índia (e Vice-Versa)


A «contaminação» musical entre o Ocidente e o Oriente é uma coisa antiga e bastante conhecida. Mas, mais recentemente, essas «contaminações» são cada vez mais evidentes e generalizadas - tanto em nomes indianos que vêm ao Ocidente buscar instrumentos e inspirações - como nos casos dos Yashila e dos Alms For Shanti (na foto), mesmo que estes dois grupos tenham sonoridades completamente diferentes - como em grupos fixados no Ocidente mas que têm membros de origem indiana (e/ou paquistanesa) como os seminais Transglobal Underground. Três excelentes exemplos de como as músicas estão cada vez mais misturadas, e ainda bem.


YASHILA
«DRIVE EAST»
Sense World Music

Os Yashila são um maravilhoso grupo indiano formado pela violinista Kala Ramnath e pelos percussionistas Abhijit Banerjee e Somnath Roy. E o título do álbum de estreia do projecto, «Drive East», é logo uma «carta de intenções» - porque no álbum estão lá, fundas, a música tradicional e erudita indianas mas também alusões a muitas outras músicas - flamenco e música latino-americana, música árabe... -, numa atitude assumida de fusão cujo resultado é uma música viva, sempre em mutação, variadíssima. Os dois percussionistas - Abhijit mais nas tablas (embora também toque outros instrumentos) e Somnath mais numa bilha de barro da qual tira sonoridades inacreditáveis (e noutros instrumentos) - são muito bons, mas quem brilha mais neste álbum é mesmo a violinista Kala, pertencente a uma família que há várias gerações toca o violino ocidental (igualzinho ao europeu), mas adaptando-o à música indiana, sendo tocado numa posição diferente e com uma afinação diferente daquela a que estamos habituados. E o resultado final é um deslumbramento completo, em que, no cruzamento de músicas indianas e ocidentais (tanto de raiz tradicional quanto clássica), se adivinham muitas músicas de um futuro utópico, pacificado, global. (9/10)


ALMS FOR SHANTI
«KASHMAKASH»
Blue Flame Records

É curioso ouvir «Kashmakash», o primeiro tema e tema-título deste álbum dos Alms For Shanti, a seguir ao álbum dos Yashila: o tema começa com percussões tradicionais indianas e um... violino antes de avançar para um rock musculado, e, a seguir, funks pulsantes e electrónicas poderosas ou ambientais e que fazem lembrar, por vezes, os U2, de outras os New Order, de outras os Chemical Brothers ou os Air. Mas sempre com ligações óbvias e profundas às músicas indianas. E basta ver os instrumentos tocados pelos dois membros deste grupo de Bombaim - Jayesh Gandhi (guitarras eléctricas e acústicas, slide guitar, teclas, programações) e Uday Benegal (voz, teclas, programações mas também percussões tradicionais) - e pelos seus inúmeros convidados neste álbum, que tocam instrumentos indianos como tablas, bansuri, ghungroo ou sarangi, para se perceber até onde o grupo leva a sua música. Mas é preciso ouvir-se a música (do irresistível tema dançante «Superbol», presença constante em muitos dos meus sets de DJ, até ao canto konokol locomovido a funk de «Nag Ghum»), para se perceber a riqueza desta música, híbrida sim, misturada sim, mas com tudo a fazer sentido e a soar sempre, sempre, a verdadeiro. (8/10)


TRANSGLOBAL UNDERGROUND
«MOONSHOUT»
Mule Satellite Recordings/Tumbao

Desde há muitos anos na linha da frente da «invasão» indo-paquistanesa na música produzida em Inglaterra - juntamente com os Fun-da-Mental, os Asian Dub Foundation, Nitin Sawhney... -, os Transglobal Underground regressam este ano com um álbum fabuloso, este «Moonshout», em que levam o seu riquíssimo conceito de fusão ainda mais longe. A música do local de origem de alguns dos seus membros continua bem presente (do bhangra a drones mágicos directamente vindos das ragas e aos musicais de Bollywood) assim como o dub, o rock (oiçam-se as fabulosas guitarras shoegazing de «Quit Mumblin'»), a música árabe, o hip-hop, numa mistura sólida, hiper-consistente, de tantas músicas diferentes. Mas estão lá também algumas novidades deliciosas: a primeira, claro!, é a colaboração entre os Transglobal Underground e os «nossos» Blasted Mechanism no fortíssimo «Total Rebellion» (tema comum a este «Moonshout» e a «Sound In Light», dos Blasted Mechanism, e um entre outros dos muitos líbelos políticos de «Moonshout»); outra, igulamente surpreendente, é a participação da cantora búlgara Yanka Rupkina (do Trio Bulgarka) no belíssimo tema «Spice Garden». E, quase inevitavelmente, também a «velha» companheira Natacha Atlas participa num tema, «Awal», ao lado do rapper iraquiano Naufalle. Excelentíssima música esta que põe em confronto - e em união - tantas músicas, tantos lugares, tantas gentes. (9/10)

12 dezembro, 2007

U2 - Um Tributo Africano!


Agora que passam vinte anos sobre a edição de «The Joshua Tree» - o álbum em que os U2 (na foto, de Anton Corbijn) vão em busca das raízes negras e africanas do rock (os blues e o gospel) e em que na poesia de Bono passa a ter lugar uma reflexão continuada sobre as questões do chamado Terceiro Mundo -, data assinalada com a remasterização e várias reedições luxuosas desse álbum, chega também a notícia - via, mais uma vez, Crónicas da Terra - de que vários artistas africanos vão lançar um álbum só com versões de temas da banda irlandesa. O álbum, «In The Name Of Love: Africa Celebrates U2», é uma edição da Shout! Factory e parte da receita angariada com a sua venda reverterá para a Global Fund. Com edição prevista para Abril de 2008, no disco participam alguns dos maiores nomes - consagrados ou emergentes - da música africana: Angélique Kidjo («Mysterious Ways»), Vieux Farka Touré («Bullet The Blue Sky»), Ba Cissoko («Sunday Bloody Sunday»), Vusi Mahlasela («Sometimes You Can't Make It On Your Own»), Tony Allen («Where The Streets Have No Name»), Cheikh Lô («I Still Haven't Found What I'm Looking For»), Keziah Jones («One»), Les Nubians («With Or Without You»), Soweto Gospel Choir («Pride [In The Name Of Love]»), Sierra Leone's Refugee All Stars («Seconds»), African Underground All-Stars («Desire») e Waldemar Bastos («Love Is Blindness»). Promete!

11 dezembro, 2007

Madredeus - Uma Homenagem ao Passado e Um Voto Para o Futuro


Há alguns dias, Teresa Salgueiro anunciou oficialmente a sua saída dos Madredeus para se dedicar à sua carreira a solo, uma carreira que, em apenas um ano, se repartiu por três projectos: um álbum com canções brasileiras, «Você e Eu», outro com clássicos de sempre da música mundial, «La Serena», e, mais recentemente, a obra de grande fôlego «Silence, Night & Dreams», do compositor polaco Zbigniew Preisner. Paralelamente, Pedro Ayres Magalhães, o líder, guitarrista e principal compositor do grupo, confirmou a saída de Teresa Salgueiro e adiantou ainda que também o guitarrista José Peixoto e o baixista Fernando Júdice (ambos envolvidos no Sal) lhe tinham comunicado a sua saída do grupo no Verão deste ano. Nos Madredeus restam, portanto, Pedro Ayres e o teclista Carlos Maria Trindade (velhos companheiros dos longínquos tempos dos Corpo Diplomático e dos Heróis do Mar), que, aparentemente, querem seguir com os Madredeus como um projecto vivo e actuante, pondo Pedro Ayres a hipótese de o grupo continuar com outros músicos... e uma outra cantora. Acho bem!

Há quem não imagine os Madredeus sem Teresa Salgueiro... Mas porque não? Se bem me lembro, a Resistência, outra invenção de Pedro Ayres que contava com uma série de homens a cantar (Tim, Miguel Ângelo, Olavo Bilac, Fernando Cunha, o próprio Pedro Ayres...) até começou, na sua primeira encarnação, com três cantoras (a Filipa Pais, a Anabela Duarte e a Teresa Salgueiro, que protagonizaram o primeiro concerto da Resistência na Feira do Livro de Lisboa, em 1990). E, quer se queira quer não, os Madredeus sempre foram mais Pedro Ayres - e, no início, mais Pedro Ayres e Rodrigo Leão - do que Teresa Salgueiro, uma excelentíssima cantora, sim!, mas sempre posta ao serviço de uma ideia de música. Uma ideia que pôs a música tradicional portuguesa (da música urbana, o fado, a músicas rurais) em contacto com muitas outras músicas: a pop, a bossa-nova, a música cabo-verdiana, a escola minimal-repetitiva, a elegância posta ao serviço da world music tal como estabelecido pela Penguin Cafe Orchestra. E, numa altura em que se começava a falar, exactamente, de world music, os Madredeus levaram a música portuguesa aos maiores palcos mundiais, com um profissionalismo e - muitas vezes - uma capacidade de sacrifício notáveis. Há quem, na música e na cultura portuguesa, tenha visto passar os comboios. Os Madredeus não; apanharam-no logo e não só ocuparam a carruagem da frente como foram muitas vezes a locomotiva para que outros pudessem vir atrás: Dulce Pontes, Cristina Branco, Mariza, etc, etc... devem aos Madredeus terem depois tirado bilhetes de primeira classe para essas mesmas viagens. E nem Amália, a maquinista-pioneira deste comboio, levou alguma vez a música portuguesa tão longe quanto eles.

Sempre gostei mais dos Madredeus da primeira fase: a riqueza tímbrica dada por um leque alargado de instrumentos - a voz de Teresa, a guitarra de Pedro, o sintetizador de Rodrigo, o acordeão de Gabriel Gomes, o violoncelo de Francisco Ribeiro (numa mistura inusual de instrumentos clássicos, eléctricos e populares que depois se tornou quase um paradigma de muitas bandas portuguesas e estrangeiras) -, a simplicidade melódica das primeiras composições e o arrebatamento de uma música nova dos primeiros anos nunca depois foi igualado. E, nos últimos anos dos Madredeus, notava-se o cansaço daquilo tudo: da «fórmula», dos músicos, da voz de Teresa. E, se calhar, a saída de José Peixoto (extraordinário guitarrista), de Fernando Júdice (baixista da melhor escola) e da diva-musa-cantora Teresa Salgueiro foi o melhor que poderia ter acontecido aos Madredeus.

Há uma lenda que circula no meio musical português e que dá conta da existência de um baú - de uma espécie de «arca do tesouro» - em que Pedro Ayres tem guardadas centenas de canções originais, à espera de ver a luz do dia. Não se sabe se é verdade - é essa a força das lendas! - mas acredito que sim, que esse baú existe e, se não com centenas, com algumas dezenas de composições. Na minha humilde opinião, Pedro Ayres Magalhães é o maior e melhor compositor português dos últimos vinte anos. E, para além de compositor, um homem de ideias, de luzes, de missões a cumprir. Acredito - e faço votos para - que os Madredeus vão continuar, rejuvenescidos, com música e músicas novas - músicas saídas do cérebro de Pedro Ayres e de Carlos Maria, ele também um compositor talentoso -, com outra voz, com outros músicos. E com um novo sopro de vida. A música portuguesa precisa deles. Precisou há vinte anos. Precisa agora, ainda.

10 dezembro, 2007

Cromos Raízes e Antenas XXXIII


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XXXIII.1 - Mari Boine


A extraordinária cantora norueguesa Mari Boine (nascida a 8 de Novembro de 1956, em Finnmark, Noruega) é, ao mesmo tempo que carrega consigo as tradições mais antigas do povo sami (a designação correcta dos lapões), uma criadora aberta a diversas influências - rock, jazz, electrónicas -, que inclui na sua música. Dona de uma voz moldada no estudo e na prática do canto yoik - comum ao povo sami, que se espalha pela Noruega, Finlândia, Suécia e Rússia -, Boine soube sempre fazer a ponte entre músicas diferentes e, sempre também, pôr o todo ao serviço da defesa do seu povo, vítima de abusos por parte das diversas autoridades escandinavas, à semelhança do que se passa com os índios da Amazónia e da América do Norte ou os aborígenes australianos. O seu primeiro álbum internacional, «Gula Gula» (1989), foi editado pela Real World e parte do mundo tomou conhecimento dela, e através dela, da música dos samis.


Cromo XXXIII.2 - Antibalas Afrobeat Orchestra


Grupo nova-iorquino, de Brooklyn, mas com músicos de várias origens, a Antibalas Afrobeat Orchestra (agrupamento também conhecido, simplesmente, como os Antibalas e, mesmo no início, como Conjunto Antibalas) foi formada em 1998 por músicos que tinham tocado na banda Africa 70 (do lendário Fela Kuti) e da Eddie Palmieri's Harlem River Drive Orchestra. E, naturalmente, a base da sua sonoridade é o afro-beat tal como desenhado por Kuti, mas integrando também outras influências (música mandinga, música cubana, funk, jazz, dub, hip-hop...). Incluindo nas letras dos seus originais fortes mensagens políticas - à semelhança do seu «mentor» nigeriano -, os Antibalas editaram o seu primeiro álbum, «Liberation Afrobeat Vol. 1», em 2000, ao qual se seguiram «Talkatif» (2002), «Who is This America?» (2004) e «Security» (2007), este último surpreendentemente produzido John McEntire (dos Tortoise).


Cromo XXXIII.3 - Nitin Sawhney


Nitin Sawhney (nascido em Rochester, Kent, em 1964) é inglês mas de origem indiana e um verdadeiro cidadão do mundo, no sentido em que busca inúmeras sonoridades para as incluir na sua música. Nitin é um mago das electrónicas mas também toca piano, guitarra clássica (chegou a estudar flamenco na sua juventude), sitar e tablas. É produtor, compositor, DJ, arranjador, remisturador... e sempre com um bom-gosto acima de qualquer suspeita. A sua chegada à alta-roda musical deu-se quando começou a fazer parte do grupo de acid-jazz The James Taylor Quartet, do qual saiu para formar a sua própria banda The Jazztones. Outro marco fundamental da sua carreira foi a colaboração com outra luminária, Talvin Singh, no Tihai Trio. Depois, chegou a fazer comédia - com sucesso - na BBC, antes de se ter lançado numa frutuosíssima carreira musical a solo, em 1993, com o álbum «Spirit Dance». Temas de Sting, Natacha Atlas, Nusrat Fateh Ali Khan ou Paul McCartney - que também canta num tema do seu último álbum, «London Undersound» (2008) - já foram remisturados por ele.


Cromo XXXIII.4 - Spaccanapoli


Spaccanapoli é a enorme avenida que separa Nápoles em duas metades. Mas é também o nome de uma banda musical que tem as suas origens longínquas num grupo operário de intervenção criado durante os anos 70, o ‘E Zezi, de Pomigliano D’Arco, onde se reuniam trabalhadores da indústria automóvel para fazer teatro, música, política... E a base teórica da sua música é a pesquisa exaustiva de canções tradicionais napolitanas, de outras regiões italianas e da bacia do Mediterrâneo. Mas dizer isso é dizer muito pouco para se caracterizar a música dos Spaccanapoli: uma música viva, pulsante, actualíssima. Formados por Marcello Colasurdo (voz e tammorra - uma enorme pandeireta), Monica Pinto (voz), Antonio Fraioli (violino e percussão), Oscar Montalbano (baixo e guitarra) e Emilio De Matteo (guitarra), os Spaccanapoli tiveram no seu álbum «Lost Souls - Aneme Perze», publicado pela Real World, um marco da folk europeia.

07 dezembro, 2007

Cantos na Maré - A Cantar É Que a Gente se Entende


O alargado e, muitas vezes, polémico conceito de «lusofonia» tem na música - e no canto (sejam cantos em português de Portugal, em crioulo cabo-verdiano, com sotaque brasileiro ou angolano, em galego...) - a sua face mais luminosa e mais facilmente conglomeradora de ideias, de vontades e de uma (ou várias?) língua comum. E o já clássico festival Cantos na Maré, uma ideia da cantora galega Uxía, é um dos expoentes maiores desta ligação entre povos irmãos, culturas irmãs, músicas ainda mais que irmãs de tão misturadas que estão. Este ano o Cantos na Maré conta com a presença das cantoras e cantores Uxía (Galiza), Manecas Costa (Guiné-Bissau), Mercedes Peón (Galiza), Ceumar (Brasil), Nancy Vieira (Cabo Verde; na foto) e JP Simões (Portugal), que são acompanhados por uma banda formada por Paulo Borges (piano e acordeão), Paco Charlín (baixo), João Ferreira (percussão), Jon Luz (cavaquinho), Quiné (batería), Amadeu Magalhães (cordas, flautas), Davide Zaccarías (violoncelo) e Óscar Fernández (acordeão e sanfona). O espectáculo principal decorre dia 15 de Dezembro no Pazo da Cultura de Pontevedra, mas para além do concerto haverá ao longo dos dias anteriores encontros de músicos e projecção de documentários musicais. Mais informações aqui.

06 dezembro, 2007

Hazmat Modine, Bob Brozman e Colombiafrica - (Im)puras Misturas


Os leitores regulares do Raízes e Antenas já se devem ter apercebido que na secção de críticas de discos procuro sempre que haja um fio condutor, um universo comum qualquer, que os una e que, por isso, faça sentido falar de dois, três ou quatro discos diferentes num mesmo texto. Desta vez, essa regra foi mais ou menos quebrada: porque não há nada de aparentemente parecido (que raio de frase!) entre estes discos destes três nomes - Hazmat Modine (na foto), Bob Brozman e Colombiafrica-The Mystic Orchestra - a não ser, a não ser... que qualquer deles é dificílimo de colocar numa gaveta qualquer juntamente com uns quaisquer outros discos. O que, paradoxalmente, acaba por fazer algum sentido tê-los a todos aqui reunidos...


HAZMAT MODINE
«BAHAMUT»
Jaro Medien GmBH/Harmonia Mundi

O álbum começa com uma harmónica visceralmente blues a dar o mote para um reggae fumegante que acaba por fazer lembrar, tudo, em conjunto, o «Summertime», mas como se o «Summertime» tivesse nascido numa intersecção onírica qualquer entre Nova Orleães e Kingston. E o envolvimento é mágico: ao lado da harmónica há tubas, guitarras, uma claviola, bateria... e outra harmónica. E «Bahamut» continua com um tema de bluegrass, primitivo, lindíssimo, em que às músicas mais antigas da América do Norte se junta o canto gutural dos Huun-Huur-Tu, de Tuva (e sim, o resultado é a banda-sonora de um western por rodar em que cowboys ianques fazem música em conjunto com os índios norte-americanos, primos dos povos siberianos). E depois há um filme só aparentemente mudo em que se comunica através de sinais sonoros, cifras, palavras mágicas, ao ritmo de um swing irresistível. E isto tudo, em conjunto, é só uma pequena amostra do que são os Hazmat Modine, grupo nova-iorquino que soa a... nada que tenha soado até agora. Está lá quase toda a história da música dos Estados Unidos, principalmente a música negra, mas estão lá também lanças cravadas em muitos outros lugares do mundo: de Tuva à Jamaica, de África aos Balcãs (cf. no cimbalom mágico de «Ugly Rug») e à China (eles atrevem-se a tocar um sheng, o instrumento chinês que deu origem aos órgãos...). E o que mais espanta nisto tudo é que este «Bahamut» é o primeiro álbum do grupo! Um álbum para ouvir vezes sem conta e que deixa a vontade, em salivação contínua, de que os Hazmat Modine venham cá tocar um dia. (9/10)


BOB BROZMAN ORCHESTRA
«LUMIÈRE»
Riverboat Records/World Music Network/Megamúsica

Outra surpresa magnífica: o igualmente nova-iorquino Bob Brozman - ele que é um reconhecido génio da slide-guitar e já colaborou com músicos da Ilha da Reunião, do Japão, da Guiné, da Índia (o maravilhoso Debashish Bhattacharya), do Havai... em busca de uma música comum a muitos povos diferentes - atreve-se em «Lumière» a tocar todos os instrumentos de cordas deste álbum, mais de duas dezenas (e se se olhar com atenção para a capa do álbum ver-se-ão inúmeros clones de Brozman, isto é, a sua-muito-sua «orchestra»). Instrumentos de cordas que vão desde a sua slide National a cavaquinho, kantele, gandharvi, alaúde, charango, baglama... numa profusão de timbres e de misturas irresistível. E a música acompanha esta busca quase de coleccionador fanático de instrumentos de todo o mundo (porque, para além das cordas, ainda há inúmeras percussões, tocadas por Brozman ou por Daniel Thomas). Uma música que é uma viagem imaginária por variadíssimos locais do planeta, uma viagem em que ora estamos no México ora na Índia, ora nas Caraíbas ora na Argentina, ora num acampamento cigano em que Django Reinhardt acabou de ressuscitar ora no meio de um luau com dançarinas semi-nuas a distribuir colares feitos de flores ora nas margens do Mississippi a beber aguardente de cana com Robert Johnson. Como se o antigo conceito de música «exotica» voltasse a fazer sentido algumas dezenas de anos depois, mas com um acrescento de verdade, de alegria, de humor e de paixão que a música «exotica» não tinha na sua origem. Há momentos deste álbum que são tão encantatórios que nos fazem desejar que houvesse mil Bob Brozmans diferentes. E, pelos vistos, até há! (9/10)


COLOMBIAFRICA - THE MYSTIC ORCHESTRA
«VOODOO LOVE INNA CHAMPETA-LAND»
Riverboat Records/World Music Network/Megamúsica

Há poucas semanas falou-se neste blog de «Made In Dakar», o novo álbum da Orchestra Baobab, e de como a música cubana - num movimento de retorno às origens - iluminava a música «naturalmente» africana desta banda sediada no Senegal. E ouvir-se agora «Voodoo Love Inna Champeta-Land», da Colombiafrica-The Mystic Orchestra, é um «upgrade» natural dessa ideia. O álbum dos Colombiafrica é um disco extraordinário em que músicas dos dois lados do Atlântico - a champeta colombiana, a cumbia, o calipso ou a salsa cubana mas também a soul e o funk norte-americanos convivem com músicas africanas (estas também já contaminadas por ritmos «modernos» americanos) como o afro-beat, os soukous, o highlife do Gana, a mbaqanga sul-africana... numa mistura excitantíssima, variadíassima e interminável de ritmos e vozes e instrumentos. Se se quiser exagerar um bocadinho, dir-se-ia que isto são contaminações de contaminações de contaminações intermináveis, mas que isso é muito bom: ouve-se este álbum e é impossível deixar de dançar ou estalar os dedos ou querer estar num sítio qualquer que não aqui (um sítio que, na realidade, não existe!). O projecto Colombiafrica foi criado pelo colombiano Lucas Silva, que reuniu vedetas locais da champeta como Viviano Torres, Luis Towers e Justo Valdez com nomes incontornáveis da música africana como os históricos guitarristas Diblo Dibala, Caien Madoka, Dally Kimoko, Rigo Star e Sékou Diabaté (este dos Bembeya Jazz) ou o cantor Nyboma (dos Kékélé, outro grupo que faz sempre a ponte entre África e a América Latina). E, o mais importante de tudo, este é um álbum que é uma festa - uma linda festa feita de irmãos distantes mas afinal tão próximos - do princípio ao fim. (9/10)

05 dezembro, 2007

Festival Etnias - Esta Semana no Contagiarte!


O ecléctico, aberto e importantíssimo Festival Etnias - um caldinho de culturas diferentes em alegre convivência - começa já amanhã, no Contagiarte, Porto, com mais uma excelente programação. Uma programação que inclui, quinta-feira, o concerto de klezmer festivo dos Melech Mechaya e o concerto-performativo «Ritual», do Projecto Iara, para além de sessões de DJing de folk e world music por Osga, Psiconauta e este vosso escriba do Raízes e Antenas. Na sexta-feira, há percussões e danças africanas com os Dyabara e a fanfarra balcânica (e não só!) Kumpa'nia Al-gazarra, com os pratos a ficarem por conta de Comoustache, Balkanbeats e Innyanga. Já no sábado, a Companhia Baubo apresenta um espectáculo de dança oriental e os Mu encerram os concertos do festival com a sua magnífica música de inspiração europeia mas com âncoras tímbricas lançadas a muitos outros pontos do globo, enquanto o DJing é protagonizado por Fuego y Tumbao e Riddim Sounds. Mais informações aqui.

04 dezembro, 2007

Blasted Mechanism, Terrakota, Tora Tora Big Band... Todos no Mundo Dakar


O Rally Dakar, organizado pelo Euromilhões, tem uma grande festa de apresentação marcada para este fim-de-semana, na zona ribeirinha de Santos, em Lisboa, transformada para o efeito num local «mítico» algures no deserto do Sahara, cheio de dunas, de camelos, de chá de menta, de tatuagens de hena, de comida do norte de África e de muitas músicas e muitos sons: concertos, no sábado, dia 8, com os Blasted Mechanism (na foto), Terrakota e Kumpa'nia Al-gazarra; e no domingo, dia 9, com a Tora Tora Biga Band, Orquestra de Jazz de Matosinhos e Led On (projecto de tributo aos Led Zeppelin). Em ambos os dias há sessões temáticas de DJing: «Músicas do Mundo» (com Raquel Bulha e, hermmmm, pois, António Pires) e «Rock do Asfalto ao Deserto» (com Luís Filipe Barros e António Freitas). O Mundo Dakar - assim se chama a iniciativa -, está aberto das 14h00 à meia-noite e inclui ainda uma exposição de motos, jipes e camiões participantes no Rally e outra de bólides clássicos.

03 dezembro, 2007

Sons em Trânsito - Tratados de Pastelaria Regional (e Global)


A última - e absolutamente maravilhosa - edição do Festival Sons em Trânsito terminou às tantas da manhã de sábado (já domingo), com uma prova aberta de doçaria regional aveirense e com os bolos a desaparecerem em pouquíssimos minutos. Eu, que tinha ido comprar tabaco à Praça do Peixe depois do fim do concerto do Capossela, já só rapei, digamos, o fundo ao tacho. Mas não me importei porque, na sala ao lado, a Raquel Bulha passava óptima música para dançar enquanto o José Carlos Fernandes desenhava e aguarelava as músicas e os músicos que se ouviam. Um docinho completo. Como de outros doces se pode falar em relação aos concertos todos (todos!) do festival.

Na quarta-feira, o imenso bolo de noiva cigano, com toques de zimbro, de canela e de pinhões da Fanfare Ciocarlia, festa imensa que não durou três dias mas durou o tempo de um concerto fabuloso - com a Fanfare a ser acompanhada pela rainha Esma Redzepova (abençoada voz!), pela princesa Florentina Sandu, pelos pagens Kaloome (a fazer a ponte entre os ciganos do sul e os do norte) e o gato das botas altas Jony Iliev - e um «after-hours» na rua, com os metais da Fanfare a bombarem dança e boa disposição durante muito tempo! Na quinta, com as castanhas assadas lisboetas que são os Deolinda, a queimarem nas mãos de tão novas e quentes que são, acompanhadas por um vinho novo que é um fado virado do avesso, alegre, vivo, simples e cheio de sentido de humor (as aletrias, perdão, as letras por Ana são deliciosas!). E, falando em letras, e aletrias, e aliterações, e frases feitas - as melhores frases feitas da música portuguesa -, Sérgio Godinho deu um concerto extraordinário, em que os inventivos e frescos arranjos de Nuno Rafael se estendem a canções novas (o «Só Neste País», repete-se aqui neste blog, devia ser o hino nacional) e antigas (de «O Charlatão» a «Quatro Quadras Soltas» ou ao delicioso e doce «O Primeiro Gomo da Tangerina», iluminadas por um som novo e actualíssimo.

Já na sexta, o degustar começou em África, com a música dulcíssima, lindíssima, com um travozinho de bom grogue, do compositor, guitarrista e cantor cabo-verdiano Tcheka, uma música sentida e pessoal que não é devedora de muita da música cabo-verdiana que nós conhecemos; antes uma música nova e que há-de, se tudo correr bem, ser importantíssima - só foi pena o concerto ter sido demasiado curto e ter, por isso, «sabido a pouco». Depois, um autêntico ovo mole, um concentrado explosivo e calórico inesperado com a anglo-francesa Jane Birkin: ela não canta quase nada, mas a maneira como interpreta (principalmente, as canções de Serge Gainsbourg, seu grande amor e o principal homenageado neste concerro) são de uma doçura, de uma candura, de uma simplicidade e de uma simpatia que é quase impossível não nos deixarmos encantar por ela. E o rebuçado que foi «O Leãozinho», de Caetano Veloso, desfez-se-nos na boca... E no sábado, a grande surpresa: o canadiano Gonzales (na foto), aqui em registo piano solo, num espectáculo em que a música erudita (ele é um pianista muitíssimo bom, virtuoso e divertidíssimo!) está lá, evidente ou como referência - de Chopin a Satie - mas estão lá também o «Somewhere Over The Rainbow» e... os Queen, os Bee Gees, os Soft Cell! Um cientista de luvas brancas na arte de preparar crepes em que os ingredientes são completamente inesperados. E, para final de festa, e para descongestionar de tanto doce, a cozinha ora pesada ora picante ora exótica ora feita de inúmeras nuances do italiano Vinicio Capossela, um fabuloso mestre-cozinheiro que doseia com sabedoria os momentos mais calmos (há canções de amor, mesmo canções de amor!, que são de uma beleza infinda), o humor («Maraja»), a música épica dos peplums («Al Colosseo») e o terror («Brucia Troia»). E há teatro - Capossela é também um performer (momento mais alto: quando se senta ao piano, abre um guarda-chuva e toda a gente na plateia começa a estalar os dedos imitando o som das gotas) e projecções (com imagens e... legendas em óptimo português) e uma banda competentíssima (onde brilha Vincenzo Vasi num theremin mágico). Saí do Teatro Aveirense e de Aveiro completamente alambazado mas com imensa vontade de repetir as doses todas...

27 novembro, 2007

Sons em Trânsito - Os Semáforos Passam a Verde Amanhã


O Festival Sons em Trânsito começa já amanhã, quarta-feira, no Teatro Aveirense, e logo com a celebração pan-europeia da grande família cigana presente em «Queens and Kings», o último álbum dos romenos Fanfare Ciocarlia, que em Aveiro se vão apresentar com muitos dos seus convidados que co-protagonizam este disco. Logo a seguir, na quinta-feira há concertos dos Deolinda - um dos mais interessantes novos projectos desviantes do fado - e de Sérgio Godinho, do qual basta dizer o nome para se saber ao que se vai. Na sexta-feira o palco é ocupado por um dos mais talentosos nomes da música cabo-verdiana, o cantor e guitarrista Tcheka, e pela diva anglo-francesa Jane Birkin, num espectáculo em que irá interpretar canções de Serge Gainsbourg (claro!) e dos álbuns «Rendez-vous» e «Fictions». Finalmente, na sexta, há concertos do canadiano Gonzales (num espectáculo para piano, câmara de filmar e... luvas) e do genial e inclassificável cantautor italiano Vinicio Capossela (na foto) e uma igualmente imperdível sessão de DJ de Raquel Bulha acompanhada pelos desenhos feitos em tempo real por José Carlos Fernandes, projecto nascido no MED de Loulé e agora já com nome: Disco Riscado. Mais informações aqui.

26 novembro, 2007

Lisboa Mistura - Um Espelho Musical da Cidade Aberta


Já por várias vezes, neste blog, se falou de Lisboa como local de confluência de pessoas - e, com elas, as suas culturas, as suas crenças, os seus sabores... - de todo o mundo. E esta semana, dias 29 e 30 de Novembro (sempre entre as 18h00 e as 23h00), os vários palcos do Teatro Municipal de S.Luiz, em Lisboa, vão receber variadíssimas propostas musicais e artísticas que são o reflexo dessas confluências e saudáveis contaminações entre povos e géneros musicais. É o Festival Lisboa Mistura, que apresenta no primeiro dia, quinta-feira, os Monte Lunai (com música e danças tradicionais europeias), Filipa Pais com Jon Luz (música de Cabo Verde e Portugal), o espectáculo multidisciplinar «À Noite o Sol (Negócios Estrangeiros)» - espectáculo de teatro, música, vídeo e literatura, com encenação de António Pires (não, não sou eu; é o meu homónimo actor e encenador), textos de Nuno Artur Silva e José Luís Peixoto, direcção musical de Carlos Martins, desenhos de António Jorge Gonçalves e participação de Mitó Mendes (A Naifa), Dmitry Bogomolov, Gina Tocchetto, D'Mars, DJ Ride, Armando Teixeira, Alexandre Frazão, André Fernandes e João Moreira, entre outros -, com a noite a terminar com uma sessão dos Afro Blue DJs. No segundo dia, sexta-feira, há lugar para o espectáculo de música e dança dos Batoto Yetu, para o concerto «Novos Sons» - resultado de workshops dirigidos pelos Cool Hipnoise, com projectos musicais de bairros periféricos de Lisboa como Flowsan, Mozifem, 100% BCV, Ritchaz & Keke, Kotalume e Os N'Gapas -, a Kumpa'nia Al-gazarra, Kalaf (na foto) com Nástio Mosquito - «Improviso poético do concreto à sanzala» -, Lil'John e a Orquestra d'O Estado do Mundo; terminando o festival com mais uma sessão especial de música e DJing, «Lis-Nave» - com os Cool Hipnoise, Júlio Resende 4teto, Nigga Poison, Janelo da Costa, Pedro Castro, Adriana Miki, Gabriel Gomes, Batoto Yetu e SP&Wilson, entre outros - e uma Festa Intercultural que reúne muitos dos participantes anteriores (e outros músicos) numa celebração global. O debate «Um novo olhar sobre Lisboa» (quinta-feira) e cardápios de muitos sabores no Café do S.Luiz completam a «ementa» deste festival organizado pela Sons da Lusofonia. Mais informações aqui.

23 novembro, 2007

Cromos Raízes e Antenas XXXII


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XXXII.1 - Johnny Clegg


O cantor, guitarrista e compositor Johnny Clegg tem uma história de vida riquíssima e marcou com bravura a história da música sul-africana e do activismo anti-apartheid, através do seu trabalho a solo e nas suas bandas Savuka e Juluka. Nascido em Rochdale, Inglaterra, em 1953, de origem judia, Clegg passa por Israel, Zâmbia e Zimbabué, antes de chegar à África do Sul, com apenas nove anos. Na adolescência, Clegg conhece Charlie Mizla, um zulu, com quem começa a tocar e a aprender os fundamentos da música desta etnia, música que foi a sua principal fonte de inspiração ao longo de toda a carreira. E desde muito cedo, por ser branco, aprendeu que o facto de tocar com e para negros lhe traria dissabores no futuro. Mas Clegg nunca desisitiu e, com Sipho Mchuno, forma o grupo multiracial Juluka, que deu depois origem aos Savuka (já sem Mchuno). É, justamente, um herói na África do Sul.


Cromo XXXII.2 - Leilía


Belo exemplo de como se consegue revivificar a música tradicional de uma região, as Leilía, de Santiago de Compostela, iniciam no Verão de 1989 uma curiosíssima e importante cruzada de recuperação de velhas cantigas galegas. Excelentes cantoras e percussionistas (todas elas são exímias na antiga arte das pandereteiras; a complexa maneira de tocar pandeireta na Galiza), as Leilía têm mostrado ao longo dos anos como se consegue permanecer fiel às raízes ao mesmo tempo que se pode enriquecer a música com outros arranjos e harmonias. Da sua discografia fazem parte os álbuns «Leilía» (1994), «I é Verdade i é Mentira» (1998), «Madama» (2003) e a colectânea «Son de Leilía» (2005), que reúne raridades e colaborações com os Milladoiro, o gaiteiro Budiño e os bretões Bleizi Ruz, entre outros.


Cromo XXXII.3 - La Bottine Souriante


Um dos mais importantes grupos folk do Quebeque - se não o mais importante -, La Bottine Souriante é uma trupe de alegres foliões que fazem de cada concerto e de cada disco uma festarola pegada. Com influências maiores na folk dita celta (da Bretanha mas também, naturalmente, da Irlanda , Escócia...) mas também no rock, country, blues, salsa e na música acadiana - de forte influência francesa, tanto em várias zonas do Canadá como no sul dos Estados Unidos, nomeadamente na zona «nobre» do cajun, a Louisiana -, o grupo tem como principal missão não deixar morrer as tradições do Quebeque, levando-as para o futuro. Nascidos em 1976, editam o seu primeiro álbum «Y'a Ben du Changement» em 1979 e, desde aí, já deram várias voltas ao mundo, aproveitando também para, através da sua música, passar a mensagem de um Quebeque livre e francófono.


Cromo XXXII.4 - Afro Celt Sound System


Saídos do sonho e da visão de um músico e produtor inglês, Simon Emmerson, os Afro Celt Sound System (aka Afro Celts) são por ele formados em 1992 com a ajuda do produtor e multi-instrumentista James McNally, do vocalista e letrista Iarla O Lionaird e do produtor e programador Martin Russell. A ideia: fundir de forma orgânica e inteligente a música «celta» com a música africana, tudo junto num caldo de electrónicas subtis e elegantes. Um sonho que se transformou em realidade quando Peter Gabriel lhes abriu as portas da Real World para a gravação do seu primeiro álbum, «Volume 1: Sound Magic» (1996). E para a Real World gravaram os seus cinco álbuns até agora - e com um leque de músicos impressionante neles arrolados: Johnny Kalsi, N'Faly Koyate, Robert Plant, Sinéad O'Connor, Davy Spillane, Peter Gabriel, Ayub Ogada. Um mundo.

22 novembro, 2007

Cadencia, Tomás San Miguel e Sweet Vandals - Música Espanhola no Cais do Sodré


E mais uma notícia «sacada» às Crónicas da Terra: o MusicBox, ao Cais do Sodré, recebe hoje, amanhã e depois três concertos com projectos musicais oriundos da vizinha Espanha, integrados na iniciativa «Espanha in MusicBox Lisboa», organizada pelo Instituto Cervantes e pelo próprio MusicBox. Os concertos arrancam esta noite com a banda de soul/funk Sweet Vandals, continuam amanhã, sexta-feira, com os sevilhanos que fundem elegantemente o flamenco com outras músicas Cadencia (na foto) e terminam no sábado com a presença do acordeonista basco Tomás San Miguel, acompanhado pelas Ttukunak, as conhecidas gémeas tocadoras de txalaparta, e pelo alemão Marlon Klein (dos Dissidenten). Paralelamente à música, nesta mostra de arte espanhola há lugar também para a exibição de curtas-metragens e a actuação de alguns DJs. Mais informações aqui.

21 novembro, 2007

Norberto Lobo, Pedro Jóia, Ricardo Parreira e Fernando Alvim - A Nossa Alma nas Cordas das Guitarras


Abençoado país este - e digo-o sem ponta nenhuma de nacionalismo serôdio e passadista - que estas músicas e estas emoções e estas guitarras tem (e que tem numa conjugação improvável: três guitarras acústicas «contra» uma guitarra portuguesa, mesmo que as acústicas às portuguesas vão beber a sua inspiração)! É tão bom ouvir estes discos que, entre versões (muitas) e originais (alguns) estão cheios de grande música. Música portuguesa, da melhor que alguma vez se ouviu ou re-ouviu: Pedro Jóia em tributo a Armandinho; Ricardo Parreira e Fernando Alvim em homenagem a Carlos Paredes e a outros guitarristas; e Norberto Lobo (na foto) a fazer de Carlos Paredes as pontes para muitas outras músicas.


PEDRO JÓIA
«À ESPERA DE ARMANDINHO»
HM Música

Ouvir «À Espera de Armandinho», de Pedro Jóia, é, só!, ouvir-se uma das mais belas homenagens que um músico pode fazer a outro músico (e compositor) seu antecessor. O álbum ouve-se e lá vai ele, fluindo, fluindo, entrando nos ouvidos como faca quente em manteiga. É tão bonita esta homenagem, em que um jovem músico presta tributo e vassalagem a Armandinho (Armando Freire Salgado, um dos mais importantes compositores para guitarra portuguesa e para fado de Lisboa da primeira metade do séc. XX). Neste álbum, todas as composições são de Armandinho (à excepção de «Maldito Fado», de Camané), transpostas, adaptadas, revivificadas para guitarra clássica - e não guitarra portuguesa, apesar de muitas vezes, ao ouvir-se «À Espera de Armandinho», não nos apercebermos da diferença entre os dois instrumentos (oiça-se «Fado Conde da Anadia», por exemplo), tal é o brilho transmitido às cordas da guitarra - por Pedro Jóia com um amor, uma sabedoria, uma execução técnica e uma alma ímpares. Nada que espante: Jóia é um dos melhores guitarristas portugueses, com escola feita no flamenco (o flamenco que por vezes ainda o assombra aqui, e bem, nomeadamente em «Variações em Lá menor II»), nos últimos anos residente no Brasil (onde tem feito parte da selecta banda acompanhante de Ney Matogrosso e onde «desenhou» este álbum) e o autor de outro fabuloso álbum de homenagem a outro mestre da guitarra portuguesa, este de Coimbra, Carlos Paredes (no álbum «Variações sobre Carlos Paredes»). E, se é bonito ter amor e respeito pela arte que ficou para trás, ainda é mais bonito tê-lo desta maneira, quando o amor e o respeito se conjugam com um brilhantismo enorme. (9/10)


RICARDO PARREIRA/FERNANDO ALVIM
«NAS VEIAS DE UMA GUITARRA»
HM Música

«E, se é bonito ter amor e respeito pela arte que ficou para trás...», escrevia-se aqui em cima e continua a escrever-se aqui, a propósito de outro álbum lindíssimo, este de um jovem executante de guitarra portuguesa, Ricardo Parreira, que fez uma viagem semelhante à de Jóia há alguns anos: ir em busca da música de Carlos Paredes - e de outros mestres da guitarra portuguesa como... Armandinho - e transportá-la para a actualidade: foi um risco enorme, assumido sem medos por um «miúdo» que, para além da diferença de (várias) gerações em relação aos compositores tinha outro «impedimento» em cima: a sua escola é a guitarra portuguesa de Lisboa e não a de Coimbra, de onde provém a maior parte do reportório do álbum «Nas Veias de Uma Guitarra». Mas o risco foi ultrapassado e o resultado, se não é sempre brilhante, é pelo menos mais uma grande prova de amor. A Carlos Paredes e a... Fernando Alvim, o homem da viola que acompanhou Paredes durante os seus anos de maior produção discográfica e que aqui acompanha - em belíssima forma apesar da sua avançada idade - Parreira, dando assim a sua bênção a esta aventura que tem, muito justamente, o sub-título de «Homenagem a Fernando Alvim». No álbum há composições de Artur Paredes (uma), Carlos Paredes (cinco), Afonso Correia Leite (uma), Armandinho (uma), José Nunes (duas), Francisco Carvalhinho (uma) e do homenageado Fernando Alvim (uma). E o resultado é, quase sempre, um encantamento permanente pela forma como um discípulo ouve (e interage!) com os seus mestres. (8/10)


NORBERTO LOBO
«MUDAR DE BINA»
BorLand

Diga-se desde já, e para não haver confusões, que «Mudar de Bina», o primeiro álbum a solo de Norberto Lobo (membro dos Norman e dos Munchen), é para mim o melhor álbum português deste ano e, se lhe quiser puxar mais um bocadinho pelo lustro (mais que merecido!), o melhor álbum português de muitos dos últimos anos. E digo-o em plena consciência das minhas faculdades mentais, podendo jurar por ele em tribunal. «Mudar de Bina» é um álbum simples - e simples na mesma acepção de «Uma História Simples» de David Lynch - e quase fácil e estupidamente explicável numa crítica discográfica: em «Mudar de Bina» há uma guitarra acústica, a de Norberto Lobo, sempre, uma guitarra acústica em que há ecos de Carlos Paredes (não muitos mas os suficientes para que o título do álbum e outras coisas lá dentro façam sentido), Nick Drake, John Fahey, Leonard Cohen, Sérgio Godinho, The Beatles, Neil Young (fase «Harvest»), Papa M (e outros da pandilha alt-country e/ou rock indie lo-fi e/ou neo-folk), Django Reinhardt, Bert Jansch... Isto é, os melhores ecos que um guitarrista poderia ter! E o tema «Mudar de Bina» - «bina» é petit-nom para bicicleta - é apenas vagamente inspirado em «Mudar de Vida», de Carlos Paredes, enquanto a versão aqui presente do próprio «Mudar de Vida» é uma declaração de amor, uma coisa linda e viva e frágil e bela, que leva o tema do mestre da guitarra portuguesa para o Oriente e para uma country marada e para a estratosfera... Num álbum constituído na sua maioria por originais ainda há lugar, para além de «Mudar de Vida», de Paredes, para dois temas tradicionais - «Cantiga da Ceifa» e «Ó Ribeira» - tocados, obviamente, de forma não tradicional, mas a fazer pontes entre a música alentejana (se se preferir, a música portuguesa), o flamenco e a música árabe... E ao longo do álbum há imperfeições, falhas, notas ao lado mas que soam tão bem, assim como soam bem o «corta» e o contrabaixo do primeiro tema, o canto dos pássaros e o som dos automóveis lá mais para a frente. E há uma slide-guitar - tocada a faca afiada??? - a encher de dissonâncias os blues do fabuloso «Jogo do Bicho». E há uma guitarra free em «Festa do Fim da Folque» (sim, o título é irónico) e há uma luz imensa no matinal e lindíssimo «Laura» (marcado pelo cantar de galos e por sinos e por uma música que nunca antes se tinha ouvido - apesar das alusões a Penguin Cafe Orchestra e... ao «Natal dos Simples» de José Afonso? - ou, pelo menos, que nunca antes se tinha ouvido desta maneira até aqui). É uma maravilha, este álbum! (10/10)

20 novembro, 2007

Musidanças - É Já Esta Semana!


Uma notícia genérica sobre o Musidanças já tinha ficado aqui publicada há algumas semanas, mas desta vez - e aproximando-se rapidamente o início desta celebração da Lusofonia - aqui fica outra mais alargada e com as datas de todos os concertos: a edição deste ano do Musidanças - Festival de Artes do Mundo Lusófono decorre de 22 de Novembro a 1 de Dezembro, no Institut Franco-Portugais, em Lisboa. No arranque, dia 22, há concertos de Braima Galissa (Guiné-Bissau) e Terrakota (Portugal/Angola/Itália), dia 23 de Pascoal Silva (Cabo Verde) e Jovens do Hungu(Angola); dia 24 de Fernando Terra (Brasil) e Dazkarieh (Portugal; na foto); dia 29 é o Dia Musidanças com um super-grupo formado para a ocasião que reúne André Cabaço (Moçambique), Guto Pires (Guiné-Bissau), Lindú Mona (Angola), Francisco Naia (Portugal) e Tonecas (S. Tomé), havendo ainda teatro-dança por Robson Vieira; dia 30 há mais concertos com Puzzle (Portugal) e Melo D (Angola); e dia 1, o festival encerra com espectáculos de Jorge Dissonnancia (Brasil) e Uxía (Galiza) e um recital de poesia de Elsa de Noronha. Paralelamente, o festival integra uma exposição de pintura de Lívio de Morais - que também dará uma conferência sobre máscaras africana tradicionais - e workshops por Elsa de Noronha, Rosana António, Robson Vieira e Cláudio Silva. Mais informações aqui.

19 novembro, 2007

Couple Coffee - De Tamanquinhas no CCB


Na minha humilde opinião, o melhor álbum de homenagem a José Afonso - entre os muitos que foram editados este ano - tem o nome de «Co'as Tamanquinhas do Zeca» e é assinado pelo duo brasileiro Couple Coffee, Luanda Cozzetti (voz) e Norton Daiello (baixo eléctrico), neste álbum acompanhados por Sérgio Zurawsky (guitarra eléctrica)e Ruca Rebordão (percussões). E é esta formação, Couple Coffee & Band - reforçada com um convidado de peso, Júlio Pereira - que vai apresentar novamente o fabuloso espectáculo baseado neste álbum (o segundo do grupo, depois de «Puro»), amanhã, dia 20 de Novembro, desta vez no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Um espectáculo imperdível, com as canções de José Afonso a serem sujeitas a transformações, torções, invenções que, longe de as desvirtuar, lhes dão um brilho e uma vivacidade completamente novos. Mais informações aqui e aqui.

16 novembro, 2007

Cromos Raízes e Antenas XXXI


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XXXI.1 - The Pogues


The Pogues! Diz-se o nome e ouve-se logo a música: aquela música que tanto deve à folk de inspiração «celta» quanto ao punk, com uma energia imensa e uma beleza irrepetível... The Pogues! Diz-se o nome e ouvimos logo a voz de Shane MacGowan e o acordeão, o violino, o bandolim, a tin whistle a meterem-se pela chinfrineira rock adentro... The Pogues! Banda (bando!) de londrinos, muitos deles com raízes irlandesas, que começa em 1982 o seu trajecto sob a designação Pogue Mahone (que significa, em gaélico, «beija o meu cu»), os Pogues sempre se preocuparam em dar importância igual às suas canções de intervenção política, a baladas recuperadas à tradição e a fazer uma música única, pessoal, enorme!, em que o «celtismo» e o rock se cruzavam, de outras vezes, com a country, o cajun ou a música latino-americana. Separaram-se em 1996 (nessa altura já sem Shane) e reagruparam-se, para concertos dispersos, em 2001 (felizmente, com Shane).


Cromo XXXI.2 - Putumayo


Muitas vezes criticada por ser uma editora light que faz compilações «fáceis» e nem sempre exemplares de world music, a nova-iorquina Putumayo é, mesmo assim, uma das melhores portas de entrada de milhões e milhões de pessoas em todo o mundo para... as músicas do mundo. Fundada por Dan Storper em 1975 como uma empresa de roupa, a Putumayo transforma-se em 1993, via Michael Kraus, numa editora de sucesso. Colectâneas temáticas e conceptuais de muitas e variadas músicas - e um design gráfico coerente, comum a todos os discos, de Nicola Heindl - tornaram a Putumayo uma editora famosa não só em lojas de discos mas também em lojas de roupas, livros e até cafés um pouco por todo o mundo. Desde há alguns anos tem dois selos associados: a Putumayo Kids (colecções globais de música para crianças) e a Cumbancha (a editora dos Ska Cubano, The Idan Raichel Project e Andy Palacio).


Cromo XXXI.3 - Ofra Haza


Diva global improvável - e improvável porque vinda de um lugar, digamos, exótico e de uma arte que unia dois mundos desavindos -, a cantora israelita Ofra Haza tornou-se, mercê da sua apresentação num Festival Eurovisão da Canção (em 1983), numa mulher conhecida em todo o mundo. Ofra Haza (de nome completo Bat Sheva' Ofra Haza Bat Shoshana, nascida a 19 de Novembro de 1957 em Tel Aviv, Israel; falecida a 23 de Fevereiro de 2000, em Ramat Gan, Israel) era de origem iemenita, mais precisamente, de judeus radicados no estado árabe do Iémen. E a sua música reflectiu sempre essa dualidade: com um pé em Israel e outro nos países muçulmanos «inimigos»; e com um pé na tradição e outro na modernidade e numa música feita com recurso às electrónicas e a sonoridades ocidentais. A sua imparável e riquíssima carreira como cantora começou em 1980 e terminou vinte anos depois, numa trágica morte provocada pela SIDA.


Cromo XXXI.4 - Radio Tarifa


Às vezes há músicas tão próximas que não damos conta delas, por serem demasiado próximas e por serem tão óbvias as suas ligações. Mas os espanhóis, de Madrid, Radio Tarifa tiveram a inteligência e a arte suficientes para descobrir os elos escondidos entre a música espanhola (nomeadamente o flamenco) e a música do norte de África. Logo no seu primeiro álbum, «Rumba Argelina», de 1993, estabeleceram uma ponte que veio para ficar (de Espanha para o Magrebe e vice-versa) e que, de tão óbvia que é, estranho é ninguém a ter feito antes. Fundados no final dos anos 80 pelo vocalista e letrista Benjamín Escoriza, o guitarrista, percussionista e arranjador Faín S. Dueñas e o saxofonista Vincent Molino, os Radio Tarifa deixaram, em quatro álbuns de originais, uma música nova, excitante e valiosa que parece ter tido um fim: Escoriza lançou em 2006 o seu primeiro álbum a solo, «Alevanta!», e os Radio Tarifa entraram em «hibernação».