11 dezembro, 2007
Madredeus - Uma Homenagem ao Passado e Um Voto Para o Futuro
Há alguns dias, Teresa Salgueiro anunciou oficialmente a sua saída dos Madredeus para se dedicar à sua carreira a solo, uma carreira que, em apenas um ano, se repartiu por três projectos: um álbum com canções brasileiras, «Você e Eu», outro com clássicos de sempre da música mundial, «La Serena», e, mais recentemente, a obra de grande fôlego «Silence, Night & Dreams», do compositor polaco Zbigniew Preisner. Paralelamente, Pedro Ayres Magalhães, o líder, guitarrista e principal compositor do grupo, confirmou a saída de Teresa Salgueiro e adiantou ainda que também o guitarrista José Peixoto e o baixista Fernando Júdice (ambos envolvidos no Sal) lhe tinham comunicado a sua saída do grupo no Verão deste ano. Nos Madredeus restam, portanto, Pedro Ayres e o teclista Carlos Maria Trindade (velhos companheiros dos longínquos tempos dos Corpo Diplomático e dos Heróis do Mar), que, aparentemente, querem seguir com os Madredeus como um projecto vivo e actuante, pondo Pedro Ayres a hipótese de o grupo continuar com outros músicos... e uma outra cantora. Acho bem!
Há quem não imagine os Madredeus sem Teresa Salgueiro... Mas porque não? Se bem me lembro, a Resistência, outra invenção de Pedro Ayres que contava com uma série de homens a cantar (Tim, Miguel Ângelo, Olavo Bilac, Fernando Cunha, o próprio Pedro Ayres...) até começou, na sua primeira encarnação, com três cantoras (a Filipa Pais, a Anabela Duarte e a Teresa Salgueiro, que protagonizaram o primeiro concerto da Resistência na Feira do Livro de Lisboa, em 1990). E, quer se queira quer não, os Madredeus sempre foram mais Pedro Ayres - e, no início, mais Pedro Ayres e Rodrigo Leão - do que Teresa Salgueiro, uma excelentíssima cantora, sim!, mas sempre posta ao serviço de uma ideia de música. Uma ideia que pôs a música tradicional portuguesa (da música urbana, o fado, a músicas rurais) em contacto com muitas outras músicas: a pop, a bossa-nova, a música cabo-verdiana, a escola minimal-repetitiva, a elegância posta ao serviço da world music tal como estabelecido pela Penguin Cafe Orchestra. E, numa altura em que se começava a falar, exactamente, de world music, os Madredeus levaram a música portuguesa aos maiores palcos mundiais, com um profissionalismo e - muitas vezes - uma capacidade de sacrifício notáveis. Há quem, na música e na cultura portuguesa, tenha visto passar os comboios. Os Madredeus não; apanharam-no logo e não só ocuparam a carruagem da frente como foram muitas vezes a locomotiva para que outros pudessem vir atrás: Dulce Pontes, Cristina Branco, Mariza, etc, etc... devem aos Madredeus terem depois tirado bilhetes de primeira classe para essas mesmas viagens. E nem Amália, a maquinista-pioneira deste comboio, levou alguma vez a música portuguesa tão longe quanto eles.
Sempre gostei mais dos Madredeus da primeira fase: a riqueza tímbrica dada por um leque alargado de instrumentos - a voz de Teresa, a guitarra de Pedro, o sintetizador de Rodrigo, o acordeão de Gabriel Gomes, o violoncelo de Francisco Ribeiro (numa mistura inusual de instrumentos clássicos, eléctricos e populares que depois se tornou quase um paradigma de muitas bandas portuguesas e estrangeiras) -, a simplicidade melódica das primeiras composições e o arrebatamento de uma música nova dos primeiros anos nunca depois foi igualado. E, nos últimos anos dos Madredeus, notava-se o cansaço daquilo tudo: da «fórmula», dos músicos, da voz de Teresa. E, se calhar, a saída de José Peixoto (extraordinário guitarrista), de Fernando Júdice (baixista da melhor escola) e da diva-musa-cantora Teresa Salgueiro foi o melhor que poderia ter acontecido aos Madredeus.
Há uma lenda que circula no meio musical português e que dá conta da existência de um baú - de uma espécie de «arca do tesouro» - em que Pedro Ayres tem guardadas centenas de canções originais, à espera de ver a luz do dia. Não se sabe se é verdade - é essa a força das lendas! - mas acredito que sim, que esse baú existe e, se não com centenas, com algumas dezenas de composições. Na minha humilde opinião, Pedro Ayres Magalhães é o maior e melhor compositor português dos últimos vinte anos. E, para além de compositor, um homem de ideias, de luzes, de missões a cumprir. Acredito - e faço votos para - que os Madredeus vão continuar, rejuvenescidos, com música e músicas novas - músicas saídas do cérebro de Pedro Ayres e de Carlos Maria, ele também um compositor talentoso -, com outra voz, com outros músicos. E com um novo sopro de vida. A música portuguesa precisa deles. Precisou há vinte anos. Precisa agora, ainda.
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12 comentários:
Caro António,
Sou um dos que não imaginam o Madredeus sem a Teresa. Aquela voz vai fazer falta se continuarem mas nunca se sabe.
Carlos R.
Carlos:
Respeito a tua opinião, claro!, mas não concordo, tal como se pode perceber perfeitamente pelo meu post. Considero a Teresa Salgueiro uma das melhores cantoras portuguesas - e admiro profundamente a sua perseverança e espírito de sacrifício ao longo destas mais de duas décadas de trabalho com os Madredeus - mas repito a ideia do post: acho que os Madredeus têm ainda um longo caminho a percorrer, mesmo sem ela.
Um grande abraço...
"Pedro Ayres Magalhães é o maior e melhor compositor português dos últimos vinte anos." o que esta doeu!!! Tanto pela verdade, como pela fatalidade (ó que fado) de pensar no próximo passo.
Com ou sem Teresa Salgueiro, the show must go on!
Trojan00:
Então concordas (mesmo doendo). Mas aceito «contraditório» ;)
Um grande abraço...
"Pedro Ayres Magalhães é o maior e melhor compositor português dos últimos vinte anos"
______
e vai continuar ...
a renovação é um desafio
Bj*
Isabel Victor:
Também acredito que sim! :)
Bj*
Eu também não imaginava os Madredeus sem a Teresa Salgueiro, pelo menos até começar a ler o teu texto. As razões e motivações que referes e a forma optimista com que vês a renovação do grupo ajudam muito a sentir menos o choque da notícia.
Beijos
MGB:
E «renovação» é mesmo a palavra-chave disto tudo :)))
Beijos...
Caro António,
Belo "epitáfio" (pelo menos para esta formação) para este grupo importantíssimo na história da MMP e muito bem lembrada a influência da Penguin Café Orquestra no projecto-fusão. Nesta semana houve três concertos desta Orquestra (ainda com quatro membros da formação original) em Londres para comemorar os 10 anos do desaparecimento do fundador Simon Jeffes (como vi no site hoje, ou seja um dia depois do último concerto...; estive em Antuérpia na semana passada, ainda podia ter ido, caramba!).
Em relação aos Madredeus: mesmo algo tardia uma boa decisão, os músicos ainda têm muito para dar em outros projectos, sem dúvida.
Caro Rini:
Obrigado!, mas não queria que este texto fosse, de alguma maneira, um «epitáfio» exactamente porque acho que todos eles - incluindo a Teresa - têm muito para dar à música. E não sabia desses concertos da Penguin Cafe Orchestra... Era tão bom que ela voltasse, mesmo sem o mentor desaparecido há dez anos!!! Ainda me lembro de um concerto deles no S.Luiz, há quinze anos?, em que o violoncelista passou a primeira parte toda com uma frondosa peruca loira (mas quem é aquela rapariga gira?, perguntava-se no público) e havia uma lata de coca-cola dançante e de óculos escuros em cima do piano de cauda :))
Eu queria conhecer Pedro Ayres Magalhaes...Eu não imaginava os Madredeus sem a Teresa Salgueiro mas quando a Teresa estêve sozinho eu compreendi que eu amo o madredeus também sem ela...Teresa não é Teresa sem madredeus mas a música dos madredeus é Pedro, também com uma outra cantora. Lamento para meu terrivel falar portugues eu queria dizer outres coisas mas nao pode esprimir-me bem...
eu sou triste de este adeus...
Samalugi
Samalugi:
Expressou-se muito bem em português!!... E acho que todos nós partilhamos a mesma tristeza em relação a esta notícia! Mas, como escrevo neste post, há razões para termos esperança para o futuro: o futuro da Teresa Salgueiro e o futuro dos Madredeus :)
Um abraço...
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