21 dezembro, 2007

Colecção do Fado - Protocolo Finalmente Assinado


Seis anos depois do início das negociações, foi hoje finalmente assinado o protocolo entre as partes portuguesas e o coleccionador inglês Bruce Bastin, para a compra efectiva da colecção de oito mil gravações de fado (e de canções populares, de teatro de revista e outras) do início do Séc. XX que estão na posse do referido coleccionador. É uma excelente notícia para a música portuguesa! Uma notícia que, tendo como fonte a agência Lusa, aqui transcrevo na íntegra:

«A palavra "satisfação" foi a mais ouvida hoje em Lisboa após a assinatura do protocolo que garante a compra pelo Estado português da colecção de 8.000 discos de música portuguesa do britânico Bruce Bastin. A ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, o secretário de Estado da Cultura, o representante da EGEAC, o presidente do Instituto dos Museus e da Conservação (IMC), e o próprio coleccionador abriram os seus discursos afirmando-se satisfeitos por este processo de seis anos ter chegado ao fim. Isabel Pires de Lima referiu-se mesmo a "seis anos de peripécias, de recuos e avanços". O espólio, adquirido por 1,1 milhões de euros, irá agora ser inventariado por uma comissão de peritos, ainda não constituída, que tem 50 dias para determinar se o espólio corresponde ao valor efectivo afirmado pelo coleccionador. O secretário de Estado da Cultura, Mário Vieira de Carvalho, disse à Lusa que o espólio ficará temporariamente no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, que "tem as condições necessárias para a sua preservação", e que a estrutura de trabalho ficará no Palácio Foz, onde foi hoje assinado o protocolo. Em declarações à agência Lusa, Bruce Bastin afirmou hoje que "continuará de olho na colecção e no seu desenvolvimento", e que o musicólogo José Moças será o seu representante naquela comissão. Os outros representantes terão de ser nomeados pela EGEAC (Empresa municipal de Gestão dos Equipamentos e Animação Cultural) e pelo Ministro da Cultura através do IMC. Quanto ao acesso futuro da colecção que "ficará disponível a investigadores e público em geral", o ICM terá ainda que efectivar um protocolo com a EGEAC, disse à Lusa o presidente do Instituto, Manuel Bairrão Oleiro. "A EGEAC não perde nunca a propriedade do espólio mas terá que ser feito um protocolo que o entregue à salvaguarda do Museu da Música e Arquivo do Som", disse Bairrão Oleiro. O coleccionador afirmou-se "satisfeito" por a colecção vir para Portugal, "onde pertence e deve ser mantida, pois não faz qualquer sentido ficar em Inglaterra". O Ministério da Cultura participou com 400.000 euros na compra deste espólio, tal como a Câmara de Lisboa através da EEAC, e os restantes 300.000 euros foram assegurados por um mecenas, que permanece anónimo. Os primeiros 5.000 discos deverão chegar até 15 de Janeiro e os restantes 3.000 posteriormente. "Caso a avaliação não corresponda ao esperado, o Estado poderá denunciar o protocolo", disse à Lusa fonte ligada ao processo. O musicólogo José Moças, que desde a primeira hora tem estado ligado a este processo através do coleccionador inglês, disse que os membros da comissão avaliadora "se irão surpreender com o que vão encontrar". Entre as "raridades" encontram-se registadas em 78 rotações as vozes das lendárias Júlia Florista e Júlia Mendes, das mais insignes da tradição fadista. Entre a assistência estavam a directora do Museu da Música, Maria Helena Trindade, e a gestora do Museu do Fado, Sara Pereira».

E, horas depois, a Lusa continuou a história com mais esta notícia: «O coleccionador inglês Bruce Bastin, que hoje assinou em Lisboa o protocolo da venda da sua colecção de discos de música portuguesa a Portugal, afirmou à Lusa estar "satisfeito por estes virem para onde devem estar". Os 8.000 registos são "apenas uma parte" da sua colecção, que inclui outros estilos musicais como tango, blues e rabética (*). Aliás, o coleccionador considera que estes estilos musicais "são idênticos" mas, ao contrário destes, o fado "permaneceu igual a si próprio desde as origens até aos dias de hoje", e foi isso que o "fascinou". "O tango e o blues, por exemplo, estão hoje muito diferentes e o que é fascinante é ver que fados mais antigos continuam hoje a ser cantados e qualquer pessoa os canta e sabe", disse. Em declarações à Lusa, Bruce Bastin afirmou que começou esta colecção de discos portugueses "há 20 anos, por intermédio de um amigo investigador". Bastin gosta da forma como se cantava fado "nos primórdios". "Fascinam-me aquelas vozes e a entrega que têm em cada tema que cantam, e simplesmente acompanhadas à guitarra e à viola, sem mais nada", disse. "O mais perto dos dias de hoje que aprecio, em termos cronológicos, é Amália Rodrigues que é de facto imbatível e extraordinária", acrescentou. Reconhece que não "percebe as letras" mas "arrepia-se" quando ouve certas vozes como Maria Alice, Maria Silva ou Maria do Carmo Torres. O coleccionador não ouve hoje tanto fado como ouvia há dez anos atrás, até porque prefere a audição de discos de baquelite e vinil. Bastin afirmou que fica "sossegado" quanto ao futuro da colecção, pois "Portugal tem os meios necessários para a preservar e permitir que se oiça". A colecção irá ficar no futuro Museu da Música e Arquivo de Som, que além destes 8.000 registos irá albergar também "outros espólios de entidades, designadamente da RDP", disse Vieira de Carvalho. A ministra reconheceu, por seu turno, que em termos de registos sonoros "nem tudo está tão bem tratado em termos sistemáticos como deve ser", mas que essa situação será "ultrapassada" com o novo equipamento cultural. Segundo o coleccionador, metade dos discos comprados são de fado e os restantes de canções, teatro de revista e até folclore».

(*) O jornalista da Lusa deve estar, com a palavra «rabética», a referir-se à rembetika grega.


A imagem que encima este post (de um dos discos da colecção) foi retirada do blog 78 Rotações, de José Moças, que explica muito deste processo todo e do que é a colecção.

5 comentários:

Anónimo disse...

É extraordinário que se comprem 8.000 discos de música portuguesa, gravada em Portugal, por 1.1 milhão de euros e haja uma clausula de "denúncia do protocolo, caso a avaliação não corresponda ao esperado". Porquê, há dúvidas? Então o que andaram a fazer os intermediários deste negócio durante seis anos? Não conhecem o espólio?
De acordo com Bruce Bastin, só metade da colecção são discos de fados (a mais valiosa). A outra metade, serão marchas e canções de revistas (presume-se que de décadas posteriores). Mas então, não existem essas gravações no Museu do Teatro, no Museu do Fado e em colecções particulares portuguesas?
Porquê comprar 8.000 discos, quando só 4.000 interessam? Por 1.1 milhão de euros?
Dizem alguns "experts" que estas coisas não têm preço. Depende de quem as paga.
Para Bruce Bastin (resta saber se para mais alguém) foi um bom negócio. Como diriam os ingleses: "not bad at all"...

Rui Mota

António Pires disse...

Rui Mota:

Pois, também achei estranha essa cláusula de «denúncia do protocolo»... Já quanto ao valor da transacção, estou com aqueles que acham que uma coisa destas «não tem preço». E acho que muitas das marchas, temas de «folclore» e canções de revista são também do início do Séc. XX. Como amante de música, congratulo-me que a colecção fique em Portugal e, mais ainda, estou ansioso por ouvir muito do que por ali está (sei que o trabalho de pesquisa, catalogação e edição em CD vai levar bastante tempo - talvez anos - mas estou desejoso de lhe pôr os «ouvidos» em cima).

Um abraço

Rui Mota disse...

Também fiquei satisfeito por a colecção ter vindo para Portugal. No entanto, e antes de "embandeirarmos em arco", acho mais avisado esperar pela opinião dos "avaliadores". Muitos daqueles discos foram editados pelas "majors" inglesas, representadas mais tarde em Portugal pela defunta Valentim de Carvalho. Na década de setenta, o "fado", como tudo o que cheirava a "fascismo", foi desprezado e o Bruce comprou os discos ao kilo. Nada a censurar. Ele não tem culpa que os portugueses não cuidem da sua memória. O que já me parece duvidoso é não existirem muitas daquelas gravações à disposição do governo português nas colecções do Museu de Teatro (Marchas, Fado de Revista), Museu do Fado (idem, dito) e RDP/Emissora Nacional (Folclore).
De resto, como bem sabemos, tanto o "folclore", como as "marchas", são produtos artificiais criados na década de trinta pelo António Ferro. Não estamos a falar de gravações inéditas do princípio do século (o grande argumento para comprar a colecção), mas de gravações dos anos 30/40.
Que o Bruce Bastin queira vender a colecção por atacado, pois só assim pode pedir 1.1 milhão de euros, é fácil de perceber. Para ele foi um "negócio leonino".
Que o Ministério da Cultura não tenha investigado se já existiam muitas daquelas gravações em Portugal, parece-me muito mais grave. Duvido mesmo que metade da colecção tenha o valor que se lhe atribui. Cá estaremos para ver.

RM

Bandida disse...

para te deixar beijos.


B.

António Pires disse...

E outros para ti :)

A.