27 novembro, 2007

Sons em Trânsito - Os Semáforos Passam a Verde Amanhã


O Festival Sons em Trânsito começa já amanhã, quarta-feira, no Teatro Aveirense, e logo com a celebração pan-europeia da grande família cigana presente em «Queens and Kings», o último álbum dos romenos Fanfare Ciocarlia, que em Aveiro se vão apresentar com muitos dos seus convidados que co-protagonizam este disco. Logo a seguir, na quinta-feira há concertos dos Deolinda - um dos mais interessantes novos projectos desviantes do fado - e de Sérgio Godinho, do qual basta dizer o nome para se saber ao que se vai. Na sexta-feira o palco é ocupado por um dos mais talentosos nomes da música cabo-verdiana, o cantor e guitarrista Tcheka, e pela diva anglo-francesa Jane Birkin, num espectáculo em que irá interpretar canções de Serge Gainsbourg (claro!) e dos álbuns «Rendez-vous» e «Fictions». Finalmente, na sexta, há concertos do canadiano Gonzales (num espectáculo para piano, câmara de filmar e... luvas) e do genial e inclassificável cantautor italiano Vinicio Capossela (na foto) e uma igualmente imperdível sessão de DJ de Raquel Bulha acompanhada pelos desenhos feitos em tempo real por José Carlos Fernandes, projecto nascido no MED de Loulé e agora já com nome: Disco Riscado. Mais informações aqui.

26 novembro, 2007

Lisboa Mistura - Um Espelho Musical da Cidade Aberta


Já por várias vezes, neste blog, se falou de Lisboa como local de confluência de pessoas - e, com elas, as suas culturas, as suas crenças, os seus sabores... - de todo o mundo. E esta semana, dias 29 e 30 de Novembro (sempre entre as 18h00 e as 23h00), os vários palcos do Teatro Municipal de S.Luiz, em Lisboa, vão receber variadíssimas propostas musicais e artísticas que são o reflexo dessas confluências e saudáveis contaminações entre povos e géneros musicais. É o Festival Lisboa Mistura, que apresenta no primeiro dia, quinta-feira, os Monte Lunai (com música e danças tradicionais europeias), Filipa Pais com Jon Luz (música de Cabo Verde e Portugal), o espectáculo multidisciplinar «À Noite o Sol (Negócios Estrangeiros)» - espectáculo de teatro, música, vídeo e literatura, com encenação de António Pires (não, não sou eu; é o meu homónimo actor e encenador), textos de Nuno Artur Silva e José Luís Peixoto, direcção musical de Carlos Martins, desenhos de António Jorge Gonçalves e participação de Mitó Mendes (A Naifa), Dmitry Bogomolov, Gina Tocchetto, D'Mars, DJ Ride, Armando Teixeira, Alexandre Frazão, André Fernandes e João Moreira, entre outros -, com a noite a terminar com uma sessão dos Afro Blue DJs. No segundo dia, sexta-feira, há lugar para o espectáculo de música e dança dos Batoto Yetu, para o concerto «Novos Sons» - resultado de workshops dirigidos pelos Cool Hipnoise, com projectos musicais de bairros periféricos de Lisboa como Flowsan, Mozifem, 100% BCV, Ritchaz & Keke, Kotalume e Os N'Gapas -, a Kumpa'nia Al-gazarra, Kalaf (na foto) com Nástio Mosquito - «Improviso poético do concreto à sanzala» -, Lil'John e a Orquestra d'O Estado do Mundo; terminando o festival com mais uma sessão especial de música e DJing, «Lis-Nave» - com os Cool Hipnoise, Júlio Resende 4teto, Nigga Poison, Janelo da Costa, Pedro Castro, Adriana Miki, Gabriel Gomes, Batoto Yetu e SP&Wilson, entre outros - e uma Festa Intercultural que reúne muitos dos participantes anteriores (e outros músicos) numa celebração global. O debate «Um novo olhar sobre Lisboa» (quinta-feira) e cardápios de muitos sabores no Café do S.Luiz completam a «ementa» deste festival organizado pela Sons da Lusofonia. Mais informações aqui.

23 novembro, 2007

Cromos Raízes e Antenas XXXII


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XXXII.1 - Johnny Clegg


O cantor, guitarrista e compositor Johnny Clegg tem uma história de vida riquíssima e marcou com bravura a história da música sul-africana e do activismo anti-apartheid, através do seu trabalho a solo e nas suas bandas Savuka e Juluka. Nascido em Rochdale, Inglaterra, em 1953, de origem judia, Clegg passa por Israel, Zâmbia e Zimbabué, antes de chegar à África do Sul, com apenas nove anos. Na adolescência, Clegg conhece Charlie Mizla, um zulu, com quem começa a tocar e a aprender os fundamentos da música desta etnia, música que foi a sua principal fonte de inspiração ao longo de toda a carreira. E desde muito cedo, por ser branco, aprendeu que o facto de tocar com e para negros lhe traria dissabores no futuro. Mas Clegg nunca desisitiu e, com Sipho Mchuno, forma o grupo multiracial Juluka, que deu depois origem aos Savuka (já sem Mchuno). É, justamente, um herói na África do Sul.


Cromo XXXII.2 - Leilía


Belo exemplo de como se consegue revivificar a música tradicional de uma região, as Leilía, de Santiago de Compostela, iniciam no Verão de 1989 uma curiosíssima e importante cruzada de recuperação de velhas cantigas galegas. Excelentes cantoras e percussionistas (todas elas são exímias na antiga arte das pandereteiras; a complexa maneira de tocar pandeireta na Galiza), as Leilía têm mostrado ao longo dos anos como se consegue permanecer fiel às raízes ao mesmo tempo que se pode enriquecer a música com outros arranjos e harmonias. Da sua discografia fazem parte os álbuns «Leilía» (1994), «I é Verdade i é Mentira» (1998), «Madama» (2003) e a colectânea «Son de Leilía» (2005), que reúne raridades e colaborações com os Milladoiro, o gaiteiro Budiño e os bretões Bleizi Ruz, entre outros.


Cromo XXXII.3 - La Bottine Souriante


Um dos mais importantes grupos folk do Quebeque - se não o mais importante -, La Bottine Souriante é uma trupe de alegres foliões que fazem de cada concerto e de cada disco uma festarola pegada. Com influências maiores na folk dita celta (da Bretanha mas também, naturalmente, da Irlanda , Escócia...) mas também no rock, country, blues, salsa e na música acadiana - de forte influência francesa, tanto em várias zonas do Canadá como no sul dos Estados Unidos, nomeadamente na zona «nobre» do cajun, a Louisiana -, o grupo tem como principal missão não deixar morrer as tradições do Quebeque, levando-as para o futuro. Nascidos em 1976, editam o seu primeiro álbum «Y'a Ben du Changement» em 1979 e, desde aí, já deram várias voltas ao mundo, aproveitando também para, através da sua música, passar a mensagem de um Quebeque livre e francófono.


Cromo XXXII.4 - Afro Celt Sound System


Saídos do sonho e da visão de um músico e produtor inglês, Simon Emmerson, os Afro Celt Sound System (aka Afro Celts) são por ele formados em 1992 com a ajuda do produtor e multi-instrumentista James McNally, do vocalista e letrista Iarla O Lionaird e do produtor e programador Martin Russell. A ideia: fundir de forma orgânica e inteligente a música «celta» com a música africana, tudo junto num caldo de electrónicas subtis e elegantes. Um sonho que se transformou em realidade quando Peter Gabriel lhes abriu as portas da Real World para a gravação do seu primeiro álbum, «Volume 1: Sound Magic» (1996). E para a Real World gravaram os seus cinco álbuns até agora - e com um leque de músicos impressionante neles arrolados: Johnny Kalsi, N'Faly Koyate, Robert Plant, Sinéad O'Connor, Davy Spillane, Peter Gabriel, Ayub Ogada. Um mundo.

22 novembro, 2007

Cadencia, Tomás San Miguel e Sweet Vandals - Música Espanhola no Cais do Sodré


E mais uma notícia «sacada» às Crónicas da Terra: o MusicBox, ao Cais do Sodré, recebe hoje, amanhã e depois três concertos com projectos musicais oriundos da vizinha Espanha, integrados na iniciativa «Espanha in MusicBox Lisboa», organizada pelo Instituto Cervantes e pelo próprio MusicBox. Os concertos arrancam esta noite com a banda de soul/funk Sweet Vandals, continuam amanhã, sexta-feira, com os sevilhanos que fundem elegantemente o flamenco com outras músicas Cadencia (na foto) e terminam no sábado com a presença do acordeonista basco Tomás San Miguel, acompanhado pelas Ttukunak, as conhecidas gémeas tocadoras de txalaparta, e pelo alemão Marlon Klein (dos Dissidenten). Paralelamente à música, nesta mostra de arte espanhola há lugar também para a exibição de curtas-metragens e a actuação de alguns DJs. Mais informações aqui.

21 novembro, 2007

Norberto Lobo, Pedro Jóia, Ricardo Parreira e Fernando Alvim - A Nossa Alma nas Cordas das Guitarras


Abençoado país este - e digo-o sem ponta nenhuma de nacionalismo serôdio e passadista - que estas músicas e estas emoções e estas guitarras tem (e que tem numa conjugação improvável: três guitarras acústicas «contra» uma guitarra portuguesa, mesmo que as acústicas às portuguesas vão beber a sua inspiração)! É tão bom ouvir estes discos que, entre versões (muitas) e originais (alguns) estão cheios de grande música. Música portuguesa, da melhor que alguma vez se ouviu ou re-ouviu: Pedro Jóia em tributo a Armandinho; Ricardo Parreira e Fernando Alvim em homenagem a Carlos Paredes e a outros guitarristas; e Norberto Lobo (na foto) a fazer de Carlos Paredes as pontes para muitas outras músicas.


PEDRO JÓIA
«À ESPERA DE ARMANDINHO»
HM Música

Ouvir «À Espera de Armandinho», de Pedro Jóia, é, só!, ouvir-se uma das mais belas homenagens que um músico pode fazer a outro músico (e compositor) seu antecessor. O álbum ouve-se e lá vai ele, fluindo, fluindo, entrando nos ouvidos como faca quente em manteiga. É tão bonita esta homenagem, em que um jovem músico presta tributo e vassalagem a Armandinho (Armando Freire Salgado, um dos mais importantes compositores para guitarra portuguesa e para fado de Lisboa da primeira metade do séc. XX). Neste álbum, todas as composições são de Armandinho (à excepção de «Maldito Fado», de Camané), transpostas, adaptadas, revivificadas para guitarra clássica - e não guitarra portuguesa, apesar de muitas vezes, ao ouvir-se «À Espera de Armandinho», não nos apercebermos da diferença entre os dois instrumentos (oiça-se «Fado Conde da Anadia», por exemplo), tal é o brilho transmitido às cordas da guitarra - por Pedro Jóia com um amor, uma sabedoria, uma execução técnica e uma alma ímpares. Nada que espante: Jóia é um dos melhores guitarristas portugueses, com escola feita no flamenco (o flamenco que por vezes ainda o assombra aqui, e bem, nomeadamente em «Variações em Lá menor II»), nos últimos anos residente no Brasil (onde tem feito parte da selecta banda acompanhante de Ney Matogrosso e onde «desenhou» este álbum) e o autor de outro fabuloso álbum de homenagem a outro mestre da guitarra portuguesa, este de Coimbra, Carlos Paredes (no álbum «Variações sobre Carlos Paredes»). E, se é bonito ter amor e respeito pela arte que ficou para trás, ainda é mais bonito tê-lo desta maneira, quando o amor e o respeito se conjugam com um brilhantismo enorme. (9/10)


RICARDO PARREIRA/FERNANDO ALVIM
«NAS VEIAS DE UMA GUITARRA»
HM Música

«E, se é bonito ter amor e respeito pela arte que ficou para trás...», escrevia-se aqui em cima e continua a escrever-se aqui, a propósito de outro álbum lindíssimo, este de um jovem executante de guitarra portuguesa, Ricardo Parreira, que fez uma viagem semelhante à de Jóia há alguns anos: ir em busca da música de Carlos Paredes - e de outros mestres da guitarra portuguesa como... Armandinho - e transportá-la para a actualidade: foi um risco enorme, assumido sem medos por um «miúdo» que, para além da diferença de (várias) gerações em relação aos compositores tinha outro «impedimento» em cima: a sua escola é a guitarra portuguesa de Lisboa e não a de Coimbra, de onde provém a maior parte do reportório do álbum «Nas Veias de Uma Guitarra». Mas o risco foi ultrapassado e o resultado, se não é sempre brilhante, é pelo menos mais uma grande prova de amor. A Carlos Paredes e a... Fernando Alvim, o homem da viola que acompanhou Paredes durante os seus anos de maior produção discográfica e que aqui acompanha - em belíssima forma apesar da sua avançada idade - Parreira, dando assim a sua bênção a esta aventura que tem, muito justamente, o sub-título de «Homenagem a Fernando Alvim». No álbum há composições de Artur Paredes (uma), Carlos Paredes (cinco), Afonso Correia Leite (uma), Armandinho (uma), José Nunes (duas), Francisco Carvalhinho (uma) e do homenageado Fernando Alvim (uma). E o resultado é, quase sempre, um encantamento permanente pela forma como um discípulo ouve (e interage!) com os seus mestres. (8/10)


NORBERTO LOBO
«MUDAR DE BINA»
BorLand

Diga-se desde já, e para não haver confusões, que «Mudar de Bina», o primeiro álbum a solo de Norberto Lobo (membro dos Norman e dos Munchen), é para mim o melhor álbum português deste ano e, se lhe quiser puxar mais um bocadinho pelo lustro (mais que merecido!), o melhor álbum português de muitos dos últimos anos. E digo-o em plena consciência das minhas faculdades mentais, podendo jurar por ele em tribunal. «Mudar de Bina» é um álbum simples - e simples na mesma acepção de «Uma História Simples» de David Lynch - e quase fácil e estupidamente explicável numa crítica discográfica: em «Mudar de Bina» há uma guitarra acústica, a de Norberto Lobo, sempre, uma guitarra acústica em que há ecos de Carlos Paredes (não muitos mas os suficientes para que o título do álbum e outras coisas lá dentro façam sentido), Nick Drake, John Fahey, Leonard Cohen, Sérgio Godinho, The Beatles, Neil Young (fase «Harvest»), Papa M (e outros da pandilha alt-country e/ou rock indie lo-fi e/ou neo-folk), Django Reinhardt, Bert Jansch... Isto é, os melhores ecos que um guitarrista poderia ter! E o tema «Mudar de Bina» - «bina» é petit-nom para bicicleta - é apenas vagamente inspirado em «Mudar de Vida», de Carlos Paredes, enquanto a versão aqui presente do próprio «Mudar de Vida» é uma declaração de amor, uma coisa linda e viva e frágil e bela, que leva o tema do mestre da guitarra portuguesa para o Oriente e para uma country marada e para a estratosfera... Num álbum constituído na sua maioria por originais ainda há lugar, para além de «Mudar de Vida», de Paredes, para dois temas tradicionais - «Cantiga da Ceifa» e «Ó Ribeira» - tocados, obviamente, de forma não tradicional, mas a fazer pontes entre a música alentejana (se se preferir, a música portuguesa), o flamenco e a música árabe... E ao longo do álbum há imperfeições, falhas, notas ao lado mas que soam tão bem, assim como soam bem o «corta» e o contrabaixo do primeiro tema, o canto dos pássaros e o som dos automóveis lá mais para a frente. E há uma slide-guitar - tocada a faca afiada??? - a encher de dissonâncias os blues do fabuloso «Jogo do Bicho». E há uma guitarra free em «Festa do Fim da Folque» (sim, o título é irónico) e há uma luz imensa no matinal e lindíssimo «Laura» (marcado pelo cantar de galos e por sinos e por uma música que nunca antes se tinha ouvido - apesar das alusões a Penguin Cafe Orchestra e... ao «Natal dos Simples» de José Afonso? - ou, pelo menos, que nunca antes se tinha ouvido desta maneira até aqui). É uma maravilha, este álbum! (10/10)

20 novembro, 2007

Musidanças - É Já Esta Semana!


Uma notícia genérica sobre o Musidanças já tinha ficado aqui publicada há algumas semanas, mas desta vez - e aproximando-se rapidamente o início desta celebração da Lusofonia - aqui fica outra mais alargada e com as datas de todos os concertos: a edição deste ano do Musidanças - Festival de Artes do Mundo Lusófono decorre de 22 de Novembro a 1 de Dezembro, no Institut Franco-Portugais, em Lisboa. No arranque, dia 22, há concertos de Braima Galissa (Guiné-Bissau) e Terrakota (Portugal/Angola/Itália), dia 23 de Pascoal Silva (Cabo Verde) e Jovens do Hungu(Angola); dia 24 de Fernando Terra (Brasil) e Dazkarieh (Portugal; na foto); dia 29 é o Dia Musidanças com um super-grupo formado para a ocasião que reúne André Cabaço (Moçambique), Guto Pires (Guiné-Bissau), Lindú Mona (Angola), Francisco Naia (Portugal) e Tonecas (S. Tomé), havendo ainda teatro-dança por Robson Vieira; dia 30 há mais concertos com Puzzle (Portugal) e Melo D (Angola); e dia 1, o festival encerra com espectáculos de Jorge Dissonnancia (Brasil) e Uxía (Galiza) e um recital de poesia de Elsa de Noronha. Paralelamente, o festival integra uma exposição de pintura de Lívio de Morais - que também dará uma conferência sobre máscaras africana tradicionais - e workshops por Elsa de Noronha, Rosana António, Robson Vieira e Cláudio Silva. Mais informações aqui.

19 novembro, 2007

Couple Coffee - De Tamanquinhas no CCB


Na minha humilde opinião, o melhor álbum de homenagem a José Afonso - entre os muitos que foram editados este ano - tem o nome de «Co'as Tamanquinhas do Zeca» e é assinado pelo duo brasileiro Couple Coffee, Luanda Cozzetti (voz) e Norton Daiello (baixo eléctrico), neste álbum acompanhados por Sérgio Zurawsky (guitarra eléctrica)e Ruca Rebordão (percussões). E é esta formação, Couple Coffee & Band - reforçada com um convidado de peso, Júlio Pereira - que vai apresentar novamente o fabuloso espectáculo baseado neste álbum (o segundo do grupo, depois de «Puro»), amanhã, dia 20 de Novembro, desta vez no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Um espectáculo imperdível, com as canções de José Afonso a serem sujeitas a transformações, torções, invenções que, longe de as desvirtuar, lhes dão um brilho e uma vivacidade completamente novos. Mais informações aqui e aqui.

16 novembro, 2007

Cromos Raízes e Antenas XXXI


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XXXI.1 - The Pogues


The Pogues! Diz-se o nome e ouve-se logo a música: aquela música que tanto deve à folk de inspiração «celta» quanto ao punk, com uma energia imensa e uma beleza irrepetível... The Pogues! Diz-se o nome e ouvimos logo a voz de Shane MacGowan e o acordeão, o violino, o bandolim, a tin whistle a meterem-se pela chinfrineira rock adentro... The Pogues! Banda (bando!) de londrinos, muitos deles com raízes irlandesas, que começa em 1982 o seu trajecto sob a designação Pogue Mahone (que significa, em gaélico, «beija o meu cu»), os Pogues sempre se preocuparam em dar importância igual às suas canções de intervenção política, a baladas recuperadas à tradição e a fazer uma música única, pessoal, enorme!, em que o «celtismo» e o rock se cruzavam, de outras vezes, com a country, o cajun ou a música latino-americana. Separaram-se em 1996 (nessa altura já sem Shane) e reagruparam-se, para concertos dispersos, em 2001 (felizmente, com Shane).


Cromo XXXI.2 - Putumayo


Muitas vezes criticada por ser uma editora light que faz compilações «fáceis» e nem sempre exemplares de world music, a nova-iorquina Putumayo é, mesmo assim, uma das melhores portas de entrada de milhões e milhões de pessoas em todo o mundo para... as músicas do mundo. Fundada por Dan Storper em 1975 como uma empresa de roupa, a Putumayo transforma-se em 1993, via Michael Kraus, numa editora de sucesso. Colectâneas temáticas e conceptuais de muitas e variadas músicas - e um design gráfico coerente, comum a todos os discos, de Nicola Heindl - tornaram a Putumayo uma editora famosa não só em lojas de discos mas também em lojas de roupas, livros e até cafés um pouco por todo o mundo. Desde há alguns anos tem dois selos associados: a Putumayo Kids (colecções globais de música para crianças) e a Cumbancha (a editora dos Ska Cubano, The Idan Raichel Project e Andy Palacio).


Cromo XXXI.3 - Ofra Haza


Diva global improvável - e improvável porque vinda de um lugar, digamos, exótico e de uma arte que unia dois mundos desavindos -, a cantora israelita Ofra Haza tornou-se, mercê da sua apresentação num Festival Eurovisão da Canção (em 1983), numa mulher conhecida em todo o mundo. Ofra Haza (de nome completo Bat Sheva' Ofra Haza Bat Shoshana, nascida a 19 de Novembro de 1957 em Tel Aviv, Israel; falecida a 23 de Fevereiro de 2000, em Ramat Gan, Israel) era de origem iemenita, mais precisamente, de judeus radicados no estado árabe do Iémen. E a sua música reflectiu sempre essa dualidade: com um pé em Israel e outro nos países muçulmanos «inimigos»; e com um pé na tradição e outro na modernidade e numa música feita com recurso às electrónicas e a sonoridades ocidentais. A sua imparável e riquíssima carreira como cantora começou em 1980 e terminou vinte anos depois, numa trágica morte provocada pela SIDA.


Cromo XXXI.4 - Radio Tarifa


Às vezes há músicas tão próximas que não damos conta delas, por serem demasiado próximas e por serem tão óbvias as suas ligações. Mas os espanhóis, de Madrid, Radio Tarifa tiveram a inteligência e a arte suficientes para descobrir os elos escondidos entre a música espanhola (nomeadamente o flamenco) e a música do norte de África. Logo no seu primeiro álbum, «Rumba Argelina», de 1993, estabeleceram uma ponte que veio para ficar (de Espanha para o Magrebe e vice-versa) e que, de tão óbvia que é, estranho é ninguém a ter feito antes. Fundados no final dos anos 80 pelo vocalista e letrista Benjamín Escoriza, o guitarrista, percussionista e arranjador Faín S. Dueñas e o saxofonista Vincent Molino, os Radio Tarifa deixaram, em quatro álbuns de originais, uma música nova, excitante e valiosa que parece ter tido um fim: Escoriza lançou em 2006 o seu primeiro álbum a solo, «Alevanta!», e os Radio Tarifa entraram em «hibernação».

14 novembro, 2007

Etnias e Celtirock - Muitas Músicas a Norte


O camarada Luís Rei, do agora renovado e sempre excelente Crónicas da Terra, já deu conta destas notícias, que agora ficam também aqui: a edição deste ano do Festival Etnias, no Contagiarte, Porto, decorre entre os dias 6 e 8 de Dezembro, com mais uma programação extremamente variada e bastante apelativa: dia 6 com o klezmer dos almadenses Melech Mechaya (na foto) e o Projecto Iara, liderado pela cantora Helena Madeira (ex-Dazkarieh); dia 7 com a charanga sintrense de inspiração balcânica Kumpa'nia Al-gazarra e a percussão mandinga dos portuenses Dyabara; e dia 8 com a dança oriental da Companhia Baubo e a música global dos portuenses Mu. Actuações de alguns DJs de muitas músicas completam o programa do Festival. Antes, e mais a norte, o IV Festival Celtirock realiza-se pela primeira vez em Vilar de Perdizes, conhecida aldeia transmontana do concelho de Montalegre e palco do Congresso de Medicina Popular. O Celtirock começa já amanhã, dia 16, com um concerto dos Gaiteiros de Pitões e «animação nos bares da aldeia com tocadores tradicionais», e continua no dia seguinte com concertos dos Anxoblastrio (Galiza), Paddy B & Tom Hamilton (Alemanha) e Ginga (Portugal). Durante os três dias do Festival (incluindo domingo, em que não há concertos) há várias actividades paralelas: cinema, barraquinhas de exposição e venda, visitas guiadas a locais arqueológicos ou típicos da região (Penedo de Ramezeiros, Sra. das Neves, Altar da Penascrita, um lagar de vinho e fornos de pão em funcionamento), animação de rua, jogos populares, workshops, animações de fogo, distribuição gratuita de queimada e uma exposição de fotografia. O Festival tem entrada livre.

Bonde do Rolê, M.I.A. e Mexican Institute of Sound - Das Margens Para o Centro


Vêm de lugares exóticos como o Sri Lanka, o Brasil e o México e fazem das músicas mais excitantes da actualidade, contaminando géneros locais com sonoridades globais (e vice-versa), num caldeirão em que o hip-hop, o punk, as electrónicas, o baile funk ou a cumbia têm lugar reservado. M.I.A. (na foto), Bonde do Rolê e Mexican Institute of Sound: para ouvir sem preconceitos («listen without prejudice», como diria o outro)...


M.I.A.
«KALA»
XL Recordings

Depois do fabuloso álbum «Arular» (dedicado ao pai, cujo nome é Arul, aka Arular), a MC, cantora, produtora e compositora M.I.A. volta ao ataque, literalmente, com «Kala» (desta vez, o nome da sua mãe), um álbum em que ela regressa aos «statements» políticos do anterior e a uma missão que ela leva muito a sério: fazer uma música universal, aberta, cheia de referências e prenhe de sentido. Uma música em que o hip-hop, o reggaeton, o grime, o baile funk, o electro, o punk dos Clash, ritmos africanos, didgeridoos e beats violentíssimos, melodias sacadas a filmes indianos e do Sri Lanka se harmonizam num todo único, variadíssimo, sempre dançável e exemplo máximo de como se pode fazer uma música que pode conter em si tantas mas tantas músicas. M.I.A. (que significa «missed in action») chama-se na realidade Mathangi Arulpragasam, nasceu em Londres mas os seus pais são do Sri Lanka (o pai de M.I.A. foi um destacado guerrilheiro Tamil e fundador da Eelam Revolutionary Organisation of Students), país ao qual voltaram depois do nascimento de M.I.A. - a causa Tamil está, aliás, sempre presente nas suas letras, tendo M.I.A. abraçado a causa dos seus pais de corpo e alma. Regressada a Londres, M.I.A. iniciou a sua carreira como pintora, designer, fotógrafa e, principalmente, uma cantora e compositora de enorme sucesso que tem agora em «Kala» (em que participam Timbaland, Diplo, Switch, Afrikan Boy, Blaqstarr...) um pico de criatividade fabuloso. (9/10)


BONDE DO ROLÊ
«WITH LASERS»
Domino Records

Os Bonde do Rolê são um divertidíssimo trio brasileiro de Curitiba que junta os ritmos saídos directamente do baile funk carioca com samples de guitarras eléctricas vindas do metal e letras que fariam corar o Quim Barreiros («Esfrega daqui e roça de lá/arranha a aranha pra chapa esquentar/pega daqui e lambe de lá/arranha a aranha pra chapa esquentar»; «James Bond dá o cu; James Bond chupa rôla...»; «Meu ursinho de pelúcia, eu roçava na infância...», entre muitos outros exemplos e com uma boa dose de gemidos sugestivos a ajudar...). A fórmula é simples e absolutamente irresistível! Pegue-se no álbum «With Lasers», ponha-se a rodar e é um nunca mais acabar de dança, risos, boa-disposição: «Dança do Zumbi», «Solta o Frango», «Divine Gosa», «Marina Gasolina», «Bondallica» (este, obviamente, inspirado nos Metallica) levam o baile funk para territórios mais orgânicos, mais rock, mais «universais». E são um achado de criatividade. Os Bonde do Rolê - os DJs e MCs Rodrigo Gorky e Pedro D’Eyrot e a vocalista Marina Vello - foram «descobertos» por Diplo (ele também presente no álbum de M.I.A.) e cruzam agora os palcos de todo o mundo. Com justiça. (8/10)


MEXICAN INSTITUTE OF SOUND
«PIÑATA»
Mico/Cooking Vinyl

Produto de uma surpreendente escola mexicana de excelentes DJs que misturam electrónicas com músicas latino-americanas - ouçam-se também os óptimos Nortec Collective, por exemplo -, o Mexican Institute of Sound é a criação de um geniozinho, Camilo Lara, que neste seu segundo álbum, «Piñata» (o primeiro tinha sido «Méjico Máxico»), continua no seu laboratório a misturar de forma inteligente e bastante original géneros completamente diferentes entre si: cumbia, música ranchera (com um vira lá pelo meio, em «Para No Vivir Desesperado»), cha-cha-cha, hip-hop, dub e, por vezes, também baile funk (especialmente presente em «La Kebradita», a fazer o «raccord» com os discos anteriores - e através, se bem que de forma enviesada, da vocalista brasileira Pat C, que canta em dois temas do álbum). E apesar de, por vezes, o trabalho de estúdio estar demasiado presente - no mau sentido - na sua música, de outras estamo-nos completamente nas tintas para que esta música seja «artificial» (feita de samples, de colagens electrónicas...), tal é o apelo dançável que contém. Uma música experimental, arrojada, moderna, muitas vezes a desenhar bandas-sonoras perfeitas para «fiestas» globais e em que os preconceitos não têm lugar. No tema «A Todos Ellos» (no livreto chamado «Por Los Caídos») há uma sentida homenagem aos seus heróis: Johnny Cash, William Burroughs, Nusrat Fateh Ali Khan, Jaco Pastorius, Ian Dury, Ritchie Valens, Nick Drake, James Brown, Jack Kerouak, Joey Ramone, Kurt Cobain, Compay Segundo, Camaron de la Isla, Klaus Nomi, Ali Farka Touré, entre muitos outros... Arrepiante! (8/10)

Nota: os Bonde do Rolê tocam hoje à noite no Santiago Alquimista, em Lisboa, com primeira parte dos nova-iorquinos Holy Hail.

13 novembro, 2007

Música Original nos Açores - Uma Celebração


«25 Anos - Música Original nos Açores» é o nome do espectáculo que o Teatro Micaelense, em Ponta Delgada, apresenta nos dias 16 e 17 de Novembro, espectáculo que tem direcção musical, arranjos e guitarras de Rafael Fraga e o piano e arranjos de João Paulo Esteves da Silva (na foto; de Rodrigo Amado) e uma motivação particular: «Em 1982, os Construção deram o mote a uma nova fase de produção musical original nos Açores, sustentada nos anos seguintes pela extensa produção de ficção da RTP-Açores e consolidada com os inúmeros compositores e intérpretes que, entretanto, se afirmaram bem além das fronteiras das ilhas. Agora, passados vinte e cinco anos, o Teatro Micaelense propõe um novo olhar sobre alguns dos temas mais emblemáticos da canção de autor açoriana». No espectáculo participam, além dos já referidos, Augusto Macedo (assistência de direcção musical), Alexandra Ávila (voz), João David Almeida (voz), Jorge Reis (saxofones), Luís Fernandes (acordeão e braguesa), Augusto Macedo (baixo), Bruno Pedroso (bateria) e Sebastian Scheriff (percussões). Mais informações aqui.

12 novembro, 2007

Dee Dee Bridgewater - Entre a América e África (Com Paragem no Porto)


A fabulosa cantora de jazz (e outras músicas) Dee Dee Bridgewater dá um concerto na Casa da Música, Porto, dia 15 de Dezembro. E, apesar de se apresentar com a Orquestra de Jazz de Matosinhos, nos desejos secretos de muitos dos seus fãs encontram-se os temas do recente, e excelente!, álbum «Red Earth (A Malian Journey)», em que faz a ponte (passe a quase piada...) entre a música negra norte-americana e a música da África Ocidental e onde é acompanhada por uma equipa luxuosíssima: Oumou Sangaré, Toumani Diabaté, Bassekou Kouyaté, Djelimady Tounkara, Mamani Keita, Baba Sissoko, entre muitos outros. Mas, mesmo que nenhum deles esteja com ela na Casa da Música, o desejo de que interprete pelo menos alguns dos temas deste disco mantém-se. Dee Dee Bridgewater - que iniciou a sua carreira em 1970, cantando à frente da Orquestra de Thad Jones e Mel Lewis, tendo gravado ou actuado também com luminárias do jazz como Sonny Rollins, Dizzy Gillespie, Dexter Gordon, Max Roach ou Roland Kirk - tanto vai ao jazz como à música francesa e outras músicas, é também actriz, apresentadora de rádio (sucedeu a Branford Marsalis na apresentação do programa «Jazzset», da NPR) e embaixadora da FAO (a organização das Nações Unidas para o desenvolvimento da agricultura nos países pobres). Mais informações, aqui.

10 novembro, 2007

Auto-Promoção (ou World DJing no Éden Glorioso - Parte 2)


Há mais algumas sessões de DJ no horizonte - das quais irei dando conta ao longo do tempo e assim que se confirmarem - mas, para já, a próxima é sábado, 17 de Novembro, dia em que o autor deste blog vai pôr música no CaféVinil (já quase em regime de «residência»), em Sintra: world music, muita e variada, e desta vez com uma vertente ainda mais dançante do que das vezes anteriores. O resto da programação de DJing do CaféVinil - que fica muito perto da estação dos comboios e ainda mais perto da Biblioteca - durante este mês é preenchida por uma sessão de Luís Varatojo («Do Vinil ao MP3»), hoje, dia 10, à noite, e outra de Gito («Surfing Thing»), dia 27. Ao longo do mês continua a ser possível visitar a exposição «Comer Com os Olhos», de Teresa Cavalheiro. Mais informações aqui.

09 novembro, 2007

Orchestra Baobab, Kenge Kenge e Toumast - Velhos e Novos Caminhos da Música Africana


Entre os muitos discos de música africana que tenho comprado, ou recebido de editoras, nos últimos meses, destacam-se - fazendo uma pré-selecção por grupos e não por artistas individuais, de que falarei daqui a uns tempos - estes três nomes hoje referidos: o novo álbum da veteraníssima Orchestra Baobab e os álbuns de estreia dos Kenge Kenge e dos Toumast (na foto). Todos bastante diferentes entre si mas todos cheios de muito boa música.


ORCHESTRA BAOBAB
«MADE IN DAKAR»
World Circuit Records/Megamúsica

Quando falamos da Orchestra Baobab não falamos apenas de uma banda mas de uma verdadeira instituição da música africana. Mas não se entenda aqui instituição como algo de pesado, de oficial, de fechado. Não: basta ouvir os primeiros acordes da guitarra eléctrica de Barthélemy Attisso, os primeiros sopros e as primeiras vozes do novo álbum da banda, seis vozes da própria banda e ainda um reforço vindo de Youssou N'Dour, no segundo tema, «Nijaay», para que os problemas que alguém que escreve sobre a Orchestra Baoba tem geralmente - «como abordar uma instituição?» - desapareçam rapidamente. Porque a música do grupo residente no Senegal (mas onde se encontram músicos de várias nacionalidades africanas) é de novo tão viva e tão verdadeira - ao mesmo tempo imediatamente reconhecível mas também nova e fresca e alegre, quer nos temas novos quer em alguns recuperados à sua extensa discografia - que deixamos de lado qualquer pretensão de fazer mais uma elegia ao grupo, traçar-lhe a história (para quem nisso estiver interessado já há várias referências neste blog à Orchestra Baobab; basta procurar) e queremos antes é dançar, cantar em coro (e isso é possível, pelo menos, em «Cabral», cantado em crioulo da Guiné-Bissau por Rudi Gomis) e deixar-nos encantar mais uma vez por esta música que, como sempre, tem um pé em várias músicas africanas, outro na música cubana e outro (um terceiro pé?, sim, como os embondeiros, e mais pés haveria, se necessário) em funks, souls, reggaes e calipsos. «Made In Dakar» é um álbum extraordinário, maravilhoso, sempre variado e pulsante de vida; uma vida nova para estes veteranos felizmente reaparecidos no «circuito» há alguns anos. (9/10)


KENGE KENGE
«INTRODUCING... KENGE KENGE»
World Music Network/Megamúsica

Se a Orchestra Baobab é uma «velha» conhecida, os quenianos Kenge Kenge são uma novidade, mesmo que pegando em música antiga e transportando-a para a actualidade, usando para isso um mergulho no... passado. Os Kenge Kenge são de etnia luo e têm como missão levar de volta às raízes e a uma música mais acústica um género popularizado através de grupos que usam guitarras eléctricas, o benga (estilo que é bastante conhecido, e dançado, na África Ocidental e Central; fixado na modernidade por Daniel Owino Mesiani e os seus Shirati Jazz). E os Kenge Kenge, liderados por George Achieng, saem-se muitíssimo bem da tarefa: vozes (algumas com câmara de eco a ajudar), um violino só com uma corda (orutu), um corno de vaca (oporo), flauta (asili), gongo (nyangile) e várias percussões chegam para criar uma música pulsante, de intricadas mas eficientes nuances tímbricas, harmónicas e rítmicas, transportando consigo - apesar de ser feita apenas com instrumentos acústicos - uma força e uma pujança próxima do rock. Os Kenge Kenge fazem, por vezes, lembrar os congoleses Konono Nº1, embora a música dos Kenge Kenge seja menos rude e selvagem e dê mais relevo às harmonias vocais, bastante elaboradas muitas vezes. Mas é igualmente hiper-dançável, solarenga, feita de festa, celebração e alegria. (8/10)


TOUMAST
«ISHUMAR»
Kraked/Village Vert

Às vezes é bom ver uma banda ao vivo para poder aquilatar da sua verdadeira qualidade e, muitas vezes, até da sua importância relativa a outros grupos. E foi o que me aconteceu com os Toumast: comprei o álbum há alguns meses e achei que a sua música estava muito, demasiado, próxima da música dos Tinariwen. Mas vi-os ao vivo na WOMEX e adorei o concerto! Certo: há muitos pontos de contacto entre o som dos Toumast e o dos Tinariwen - o próprio líder, compositor, cantor e guitarrista dos Toumast, Moussa Ag Keyna, fez parte da guerrilha tuaregue e chegou a tocar com os Tinariwen, os reconhecidos e respeitados inventores da música ishumar - um híbrido de música tradicional tuaregue, gnawa, música mandinga, blues ácidos e rock psicadélico -, que os Toumast com eles partilham. No início dos anos 90, Moussa, gravemente ferido, foi transportado para França, onde passou a viver e a desenvolver o o projecto Toumast, ao lado da sua mulher Aminatou Goumar (que canta, ulula, toca cabaça, darabuka, djembé e - ao vivo, embora não no disco - uma maravilhosa guitarra eléctrica) e do produtor e multi-instrumentista Dan Levy. E, finalmente, em 2006 é gravado este álbum de estreia: um álbum muito bom, que por vezes vai ainda mais ao rock do que os dos Tinariwen mas sem por isso deixar de transportar o calor do deserto do Sahara (oiça-se o espantoso jogo de vozes no lindíssimo «Ammilana») e doses certas de alegria, revolta e melancolia para a sua música. (8/10)

08 novembro, 2007

Cromos Raízes e Antenas XXX


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XXX.1 - Yungchen Lhamo


A maior embaixadora da música tibetana - e também uma importante porta-bandeira da liberdade para o seu país anexado pela China -, a cantora Yungchen Lhamo («yungchen», que é mesmo o seu nome de origem, significa curiosamente «deusa do canto», o que nos faz acreditar que o seu destino esteve desde sempre traçado) nasceu em Lhasa, capital do Tibete, em 1966, tendo começado em criança a cantar temas religiosos budistas, prática proibida pelas autoridades chinesas. Em 1989, Yungchen atravessa os Himalaias e inicia o seu exílio com uma visita ao Dalai Lama, em Dharamsala, na Índia. Daí parte para a Austrália, onde edita o seu primeiro álbum, «Tibetan Prayer» (1995), antes de se fixar em Nova Iorque e começar a gravar para a editora inglesa Real World. Os seus discos e concertos (em que costuma apresentar-se sem qualquer acompanhamento) são um grito de esperança e uma manifestação artística arrepiante.


Cromo XXX.2 - Hector Zazou


Músico, produtor e compositor dos mais versáteis que a música conheceu nas últimas décadas, o francês Hector Zazou - nascido a 11 de Julho de 1948, falecido a 8 de Setembro de 2008 - passou pelo rock e as suas margens (com os Barricades e o projecto ZNR) mas foi na sua demanda por uma música universal que se tornou uma referência fundamental da world music. Três álbuns de reinvenção das músicas africanas ao lado de Bony Bikaye, o disco que recuperou para a actualidade os cantos da Córsega («Les Nouvelles Polyphonies Corses»; de 1991), o lindíssimo «Sahara Blue» (baseado na poesia de Rimbaud; de 1992), o absolutamente inventivo «Chansons des Mers Froids» (onde visita e adapta canções tradicionais dos países nórdicos, do Japão ou da Gronelândia; de 1995) ou «Lights In The Dark» (cantos sagrados celtas; 1998) chegam para o colocar no panteão. Para já não falar de quem ele se faz rodear nos seus álbuns: John Cale, Sakamoto, Manu Dibango, Varttina, Bjork, Sylvian, Khaled...

Cromo XXX.3 - «The Blues» de Martin Scorsese

O realizador e produtor Martin Scorsese assina, com a sua produção da série de filmes «The Blues», o maior trabalho cinematográfico de sempre acerca de um género musical. Um trabalho feito de amor pela música, pelo rigor com que se conta a história de um género - o primeiro episódio da série, realizado pelo próprio Scorsese, «Feel Like Going Home», demonstra claramente as origens dos blues em África -, pela riqueza de intervenções e abordagens diferentes feitas pelos realizadores convidados para com ele colaborarem nos vários episódios: Wim Wenders, Richard Pearce, Charles Burnett, Marc Levin, Mike Figgis e Clint Eastwood. Todos eles a contarem uma parte da história, de África para os campos de algodão do sul dos Estados Unidos, do delta do Mississippi para Memphis e Chicago, a sua evolução para o rock e como se espalhou pelo mundo. Uma obra de arte maior e um hino à música.


Cromo XXX.4 - The Skatalites



Há quem diga - eles, pelo menos, dizem-no - que sem os Skatalites não existiria ska, reggae, rocksteady, dancehall e toda a música jamaicana conhecida. É capaz de ser exagero - outros nomes estão também na génese da música moderna jamaicana (e nas suas ramificações pelo mundo) - mas é verdade que os Skatalites foram uns dos principias pioneiros de um som novo nascido na Jamaica que, nos anos 50 e 60 do séc. XX, juntava o mento e o calipso caribenhos a géneros vindos dos Estados Unidos: o jazz, o rhythm'n'blues e o emergente rock'n'roll. Com um período inicial de enorme fulgor no início dos anos 60, criando música própria ou acompanhando outros artistas - nomeadamente Prince Buster -, os Skatalites têm uma carreira fugaz feita à volta do mítico Studio One mas reaparecem para reclamar a sua herança em 1986, depois do ska e da música jamaicana em geral terem conquistado o planeta. Ainda andam por aí.

07 novembro, 2007

Lula Pena - Um Desejado Regresso a Lisboa


A cantora e guitarrista Lula Pena (na foto, de Mário Pires, da Retorta) - uma das maiores, se não a maior, reinventoras do fado, pela coragem com que aborda o género e o cruza com muitas outras músicas, transformando clássicos do fado (e não só) em caixinhas de música que são também caixinhas de surpresas - está de volta a Lisboa, depois de um memorável concerto na ZDB, para um concerto em solo absoluto (só ela, a sua voz e a sua guitarra), este sábado, dia 10 de Novembro, no Maxime. Do reportório constam canções de «Phados» (o seu já longínquo álbum de 1998), do álbum perdido na bruma e nunca editado «Profissão de Fé» e outras compostas, ou trabalhadas, desde então. As portas da antiga boite da Praça da Alegria abrem às 22h00 e o bilhete custa dez euros.

Adenda depois do (maravilhoso) concerto de Lula Pena no Maxime: a melhor reportagem do espectáculo - um texto que eu gostaria de ter escrito (é mesmo inveja, embora da boa :) - está no Um T1 Debaixo da Ponte, aqui.

06 novembro, 2007

Gaita Mirandesa - O Património Tem Que Ser Padronizado? (Parte II)

O texto que publiquei ontem no Raízes e Antenas provocou uma saudável discussão à volta da necessidade ou não de «padronizar» a gaita mirandesa. E, nesse sentido, hoje aqui fica publicado um texto de Jorge Lira - um dos principais mentores do projecto da chamada «padronização» - a rebater os meus argumentos e a esclarecer alguns pontos que permaneciam confusos. Texto que eu muito agradeço e que tenho a honra de publicar no Raízes e Antenas:

«Pareceu-me importante clarificar a poeira que em torno desta "padronização" se pretende eventualmente levantar. Saliento o seguinte: sendo eu alguém pessoalmente envolvido na Gaita Mirandesa – na autêntica, isto é, na "pré Galandum anos 90" e sobretudo "pré Associação Gaita de Foles após os anos 90", tendo tido a rara sorte e privilégio de poder conhecer os últimos gaiteiros, que aprenderam de rapazes antes da década de 50 do século passado, sei bem do que estou a falar.

Alguns dos actuais tidos como "velhos gaiteiros", designadamente, Sr. Ângelo Arribas de Picote e Sr. Aureliano Ribeiro, de Constantim, filho do Sr. Virgílio Cristal, meu grande amigo, iniciaram a aprendizagem e aprenderam a tocar a Gaita de Foles já depois de mim, e eu só tenho 40 anos! As primeiras palhetas do Sr. Aureliano Ribeiro, fui eu quem lhas fiz e dei e ensinei a fazer, tal como a mim houvera sido ensinado pelo Gaiteiro Tiu Joaquim de S. Joanico.

Por isso, sem mais alongamentos, se entenderá que falo de algo que para mim é orgânico. Tive essa imensa sorte.

Desde os anos 80 que o declínio era evidente.

As tentativas de Zé Preto+Galandum, anos 90, foram meritórias, mas iniciaram a desvirtuação do processo num sentido perigoso: com base em réplicas de uma réplica não rigorosa da Gaita de Alexandre Feio, e depois com base em afinações realizadas à vontade e gosto do meu grande amigo Paulo Preto (fomos colegas no Conservatório de Gaia, era ele o Mirandês mas era eu o Gueiteiro!) surgiram gaitas que em dois discos sequentes ("L’Prumeiro" e "Modas e Anzonas") fixaram para a posteridade uma sonoridade mais ou menos correcta em termos tímbricos, mas uma afinação desadequada à tradição. O que está escrito ou gravado tende a ser a verdade face ao que é imaterial, e isso começou-me a preocupar. Tudo isto feito com a melhor das intenções, e por grandes amigos que muito respeito, mas quiçá, irreversível.

Por outro lado, a Associação Gaita de Foles, também cheia de boas intenções, "inventa" uma gaita híbrida das tímbricas de Rodrigo Fernandes e das afinações… Sanabresas, da Gaita Sanabresa de Juan Prieto Ximeno. Aí as boas intenções começaram a encher o inferno a que o futuro duvidoso da verdadeira Gaita Mirandesa estaria votada se nada fosse feito. Tudo também cheio de magníficas vontades e gigantescas boas intenções, mas irreversível…

…É neste contexto, entendendo finalmente que era, por mero acaso, possuidor de um património de conhecimento sobre o assunto que seria relevante, que eu saio do meu "mutismo" (entenda-se, fase de investigação pessoal) de quase 20 anos e no final do L’Burro e L’Gueiteiro’2006 me junto com o Paulo Preto e lhe explico isto tudo. Esse homem que tenho a honra de ter por amigo, apesar da sua convicção na "sua" afinação mirandesa concordou em partir comigo para a aventura de um projecto de investigação em que esteve disposto a abdicar das suas pré-convicções (bem como eu das minhas) para obter conhecimento fundamentado e concreto: nada mais correcto do que ir às origens, do que ir em busca das (ainda) existentes, mas infelizmente, silenciadas ponteiras ancestrais. Como eu tinha acesso fácil a algumas (uma com 200 anos) e a outras, sabia onde as ir buscar, foi possível reunir a maior colecção de ponteiras mirandesas antigas e… analisar sistematicamente. Nunca havia sido feito: tal como é costume, um ou outro tinha trabalhado sobre UMA ponteira, assumindo-a como sua e ficado em redor desse "umbigo".

Os resultados foram surpreendentes: mitos caíram por terra: não só identificamos instrumentos seculares com evidentes provas de terem sido realizados pelo mesmo cosntrutor, como a maior parte desses instrumentos quando submetido a um teste de afinação em concreto e com variáveis definidas – por exemplo, A MESMA palheta, tende para uma mesma escala com divergências muito, muito pequenas.

Algumas afinam em uníssono. Eu e o Paulo Meirinhos estivemos a tocar em uníssono com duas ponteiras "históricas": a ponteira Paulino Pereira e a Ponteira Museu da Terra de Miranda 1. Não era novidade para mim: já em 1988 havia comprado ao Tiu Rodrigo uma que afinava tal e qual com a ponteira do meu velho mestre: e antes de a comprar levei-a a S. Joanico onde ele me disse "Yesta, La pudes cumprar, qué de las buonas" – ou seja, afinava pela dele… e com palhetas feitas artesanalmente, então…

A Padronização veio permitir dar luz e voz a instrumentos genuínos que estavam calados nas arcas das viúvas, dos herdeiros ou das prateleiras dos museus, e que a ponteira padronizada não é mais do que a afinação tendencial de todas as ponteiras identificadas, segundo o modelo unanimemente entendido como a melhor de todas, ou seja, a ponteira Paulino Pereira. Assim um pouco como aconteceu em Sanábria com a do Júlio Prada. Mas a padronização prevê duas vias de evolução com outras escalas alternativas e existentes no planalto, ou seja, não é uma redução, é um projecto plural e de evolução, a partir antes de mais da preservação absoluta de algo que estava em desaparecimento, que seria a verdadeira escala mirandesa, e não as suas reinvenções dos anos 90.

Assim sendo, creio poder afirmar sem sombra de dúvidas que a Padronização realizada antes de mais é um projecto de diversidade e de preservação cultural, e que outras leituras enviesadas apenas se podem fundamentar no desconhecimento do projecto ou na sua errada interpretação. Sei que o Termo "Padronização" é perigoso desse ponto de vista pois potencia essas leituras superficiais, mas na realidade não ocorre outro melhor…

Jorge Lira»

05 novembro, 2007

Gaita Mirandesa - O Património Tem Que Ser Padronizado?


Não sou músico mas sou um amante de música, de várias músicas e de músicas muito diferentes entre si. E, dentro das muitas músicas, estou sempre mais do lado da diversidade do que da padronização, da criação sem barreiras do que do seguidismo rígido de normas, regras ou leis. E isto aplica-se, no meu modo de ouvir e gostar de música, a géneros musicais, a músicos e a instrumentos. Aprecio e amo, claro, muitas músicas de raiz mas também, e por vezes ainda mais, os desvios que depois nascem daí. Para dar alguns exemplos óbvios, no rock gosto mais das guitarras distorcidas, transformadas ou até maltratadas do Jimi Hendrix, dos Jesus and Mary Chain e dos Sonic Youth do que das guitarras limpinhas de milhares de outros. Quer dizer, da diferença de timbres, da invenção de novas sonoridades, da criação de outras harmonias à custa de alterações no modo de tocar guitarra eléctrica ou até da própria guitarra (como nos Sonic Youth, com as guitarras «preparadas» ao jeito dos pianos «preparados» de John Cage).

Vem isto a propósito de um congresso sobre a gaita mirandesa que decorreu este fim-de-semana em Miranda do Douro - o I Congresso Internacional da Gaita-de-Foles -, que trouxe uma notícia boa - o reconhecimento oficial da gaita mirandesa como ícone cultural de Trás-os-Montes - e uma, paralela, que não é, na minha singela opinião, assim tão boa, antes pelo contrário: «a partir de agora passa a haver normas para a construção e timbre deste instrumento tradicional transmontano», refere a agência Lusa, que cita ainda o coordenador do projecto, Jorge Lira, que diz: «Este (a gaita mirandesa) é um património genético que seria lamentável deixá-lo perder pela incapacidade de o normalizar e sermos substituídos na nossa originalidade por instrumentos provenientes de outros locais da Europa, que são respeitáveis, mas que não são nossos».

O argumento de Jorge Lira é bom e parece imbatível, mas a grande questão, aqui, é: porque é que se padroniza a sonoridade de um instrumento que, na sua raiz, na sua origem, tem já em si essa diversidade tímbrica, geradora de melodias diferentes, de sensações diferentes, de música diferente?... É o mesmo que dizer ao Jimi Hendrix (sim, lá onde ele estiver), aos irmãos Reid ou ao Lee Ranaldo e ao Thurston Moore: «vamos lá estar quietinhos, tocar isso muito bem afinadinho e deixar estar as Fenders e as Gibsons tal como elas são, sem essas coisas de tocar com um isqueiro Zippo, levar os amplificadores ao máximo e meter pregos por entre as cordas». E o mais grave é que na questão da gaita mirandesa - ao contrário do que se passa no exemplo dos guitarristas rock - não se parte da norma para o desvio mas dos desvios primordiais e antigos para uma norma. Repito: não sou músico, mas não me agrada nada a ideia de começar a ouvir as gaitas mirandesas todas a soar ao mesmo, tal como soam as gaitas galegas ou as gaitas escocesas. Até percebo que haja uma necessidade de se fazer isso numa primeira fase, para efeitos de aprendizagem, mas com a esperança de que depois cada gaiteiro toque a sua e à sua maneira, gaitas diversas tocadas de maneiras diversas por gaiteiros diversos... E assusta-me um bocado a ideia de ver um dia um grupo de gaiteiros transmontanos em alegre procissão, todos vestidinhos da mesma maneira e a tocar muito afinadinhos gaitas todas iguais. Não sei bem porquê, mas assusta-me.

(Nota: a imagem que encabeça este post foi retirada do site da Associação Gaita-de-Foles)

02 novembro, 2007

17 Hippies, Di Grine Kuzine e Polkaholix - É Folk Alemão, Pois Então!


Três bons exemplos de como a folk - de influências várias - está bem viva na Alemanha são os três grupos de que se fala hoje no Raízes e Antenas: os 17 Hippies (na foto), os Polkaholix e os Di Grine Kuzine, todos eles com a sua base estabelecida em Berlim. Com uma música quase sempre muito boa, quase quase sempre para dançar e de preferência com grandes canecas de cerveja a acompanhar.


17 HIPPIES
«HEIMLICH»
Hipster Records

Os 17 Hippies são uma trupe berlinense nascida em 1995 que consegue - e usando apenas um naipe alargadíssimo de instrumentos acústicos (desde europeus a asiáticos e africanos) e de vozes - fazer uma música hiper-diversificada, que soa a mil estilos misturados mas sempre muitíssimo bem. Em «Heimlich», o seu álbum deste ano, pode encontrar-se música balcânica com blues e klezmer e loucura free-jazz, uma balada em francês que ora soa a Pink Floyd ora a Penguin Cafe Orchestra, música ranchera mexicana mas tocada como se o México ficasse situado algures no meio da Europa (se é que isto faz algum sentido), um country bem-disposto que soa perfeito cantado em alemão, um misto de cajun e de polka passado pelo crivo psicadélico dos Beatles, entre muitas outras surpresas, constantes e sempre frescas e originais. O álbum é composto por originais do grupo, à excepção de «Teschko» - um tradicional sérvio aqui numa versão lenta, triste, lindíssima - e «Apache», o clássico dos Shadows, nos 17 Hippies a soar a uma espécie de Michael Nyman... do médio-oriente. Com um pé no virtuosismo - são todos músicos extraordinários - e outro na desbunda pelo prazer da desbunda (no último tema do álbum soam a uma fanfarra punk!), os 17 Hippies são uma máquina musical que está sempre muito perto da perfeição. Era tão bom que viessem cá tocar um dia destes! (9/10)


POLKAHOLIX
«DENKSTE!»
HeiDeck Records

Apesar de terem um álbum mais recente - «The Great Polka Swindle» (com o título a ser obviamente inspirado no nome do álbum dos Sex Pistols) -, foi este «Denkste!» que estabeleceu os Polkaholix como os senhores absolutos de um «novo» estilo: a «Berlin Speed Polka», que, é claro como água, é a velha polka injectada por uma energia, uma força e uma velocidade devedoras do punk, do funk, do ska, do speed-metal ou de músicas tradicionais como o klezmer e a música cigana dos Balcãs... A teoria é fácil de compreender, mas é preciso ouvir a música destes berlinenses para se entender completamente como esta música é feita de uma alegria, de um sentido de humor e de uma apurada noção de festa (sendo aqui «festa» sinónimo de muita dança, ainda mais cerveja e muita muita música, mesmo que a música seja por vezes um bocado... palerma). A polka - género que nasceu na Boémia em meados do séc. XIX e continua viva no centro da Europa (Alemanha, República Checa, Polónia...) e tem também um público alargado nos Estados Unidos - é nos Polkaholix objecto de inúmeras transformações e sujeita a tratamentos variados, mas a ideia de festa e de se fazer música para festa e dança é sempre a preocupação maior. Mesmo que a palavra «preocupação» pareça não colar muito bem com este bando de foliões que parecem não ter preocupação alguma. Ou, talvez e apenas, a de terem sempre uma grande caneca de cerveja à mão. (8/10)


DI GRINE KUZINE
«BERLIN WEDDING»
Skycap/Tumbao

É curioso constatar, ouvindo estes três discos de seguida, como há influências comuns a todos eles, embora seguindo vias próprias e assumindo fontes de inspiração diversificadas. Géneros comuns são sem dúvida o klezmer (música dos judeus do centro europeu) e a música cigana dos Balcãs, curiosamente músicas malditas e consideradas de povos «menores» durante o regime nazi. Não quero entrar aqui em análises sociológicas ou até psicológicas, mas é curioso constatar como, no início do séc. XXI, estes géneros são especialmente acarinhadas pelos músicos alemães ou por uma mistura de músicos alemães com músicos vindos do leste europeu, como é o caso dos Die Grine Kuzine. A banda, que foi criada em Berlim em 1993, caracteriza-se em «Berlin Wedding» por uma aproximação moderna e orgânica ao klezmer e à música balcânica, fundindo-a com muitíssimas outras músicas: cabaret berlinense, dub, rap, mambo, ska, polka, swing, surf-rock, música latino-americana, canções que parecem saídas do reportório do Exército Vermelho Soviético, quase todas cantadas pela vocalista Alexandra Dimitroff em alemão, espanhol, russo... Os Die Grine Kuzine fazem uma música global, centrada na Europa mas aberta a muitas outras músicas, numa demonstração inequívoca de universalidade. (8/10)