18 janeiro, 2008

Cromos Raízes e Antenas XXXVI


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XXXVI.1 - Inti-Illimani


Nascidos no caldeirão da «nueva canción» chilena, em 1967, ao lado de Victor Jara ou dos Quilapayún, entre outros, os Inti-Illimani cedo se destacaram como uma das vozes mais importantes da esquerda revolucionária do Chile. Com uma música assente na tradição sul-americana mas também com ecos da folk vinda dos Estados Unidos, e com letras de intervenção política e social - bem presentes no seu álbum de estreia, homónimo, em 1968, e em «Canto al Programa», de 1969, que era uma adpatação musical do programa político de Salvador Allende -, os Inti-Illimani começaram a levar as suas canções a muitos países do mundo. E foi exactamente durante uma das suas digressões que aconteceu o golpe de estado de extrema-direita em Santiago do Chile, liderado por Pinochet, em 1973. O grupo estava em Itália, país do qual fizeram a sua base de actuação até 1988, quando regressaram ao país-natal.


Cromo XXXVI.2 - Zulya


Mais um excelente exemplo de como se pode fundir a música tradicional com outras músicas - neste caso, o rock, o jazz, leves pitadas de electrónicas... - é o da espantosa cantora Zulya (aka Zulya Kamalova), de origem tártara e russa mas radicada na Austrália desde 1991. Na sua música - espalhada por álbuns como «Aloukie», «The Waltz of Emptiness (and Other Songs on Russian Themes)» ou «3 Nights» -, boa parte dela constituída por originais seus e dos seus companheiros nos Children of The Underground, há quase sempre ecos de uma música antiga, vinda das estepes, mas também uma modernidade assumida sem medos nem complexos. Ao longo da sua carreira tem colaborado com artistas como Bob Brozman, Nikola Parov, Slava Grigoryan, Sirocco, Llew Kiek e Epizo Bangoura, tendo também encetado parcerias com músicos aborígenes australianos.


Cromo XXXVI.3 - Ba Cissoko


A kora é um dos instrumentos musicais mais emblemáticos da cultura mandinga. Tocada há séculos por milhares de griots da África Ocidental, é um cordofone acústico, mágico, sagrado. Mas há quem se atreva a... electrificá-la e com isso a aproximá-la do rock e dos blues. Quem o faz são os Ba Cissoko, grupo liderado pelo intérprete de kora com o mesmo nome, Ba Cissoko, que canta e toca kora acústica e deixa para o seu primo Sékou Kouyaté a kora eléctrica. Os outros elementos deste grupo da Guiné-Conacri, Kourou Kouyaté (bolon e baixo) e Ibrahim Bah (percussões), contribuem para um som novo, cheio, arrebatador, em que as referências maiores são a música tradicional mandinga e... Jimi Hendrix. Não por acaso, o segundo (e extraordinário) álbum dos Ba Cissoko chama-se «Electric Griot Land» (2006), numa alusão directa a Hendrix. O álbum de estreia, «Sabolan», tinha sido editado em 2004.


Cromo XXXVI.4 - Kimmo Pohjonen


Ele tem um passado feito em grupos punk... e talvez assim se perceba toda a energia, fúria, inventividade, gosto em quebrar barreiras que ele tem. Ele, o acordeonista Kimmo Pohjonen (na foto, de Maxim Gorelik), é finlandês, nasceu a 16 de Agosto de 1964 e é um dos mais inclassificáveis artistas do circuito da chamada world music. E está tão à vontade neste circuito como poderia estar no do rock, do jazz de vanguarda, da música erudita contemporânea, da electrónica experimental. E como está, de facto! Hiper-activo, sempre inconformado e sempre à procura de novos sons, Pohjonen grava e apresenta-se a solo mas também com muitos outros projectos: Kluster (em duo com Samuli Kosminen), Uniko (os Kluster com o Kronos Quartet), KTU (com Pat Mastelotto e Trey Gunn, ambos dos King Crimson), Animator (com a videasta Marita Liulia), entre outros.

4 comentários:

Edward Soja disse...

Olá, amigo.

Ouvi um disco da Zulya e, não sei porquê, a música pareceu-me fria. Fria como a da Mari Boine? Será que esta sensação sintomatiza a minha ignorância em relação à senhora?
Atenção, fria sem qualquer sentido perjorativo. As canções são bonitas, com bastante tradição.

Quanto ao senhor Pohjonen... bem! Quem teve a oportunidade (será que já disse isto aqui? Se sim, então, aqui vai novamente) de o ver nos concertos de apresentação do álbum Kluster sob as seguintes condições:
a) numa sala com colunas a toda a volta;
e
b) sentado mais ou menos a meio do recinto,
saberá bem que nunca esquecerá esse concerto.

Foi uma das experiências mais incríveis que vivi.
O concerto de Famalicão, em Dezembro de 2004, não foi indescritível.
Mas quem lá esteve sabe bem o que eu quero dizer.

Os senhores Inti-Illimani, sim, senhor. Podemos confiar neles para ouvirmos a tradição da cultura andina. Todos os artistas que respeitam realmente os valores do povo e da tradição conseguem - às vezes pergunto-me por que estranho modo - preservar, recuperar e recriar o que parecia para sempre perdido. Neste aspecto, José Afonso tem tantas canções que nos fazem perguntar: esta canção é mesmo dele?
Abraço ao grande Victor Jara, que foi assassinado pelos estudantes em cia... Não apagar a memória é lembrar, a cada dia que passa, as suas canções.

Amigos que me lêem, tratai de ouvir as suas canções, que pertencem (por enquanto) a uma multinacional e que, portanto, pode retirar-no-las se assim o entender. E nós, nesse aspecto, estamos pior que em política. Comemos e calamos, que gritar de nada servirá.

A cultura democrática preservar-se-á se a alimentarmos e exercitarmos na nossa memória colectiva.

(Desculpa lá, senhor Ballaké Cissoko, que infelizmente mal te conheço. Apenas de umas canções da RNE3... Bem-haja o senhor do Diálogos 3!)

António Pires disse...

Eduardo:

Percebo o que queres dizer quando falas de uma música «fria» no que concerne à Zulya. Mas não sei se conheces o álbum «3 Nights», em que essa sensação desaparece completamente, muito graças à banda que a acompanha e é uma maravilha.

Não vi esse concerto do Pohjonen mas vi alguns outros (Aveiro, Sines...), e em diferentes formatos e fico sempre siderado com a música dele!! Aquilo é sempre mais físico do que intelectual - apesar de saber que há ali muita inteligência envolvida - e isso é bom!!!

Os Inti-Illimani, que eu me lembre (e posso estar redondamente enganado) nunca vieram a Portugal. E é uma pena... pela música, pela memória e pelo ideário que conservam e transportam consigo. Agora, até há duas bandas (!!!) com o nome Inti-Illimani, devido a uma cisão no grupo e a questões legais relativas à propriedade do nome do grupo: os Inti-Illimani «Histórico» e os Inti-Illimani «Nuevo».

E o Ba Cissoko (dos Ba Cissoko) não tem nada a ver com o Ballaké Cissoko - este também toca kora, mas é de outro ramo dos Cissoko (nome comum a muitos griots, tal como o nome Diabaté ou Djabate). O Ballaké Cissoko costuma tocar com o italiano Ludovico Einaudi e é maliano enquanto o Ba Cissoko de que falo neste post nasceu, curiosamente, na Guiné-Bissau e vive há muitos anos na Guiné-Conacri, de onde, se não me engano, é originária a sua família.

E, mais uma vez, muito obrigado pelos teus comentários, sempre bem-vindos neste blog!!!

Um grande abraço...

Anónimo disse...

Eu experimentei a Zulya na grafonola de apoio e gostei muito do ritmo e da voz da Minem Dönyamda que lá está. Este é um lugar onde posso sempre surpreender-me.

Beijos.

António Pires disse...

MGB:

E eu fico feliz por poder proporcionar algumas surpresas :)

Beijo.