14 setembro, 2009

Adeus Ramiro Musotto


Quando se soube o motivo do cancelamento do seu concerto no último FMM de Sines, começou-se a desconfiar que o caso era grave. E, infelizmente, era mesmo: Ramiro Musotto morreu este fim-de-semana, vítima de cancro no estômago (a mesma doença que, há alguns meses, motivou outra morte trágica, a de João Aguardela). A notícia do jornal brasileiro «A Tarde»:


«Morreu na madrugada desta sexta-feira, 11, o compositor e produtor musical argentino e radicado no Brasil desde 1996, Ramiro Musotto. O artista morava na Bahia e faleceu em decorrência das complicações causadas por um câncer de estômago, aos 45 anos, no Hospital São Rafael.

Ramiro Musotto será enterrado nesta sexta-feira, no final da tarde, no Cemitério Jardim da Saudade. Na cerimônia de despedida, haverá uma homenagem a ele, com a presença de um grupo de percussão.

Natural da província de Baia Blanca, na Patagônia Argentina, o percussionista já havia cancelado, inclusive, uma apresentação em julho deste ano no Festival de Músicas do Mundo (FMM), por conta do avanço da sua doença. Na ocasião, a produção do argentino chegou a informar que ele poderia voltar a trabalhar a partir do mês de setembro.

Dentre os artistas brasileiros com os quais trabalhou, estão Lenine, Marisa Monte, Marina Lima, Daniela Mercury, Os Paralamas do Sucesso, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Lulu Santos, Zeca Baleiro, Adriana Calcanhotto, Titãs, Fernanda Abreu, Sergio Mendes, Zélia Duncan, Kid Abelha e Gal Costa.

Seu primeiro trabalho solo data de 2001, quando lançou o álbum Sudaka, no qual mescla cânticos indígenas e influências afro-baianas, além de outros ritmos. Seu segundo solo Civilização & Barbarye foi lançado seis anos depois, tendo a percussão com um dos destaques, reunindo o eletrônico e o tradicional no seu trabalho.

Tendo o berimbau como um dos seus principais instrumentos de trabalho, Ramiro Musotto manteve a influência de ritmos afro-caribenhos nas suas produções próprias, além da presença da afro-baianidade nos seus dois álbuns solos».

E, aqui, um texto meu sobre o seu último álbum, «Civilizacao & Barbarye» publicado há poucas semanas na «Time Out»:

Ramiro Musotto
«Civilizacao & Barbarye»
Helico Music/Massala

O berimbau – aquele comprido em que se percute um arame esticado com uma vareta, também chamado berimbau de peito, e não o mais pequeno que se toca com a boca – tem origem africana, mas são agora os brasileiros que mais o utilizam e divulgam, sendo muitas vezes visto a marcar os passos da capoeira ou a contribuir para a música de carnaval da Bahia. Mas ninguém o toca como Ramiro Musotto. Argentino, mas brasileiro de coração, Ramiro é um génio do berimbau. Não só pelo virtuosismo com que o toca mas principalmente pelos novos caminhos que abriu na utilização do instrumento, muitas vezes num diálogo constante entre um berimbau acústico e um outro sintetizado, manipulado, distorcido, traficado. Baterias de samba em diálogo com discursos revolucionários e coros infantis, dub e experimentação, visitas à música caipira do nordeste brasileiro e mergulhos em variadíssimas tipologias da música electrónica, música árabe e tablas indianas, de tudo um pouco se encontra neste Civilizacao & Barbarye (assim mesmo, sem acentos, talvez porque os supostos países civilizados não usem acentos na sua escrita), segundo álbum de Musotto e um enorme passo em frente em relação à sua estreia, Sudaka.

Gravado com a sua “orquestra” que leva, exactamente o nome do primeiro álbum e com alguns convidados de honra – o produtor e músico de vanguarda brasileiro Arto Lindsay, o gnominho Chico César, o percussionista afro-cubano Léo Leobons e o cantor iraniano Rostam Mirlashari (no lindíssimo “Majno Ma Bi”) -, Civilizacao & Barbarye é um álbum variadíssimo em que aos berimbaus se juntam muitos outros instrumentos acústicos e onde as electrónicas, se bem que importantes nunca a eles se sobrepõem. Para quem esperava vê-lo em Sines, ouvir o disco serve de certa forma de compensação.

1 comentário:

Anónimo disse...

GRANDE PESSOA,BATUQUEIRO E UMA ALMA GENEROSA!