20 junho, 2010

Colectânea de Textos no jornal «i» (V)


Os poetas que vão ao rock
por António Pires, Publicado em 06 de Agosto de 2009

O rock e a poesia sempre andaram de mãos dadas. E, em muitos casos, com resultados que fazem do rock a melhor plataforma "editorial" para os poemas dos seus autores, sejam eles também os seus cantores/intérpretes ou não. Mais especificamente, há poetas para quem a música foi o veículo encontrado para assim darem a conhecer o seu trabalho a muito mais gente do que aquela que habitualmente lê poesia: Leonard Cohen, Laurie Anderson, Gil Scott-Heron ou Ursula Rucker (para além de um número infindável de MC do hip-hop) são apenas alguns exemplos.

Em Portugal, nos últimos meses, três poetas "de raiz" - ou, se se preferir, três escritores que também são poetas - editaram temas em que se revelam como declamadores ou cantores. Tiago Gomes - já há muito ligado ao circuito musical, quer como letrista (A Naifa/Linha da Frente), quer como performer/diseur (Os Inspectores), lançou com Tó Trips (Dead Combo) um álbum dedicado a Jack Kerouac, "Vi-os Desaparecer na Noite", com textos de "On the Road" adaptados ou "improvisados" por Tiago Gomes. Jacinto Lucas Pires editou o EP de estreia d'Os Quais (na foto), "Meio Disco", onde também canta, e muito bem!... E valter hugo mãe surpreende igualmente com a sua voz - muito semelhante à de Antony Hegarty - no tema "Meio Bicho e Fogo" da banda Governo, em que é acompanhado por músicos dos Mão Morta. É tão bom ouvi-los quanto lê-los, ou um bocadinho ainda melhor.




Nova música tradicional portuguesa
por António Pires, Publicado em 13 de Agosto de 2009

Desde há alguns meses, nesta coluna, têm sido referidos vários nomes de artistas e grupos portugueses que cruzam, sem complexos, o fado com outras linguagens musicais (de Mísia aos Deolinda e OqueStrada) ou a chamada música ligeira portuguesa dos anos 60 e 70 com a modernidade (Real Combo Lisbonense, Rui Reininho, David Fonseca). Hoje chegou a vez de uma outra tendência actual, e mais que saudável, de mistura de uma música enraizadamente portuguesa - do interior, das aldeias, de um canto antigo, e agora de novo tão actual - com o rock e seus derivados.

Filhos de José Afonso, das recolhas de Michel Giacometti e de outros, da Brigada Victor Jara e dos Gaiteiros de Lisboa, de Júlio Pereira e de Rui Júnior, do festival Andanças e do Intercéltico do Porto, grupos como os Dazkarieh, Assobio, Uxu Kalhus, Fadomorse (na foto), Toques do Caramulo, Pé na Terra, Marenostrum, Mandrágora ou Diabo a Sete (entre muitos outros) mantêm viva, porque renovada, a memória da música tradicional portuguesa. Há quem electrifique os instrumentos e da tradição faça uma bela distorção (Dazkarieh); há quem inclua mil músicas - do hip-hop ao funk e a Frank Zappa - nesta nova música portuguesa (Fadomorse ou Uxu Kalhus); há quem recupere o rock progressivo para revificar a nossa e outras músicas (Mandrágora).

E há cada vez mais gente do rock, do rock mesmo, a seguir as mesmas ou semelhantes pisadas: B Fachada, Diabo na Cruz, Virgem Suta ou Ludo. Mas estes ficam para a próxima semana.


Nova música tradicional portuguesa (II)
por António Pires, Publicado em 20 de Agosto de 2009

Se a semana passada se falou de grupos que partem da música tradicional portuguesa para chegar ao rock, aqui fala-se de outros grupos e artistas, que partem do rock para chegar à música tradicional, uma linhagem que teve em nomes do passado como o Conjunto Mistério (nos anos 60), a Banda do Casaco (nos 70), António Variações (nos 80) e os Sitiados (anos 90), exemplos maiores de gente que tinha um pé na modernidade e outro na memória da música portuguesa rural.

Actualmente, uma nova fornada de nomes vem juntar-se a este clube: os algarvios Ludo, que fazem uma excelente e actualíssima pop, mas deixam bem expressa a sua portugalidade no início do EP "Nascituro", com uns bombos que partem de Lavacolhos para o espaço. Os Virgem Suta, que na canção "Vovó Joaquina" mergulham na tradição via António Variações (e... Ornatos Violeta). João Coração, que finaliza o seu magnífico álbum "Muda Que Muda" (em que passa pelos Talking Heads, Jorge Palma, a country-americana...) com "Abre a Janela", uma canção em que se ouve música tradicional portuguesa revista por Fausto e Júlio Pereira. B Fachada, com a sua releitura brilhante do centenário - e sangrento, como muitos outros poemas do romanceiro nacional - romance "D. Filomena". E, acima de todos, os Diabo na Cruz (na foto), um supergrupo nacional que junta Jorge Cruz, B Fachada e Bernardo Barata, entre outros, na união definitiva e quase perfeita do melhor rock com a tradição portuguesa que se pode ouvir. Bastam os quatro temas do "Dona Ligeirinha EP" para nos rendermos a essa evidência.

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