06 março, 2011

Colectânea de Textos no jornal "i" - XXIII


Afinal o que é a música portuguesa?
Publicado em 28 de Janeiro de 2010

Um comentário de um leitor deste jornal, na sua versão online, ao meu último texto fez-me pensar na seguinte questão (e nalgumas outras, paralelas): afinal o que é a música portuguesa? O comentário, justíssimo!, referia-se à ausência dos Buraka Som Sistema (na foto) na lista das mais relevantes exportações da música portuguesa. Nesta coluna, há alguns meses, eu próprio apontava a saudável ironia que é o facto de os artistas musicais residentes em Portugal mais conhecidos, actualmente, no estrangeiro serem Mariza (que nasceu em Moçambique) e os Buraka Som Sistema (em que apenas um elemento é português e com a própria música do grupo a ser um misto de música angolana, jamaicana e norte-americana). E é aqui que está parte da questão. O que é a música portuguesa? É apenas a música feita por portugueses, cantada em português, com raízes portuguesas (urbanas como o fado ou rurais como os corridinhos ou o cante alentejano)? Deveremos fazer a distinção entre "música portuguesa", "música feita por portugueses" (seja de que género for, desde que os músicos sejam nacionais) e "música feita em Portugal" (feita por portugueses e também por estrangeiros residentes em Portugal)? E onde encaixar aqui os inúmeros estrangeiros, residentes nos respectivos países, que cantam ou tocam fado? Isto é: fazem mais "música portuguesa" a fadista catalã Névoa, os Blind Zero ou o Ricardo Rocha, que toca instrumentais em guitarra portuguesa mas que a leva para outros universos musicais?



Outros caminhos do fado
Publicado em 04 de Fevereiro de 2010

Há variadíssimas colecções de discos de fado. Só para citar algumas, há a do jornal "Público" (que conta a história do fado, com notas importantes de Rui Vieira Nery); há uma mais recente da CNM (Companhia Nacional de Música); "The Best of Fado - Um Tesouro Português", da EMI; as lindíssimas caixas "Divas do Fado" e "Fado sempre! Ontem, hoje e amanhã", ambas da Difference; etc. E haverá, no futuro, a mais aguardada de todas: a edição em CD dos velhos discos de fado (e não só) em 78 rpm, coleccionados por Bruce Bastin, e que será editada, ao que presumo, pela Tradisom. Esta de que falo hoje, "Alma Lusitana", é uma edição conjunta FNAC/iPlay: seis CD que fazem uma viagem global e bastante aliciante por várias décadas de fado, tanto pelos seus cantores como pelos intérpretes de guitarra portuguesa - estão aqui os inevitáveis Carlos Paredes e Armandinho, Alfredo Marceneiro, Tristão da Silva e Carlos do Carmo, Amália Rodrigues, Beatriz da Conceição e Hermínia Silva... E que também surpreende pela quantidade de nomes novos e desviantes que inclui. Um dos CDs - e logo o primeiro da série! - intitula-se, exactamente, "Outros Caminhos", e nele aparecem nomes como A Naifa, Donna Maria ou os Atlantihda (na foto), mas também os Cool Hipnoise, Sam The Kid, Ana Deus (Três Tristes Tigres) ou M-Pex. Noutros CDs estão Pedro Jóia e Catarina Moura (Brigada Victor Jara), com a sua participação em "Fados", de Carlos Saura. Todos a mostrar que há muito fado para além das fronteiras do fado.



Tradição é a transmissão do fogo...
Publicado em 11 de Fevereiro de 2010

Há uma fase de Gustav Mahler que está a fazer uma saudável escola entre a comunidade "trad" portuguesa: "A tradição é a transmissão do fogo, não a veneração das cinzas." E isso reflecte-se na música de muitos dos novos grupos e artistas portugueses. De muitos deles já falei aqui - ainda a semana passada foram referidos nesta coluna vários desvios ao fado -, havendo hoje espaço para mais cinco. Nos seus discos de estreia, o álbum "Dentro da Matriz" e o EP "Electrónica cá da Terra", respectivamente, os Omiri (projecto a solo de Vasco Ribeiro Casais, dos Dazkarieh) e os Charanga mergulham de cabeça na tradição e transformam-na em música absolutamente moderna e actual. Os Omiri vão a várias danças tradicionais europeias e injectam-lhes distorção e heavy-metal, mas também... drum'n'bass. Ao drum'n'bass e a outras tipologias electrónicas vão também os Charanga, estes mais empenhados em recriar temas profundamente portugueses. No seu novo álbum, "Senhor Galandum", os veteranos Galandum Galundaina (na foto) não prescindem da música tradicional transmontana, cantada em mirandês e tocada com instrumentos acústicos, mas também surpreendem quando dão a Hugo Correia (Fadomorse) a remistura electrónica de "Nabos (cun alheiras i bino)". A cantora Claud recria e bem, no seu novo álbum "Pensamento", temas de Sérgio Godinho, Jorge Palma e Trovante. E os OliveTreeDance dão três voltas ao malhão - em "Viva o Malhão", do EP "Urbano Roots" - com didgeridoo e percussões trance!

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