26 setembro, 2007
Júlio Pereira, Diabo a Sete e Stockholm Lisboa Project - As Viagens da Música Portuguesa
Uma nova fornada de discos portugueses ocupa hoje o - agora recuperado depois de uma intensa época de festivais - espaço de «crítica» discográfica do Raízes e Antenas: o novo álbum de Júlio Pereira e os álbuns de estreia dos Diabo a Sete (na foto; de Santos Simões) e do Stockholm Lisboa Project. Todos a porem a música portuguesa - de raízes variadas - em diálogo com outras músicas.
JÚLIO PEREIRA
«GEOGRAFIAS»
Som Livre/Valentim de Carvalho
Júlio Pereira é um dos mais importantes músicos e compositores portugueses dos últimos trinta anos. Começando a sua carreira em grupos rock dos anos 60 e princípios de 70, torna-se depois presença constante nas gravações de alguns dos nomes incontornáveis da música popular portuguesa (José Afonso, Fausto...) e assina, já nos anos 80, um álbum genial de nome «Cavaquinho», em que recupera esse instrumento «perdido» do nosso património e para ele inventa (ou reinventa, através de versões pessoalíssimas de temas tradicionais) um novo lugar na hierarquia dos cordofones portugueses. E o mesmo faz com o bandolim no álbum «O Meu Bandolim». Bandolim que - muitos discos depois e uma fama que existe mais junto dos seus colegas de ofício, em Portugal e na Galiza, do que junto do grande público - é o instrumento central do seu novo álbum, «Geografias», mas com uma novidade absoluta na carreira de Júlio Pereira: neste álbum, Júlio Pereira - que geralmente grava quase todos os instrumentos dos seus discos - partilhou a gravação com outros dois músicos em permanência, Bernardo Couto (em guitarra portuguesa) e Miguel Veras (em viola acústica), e, a espaços, com Quico Serrano (sintetizadores e percussões) e três cantoras - Sara Tavares, Marisa Pinto e Isabel Dias - que no álbum têm a função mais de «instrumentistas da voz» do que propriamente de «vocalistas». E o álbum mostra, para além de um leque de soluções harmónicas muito mais aberto do que é normal nos discos de Pereira, uma música mais orgânica, mais verdadeira (de banda!) e - mercê de composições de Júlio Pereira especialmente inspiradas - a viajar entre a música portuguesa (seja o fado ou a música tradicional rural) e a música de outros lugares: o Magrebe, a África negra, o Brasil, o País Basco... E há no álbum uma luz, uma alegria e uma vivacidade que há muito não se ouviam em Júlio Pereira. É tudo bom? Não, há aqui e ali uns pós de sintetizadores - ora pomposos, ora apenas deslocados - que não faziam falta nenhuma. Mas não chegam para estragar o conjunto. (8/10)
DIABO A SETE
«PARAINFERNÁLIA»
Açor/Megamúsica
É uma coincidência feliz falar do (lindíssimo!, diga-se desde já) álbum de estreia dos Diabo a Sete a seguir ao novo álbum de Júlio Pereira. E é-o porque Pereira é, sem dúvida, uma influência decisiva na música deste grupo de Coimbra: tanto no uso dos cordofones como na sua abordagem à música tradicional portuguesa e na sua abertura a outras músicas. Mas essa influência, se bem que importante, é apenas um dos elementos da música feita pelos Diabo a Sete. Partindo muitas vezes do cancioneiro popular (Madeira, Trás-os-Montes, Alentejo, Algarve...) mas aventurando-se também em muitos temas originais mas de inspiração tradicional - quase todos de Pedro Damasceno (o homem dos cordofones e da concertina) -, os Diabo a Sete seguem depois por inúmeros caminhos que tanto os levam ao rock como ao reggae como à chamada «música celta» como às «danças europeias», mas sempre com um bom-gosto, uma leveza, uma facilidade (no bom sentido da palavra, isto é, no sentido de «naturalidade») e uma beleza genuínos. Peças fundamentais no som do grupo são, para além dos instrumentos tocados por Damasceno, a voz e a sanfona de Julieta Silva (ela também dos Chuchurumel), a gaita-de-foles de Celso Bento e uma secção rítmica rara neste tipo de projectos: o baixo eléctrico de Eduardo Murta e a bateria de Miguel Cardina, que se remetem quase sempre a uma posição discreta mas fundamental para a coesão do resultado final. E se não destaco aqui um ou outro tema, a razão é simples: porque este é um álbum para ouvir do princípio ao fim, sem pontos mortos ou temas menos interessantes. Um álbum importante. (8/10)
STOCKHOLM LISBOA PROJECT
«SOL»
Nomis Muzik
Aventura interessantíssima - se bem que resulte muito melhor na prática do que na teoria, e já vamos a essa questão -, o Stockholm Lisboa Project é essencialmente o projecto de um grupo de músicos amigos de dois países separados por milhares de quilómetros de distância: os portugueses Luís Peixoto (também dos Dazkarieh; em bandolim e bouzouki) e Sérgio Crisóstomo (ex-At-Tambur; em violino) e o sueco Simon Stalspets (em bandola e harmónica), aos quais se juntou numa fase posterior a fadista Liana. Do gosto comum em fazer música passou-se para a procura, não sistemática, de possíveis e eventuais pontos em comum entre a música portuguesa e a música sueca, de que são exemplos neste disco o original, mas com cheiro a corridinho algarvio, «Sol de Janeiro» com uma polska tradicional escandinava, ou exemplo ainda mais feliz, o «Fado do Ribatejo» com uma valsa, a «Hopers Vals». Mas são «filhos» quase únicos desta tentativa de ligação entre músicas tão distantes. E nisso, a «teoria» falha. Mas, agora a parte boa: se ouvirmos o álbum sem pensarmos nesta questão formal, se o ouvirmos pelo simples prazer de ouvir música, e boa música!, o álbum resulta espantosamente bem, com os instrumentos - e as músicas que eles transportam, sejam lá de onde for - a encaixarem-se na perfeição e a voz de Liana (muito boa cantora!), quando aparece e seja em fados ou não, a coroar com distinção esta música viva e solarenga, mesmo que por vezes melancólica. A propósito: «sol» quer dizer o mesmo em português e em sueco. (7/10)
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20 comentários:
a propósito dos Stockholm Lisboa Project
da boa música nem falo porque acredito piamente em tudo o que dizes dela. de qualquer modo comprava o CD só pela foto da capa. cenário perfeito onde a soturnidade sentada num excerto de banco de jardim e o sol disfarçado na frugalidade das folhas de outono, dão um concerto em honra da claridade espelhada nas pedras da calçada lisboeta.
gostei de saber que 'sol' significa o mesmo em ambas as línguas, mas desconfio que aqui no Sul brilha mais horas por ano.
:))
C.:
:) Obrigado por confiares em mim!!! E sim, às vezes «quem vê capas vê gravações» (trocadilho idiota com «quem vê caras não vê corações»). E tens toda a razão - digo eu que sou português... mas um sueco qualquer pode dizer que, na Suécia, «o Sol brilha mais MESES, e de seguida, por ano». É uma questão de perspectiva ;)
E uma aurora boreal inteira e belíssima para ti :))
o trocadilho saiu muito interessante. devias registar a patente. :)
quanto ao sol é verdade. soube de um norueguês que estava felicíssimo porque tem todos os anos nove semanas seguidas de sol. é mesmo uma questão de perspectiva ou de humildade e aceitação bem disposta pelo que a natureza concede.
:))
Gande abraço António!! Obrigado!!
Vai uma Gaitada??
C:
Não sei se há patentes para trocadilhos, mas se não há devia haver (um amigo meu tem um genial, «Os meios não justificam os Delfins», e outro inventou uma telenovela-country chamada «O Banjo Selvagem» :). E sim, tens razão: falando do Sol da Noruega e de outros países escandinavos - ou, outro exemplo, da água do Rio Niger que humedece o deserto do Sahara -, essa «humildade e aceitação bem disposta pelo que a natureza concede» devia ser uma constante nossa, de todos. E uma «bênção» sempre bem-vinda.
Zaclitrac:
O abraço vai para vocês!!! :) E uma «gaitada» é sempre um prazer!!! (ainda não pus o blog nos meus favoritos mas vou já tratar disso ;)
concordo com a crítica aos diabo a sete, o album é para ser ouvido duma ponta à outra, não existem temas menos interessantes. adoro-o, é das coisinhas mais interessantes que se produziram na folk portuguesa. se bem que eu destaco a Dança dos Camafeus, é absolutamente viciante.
parece que, depois do Andanças, vou ter a oportunidade de vê-los em aveiro...se tudo correr bem. espero que sim! :)
Ó AP, vem aí ao meu poiso pois quando souberes quem sou eu vai-te dar uma cosinha má.
;)
impresionante!! esta selecion de musica para apuntarsela y ir descubriendo tranquilamente,
muchas gracias es todo un descubrimento.
un abrazo
nacho de planeta
Menina-Limão:
O disco é mesmo muito bom, mas percebo porque é que destacas a «Dança dos Camafeus» ;) E, infelizmente, ainda não vi nenhum concerto dos Diabo a Sete, mas não perco a esperança. Ah, e se calhar já conheces, mas toma atenção a outro grupo folk - há mais, mas estes devem ter disco a sair daqui a uns tempos -, os Pé na Terra...
Xá-das-5:
Oh João, mas eu sei... Até te respondi a um comentário que deixaste por aqui há alguns tempos e perguntei como é que iam as músicas... Grande abraço!
Nacho:
Obrigado!!! E parabéns também pelo teu blog, minha visita obrigatória; sempre!!!
Abraço/Abrazo
deliciosos, os trocadilhos dos teus amigos! :)))) há gente muito espirituosa e com um sentido de oportunidade encantador...!
Epá, AP, não vi! Qdo é que vamos beber uma coisa?
e claro...como não "viajar" nesta "viagem"??????
______________mesmo que no silêncio....
O U Ç O - te.
_______________
beijo.
C.:
:) :) :)
João:
Envia e-mail e combinamos!!! O meu endereço é pires.ant@gmail.com
Abraço
Isabel:
Também gosto muito do outro «cantinho», mas foi bom que o Piano tivesse «ressuscitado»!
Beijo Poesia :)
Email segue dentro de momentos.
Koniec
bom dia!!
continua magnífica aqui a saudação da música. e com os trocadilhos todos. já agora... e a propósito de trocadilhos, parece que já tenho o livro. só me falta a palavra escrita pela mão do autor...
:)
beijo A.
B.
Bom-dia Bandida!!
Obrigado!! E podes contar com a «palavra escrita pela mão do autor» quando quiseres!! :)
Beijo B.
A.
Sobre este projecto ouvir amanhã a entrevista com Sérgio Crisóstomo na Boa Nova, em www.radioboanova.com.
Perfeitamente de acordo com lúcida critica.
Um abraço
Pedro Oliveira
Olá Pedro!
Bem-vindo a esta casa! Volte sempre!!
Um abraço
Aquela Julieta é uma moça bem bonita.
E canta maravilhosamente, como a pureza da água dos rios que nascem nas montanhas...
Eduardo:
É, sim senhor!!! E temos a sorte de a poder ver e ouvir logo em dois projectos óptimos: os Diabo a Sete e os Chuchurumel!
Grande abraço...
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