04 novembro, 2008

Mafalda Arnauth - Mais Flor Que Fado


Sempre na linha da frente da renovação do fado, a cantora e compositora Mafalda Arnauth editou há algumas semanas o seu novo álbum, «Flor de Fado». Aqui, para fãs e simples curiosos, deixo a transcrição da entrevista que lhe fiz para a «Time Out Lisboa» e da crítica ao álbum, igualmente publicada na mesma revista há algumas semanas.


MAFALDA ARNAUTH
MAIS FLOR QUE FADO...

E ao quinto álbum de originais, «Flor de Fado», Mafalda Arnauth - ela que canta, que produz, que compõe boa parte dos temas do álbum, sozinha ou em parcerias - cria um disco brilhante, pessoalíssimo e um disco que... não é de fado, apesar de o fado estar lá, em flor.

Em 2005, Mafalda Arnauth lançou o seu «best of», de nome «Talvez se Chame Saudade», súmula de uma carreira discográfica com seis anos, três álbuns - todos eles bem inscritos no universo do fado - e uma crescente adesão de público e de crítica em Portugal e no estrangeiro. Uma fadista estava na calha mas, em contramão ou nem tanto, o seu caminho seguinte - o álbum «Diário» (editado nesse mesmo ano, alguns meses depois) mostrava Mafalda a experimentar outras linguagens para além do fado - de uma milonga argentina a uma canção de Vinicius de Moraes, de Charles Aznavour à música basca... - e o recentíssimo «Flor de Fado» mostra a cantora e compositora com um pé no fado e outro em territórios musicais portugueses, muitíssimo portugueses sim, mas que do fado - se é que de fado sempre se trata - só conservam uma essência primordial. Diz ela: «Ainda há poucos dias falava com os meus músicos acerca do título do novo álbum, "Flor de Fado", porque este é de facto o meu disco menos de fado, de fado no sentido tradicional da palavra. Mas sinto-me mais fadista do que nunca. Nos valores, nas intenções, na ideia de cantar a vida real. E nesse sentido acho que continuo a ser extremamente fadista... Mas é verdade que há aqui um depurar, um ir à essência... A "Flor de Fado" é como a flor de sal, quando a água evapora e aquilo que fica...».

A analogia, lindíssima e que facilmente se explica por si, com a flor de sal tem uma continuação lógica na explicação de Mafalda de que este disco vive muito dos diálogos entre duas guitarras clássicas, a viola de fado de Luís Pontes e a viola do argentino Ramon Mascio, e em que a guitarra portuguesa - tocada soberbamente por Ângelo Freire, um jovem de apenas 19 anos a quem Mafalda Arnauth augura um futuro brilhante - aparece muito menos em destaque do que seria de esperar, embora quando apareça, como na sua versão de «Povo Que Lavas no Rio», seja, nas palavras de Mafalda, um «leão na selva». Mafalda Arnauth diz que a viola de fado fica muitas vezes «num ponto absurdamente esquecido. E há muitos anos que queria ter duas guitarras clássicas como base da minha música». E estiveram quase a ser três, se Pedro Jóia - com o seu lado flamenco - se tivesse juntado ao projecto, hipótese que se pôs depois de um concerto no Porto. E a estes guitarristas juntou-se também o baixista Fernando Júdice (ex-Madredeus), que já tinha trabalhado com Mafalda Arnauth no passado mas que do fado só tinha tido essa experiência.

Mafalda justifica, se tal preciso fosse, o seu mergulho em «outras músicas» no anterior álbum «Diário» como consequência de alguém que «quando era nova não ouvia fado, de todo. Ouvia música brasileira, música de outros países de América do Sul, música francesa... Só comecei a ouvir fado com 18, 19 anos. E no "Diário" alarguei os meus horizontes para me exprimir noutras linguagens». E todo o universo fraternal de «Flor de Fado» - um universo em que podem entrar nomes da chamada «canção ligeira» portuguesa dos anos 60 como Fernando Tordo, Simone de Oliveira e até, de forma lateral, Amália Rodrigues, Carlos do Carmo ou José Afonso - tem também uma razão de ser. «Tenho uma admiração profunda por todos esses nomes. E nunca percebi muito bem porque é que se chamava "canção ligeira" à música do Fernando Tordo, da Simone, do Carlos do Carmo... Ligeira no sentido de superficial, de pouco profundo, de efémero... Acho que não são nada disso. E são mesmo capazes de estar na minha memória genética».

E, em defesa - repete-se, se tal defesa fosse necessária - das suas canções, Mafalda diz que «actualmente há muita gente talentosa a defender, e a defender de forma brilhante, o fado mais tradicional. Mas qual é o interesse de eu ir, só para mostrar que sou capaz, fazer um reportório integral de fado tradicional?... Posso vir a fazer um disco de fado clássico em qualquer altura da minha vida». Mas, enquanto isso não acontece, está aí «Flor de Fado» - onde Mafalda também realça a participação do poeta Tiago Torres da Silva na escrita de alguns temas e o muito bem-disposto dueto com a cantora brasileira Olivia Byington (em «Entre a Voz e o Oceano», tema com música de Olivia e letra de Tiago Torres da Silva) - e uma infinidade de colaborações de Mafalda com gente como o mítico cantor cubano Pablo Milanés (num concerto, há alguns meses, no País Basco), com o importantíssimo grupo galego Milladoiro (numa participação que irá aparecer no próximo álbum deste grupo), com o brasileiro Vinicius Cantuária (num concerto conjunto previsto para a próxima edição do festival Atlantic Waves, em Londres) ou a gravação de um tema para o próximo disco do mestre da trikitixa basca Kepa Junkera. E que melhores parcerias é que se poderiam querer?


MAFALDA ARNAUTH
«FLOR DE FADO»
Universal Music Portugal

Se em «Diário», o seu álbum anterior (de 2005), Mafalda Arnauth levava muitas vezes, e bem, o fado para as «músicas do mundo» - nesse disco Mafalda cantava Vinicius de Moraes, uma milonga, «La Bohéme» (de Charles Aznavour), um tema do basco Fran Lasuen (ex-Oskorri)... - neste novo «Flor de Fado», a cantora salta do fado para uma música portuguesa «mítica» que remete muitas vezes para a grande canção, ligeira ou não, dos anos 60 e 70 no nosso país. Uma música imaginária que convoca em partes praticamente iguais José Afonso e Amália Rodrigues (e está aqui «Povo Que Lavas no Rio», embora numa versão pessoalíssima e que se afasta bastante da matriz amaliana), Simone de Oliveira e Fernando Tordo, Carlos do Carmo e Vitorino Salomé (e está aqui uma versão de «Tinta Verde», de Vitorino). Como está também um delicioso fado-bossa, «Entre a Voz e o Oceano», num dueto com a cantora brasileira Olivia Byington e uma versão lindíssima de «Flor do Verde Pinho» (de Manuel Alegre e José Niza).

Pensado originalmente como «alinhamento» para um concerto, este álbum (de estúdio) tem Mafalda Arnauth rodeada pelo letrista Tiago Torres da Silva e pelos compositores e guitarristas Luís Pontes e Ramon Maschio, Ângelo Freire na guitarra portuguesa, Fernando Júdice no baixo e Davide Zaccaria no violoncelo. Uma equipa de luxo que fez deste disco aquilo que ele é. «Quem Me Desata» é capaz de ser o fado mais fado de todo o álbum e mostra que, se Mafalda Arnauth e os seus músicos tivessem querido, este poderia ter sido, todo ele, um excelente álbum de fado e de uma excelente fadista. Assim, é - e ainda bem - um excelente álbum de música e de uma excelente cantora. (*****)

1 comentário:

Anónimo disse...

"RAÍZ DE FADO"

El concierto de Mafalda Arnauth en Madrid.


Sergio Zeni en Tierrafolk

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