07 julho, 2006

Cacharolete de Discos


Ainda à boleia de Lila Downs, aqui ficam algumas críticas de discos («La Cantina», o mais recente de Lila Downs, e também La Chicana - na foto -, Emmanuel Jal & Abdel Gadir Salim, Cheikh Lô e os irlandeses Clannad) publicadas originalmente no BLITZ há alguns meses...

LILA DOWNS
«LA CANTINA»
Narada/EMI

Belas canções rancheras mexicanas, entre a alegria e a tristeza. Só a electricidade está a mais.

O novo álbum da cantora e compositora mexicana Lila Downs, «La Cantina – Entre Copa y Copa...», é um excelente exemplo daquilo que a chamada world music tem de melhor e, em alguns temas (felizmente poucos), de pior. Logo a abrir, «La Cumbia del Mole», é uma canção alegre e lindíssima, que fala de culinária (!), com cavaquinhos e acordeão, mas lá para a frente há um solo de guitarra eléctrica à la Carlos Santana que só estraga o conjunto. Mas o álbum continua bem, sempre bem. Há uma canção sobre casas de alterne na fronteira do México com os Estados Unidos (entre o disco-sound e o cajun), outra – lindíssima - sobre as feiticeiras índias («Agua de Rosas») e muitas versões de temas de José Alfredo Jiménez, um dos mitos da canção ranchera dos anos 50. Canção ranchera que fala de amores fatais e muito álcool (tequilla, pois...) e que está, muitas vezes, próxima – pelo menos aqui, nas versões de Lila Downs – da música árabe, do son cubano, do fado, do flamenco, da morna. Mesmo que, lá pelo meio, se enfiem a espaços, momentos de voz com flow de hip-hop, o clarinete klezmer de Paul Cohen (marido de Lila Downs) ou uma pulsão de baixo funk. O pior, sempre que aparecem, são mesmo os solos de guitarra eléctrica. Principalmente porque aquilo resulta sempre melhor quando está mais próximo da «verdade», como no tema mariachi «El Relámpago» ou num espantoso tema interpretado a capella por Lila Downs e os seus músicos (aqui só em voz, claro), «Yo Ya Me Voy» (uma canção polifónica que faz, estranhamente, lembrar o cante alentejano e os cantos polifónicos da Córsega). (8/10)

EMMANUEL JAL & ABDEL GADIR SALIM
«CEASEFIRE»
Riverboat/World Music Network/Megamúsica

A música nunca fez a paz. Mas pode contribuir decisivamente para que ela aconteça...

Há muitos exemplos: a editora israelita Magda, que reúne artistas judeus e muçulmanos; o respeito e amor que o paquistanês Nusrat Fateh Ali Khan sentia na Índia; o Festival au Desert, que reúne etnias anteriormente desavindas do Mali, etc, etc... E ouvir um álbum como «Ceasefire» (o título - «cessar fogo» - diz tudo!), colaboração entre o rapper do norte do Sudão Emmanuel Jal (que foi guerrilheiro quando era adolescente) e o respeitadíssimo Abdel Gadir Salim, cantor, compositor e tocador de oud, originário do sul do Sudão, é arrepiante: é ouvir o diálogo entre os dois lados até há pouco tempo em guerra, o choque entre o passado e o futuro, a África negra e o norte do país (árabe), a música tradicional e as electrónicas ocidentais, com o hip-hop bem presente. Paz! (8/10)


LA CHICANA
«CANCIÓN LLORADA»
Galileo/Megamúsica

Grupo argentino leva o tango para todo o lado.

Às vezes há surpresas destas: um grupo argentino com dois ou três álbuns editados no seu país, começa agora a lançar-se na Europa reunindo muitos dos temas do seus dois primeiros discos (Ayer Hoy era Mañana e Un Giro Extraño) num único álbum, Canción Llorada, juntando-lhe ainda alguns inéditos, uma versão de um tema de Tom Waits («Frank’s Wild Years» aqui rebaptizado «Los Años de Joda de Aníbal»), convida o extraordinário acordeonista Chango Spasiuk para lhes dar uma mãozinha fugaz e... surpreendem-nos com um álbum onde há tango, sim, do melhor tango, mas também valsas, milongas, chamames (olá Spasiuk), cheirinhos a Brasil (com um forró delicioso), África (andam kissanges em «Imposible») e Portugal – a guitarra portuguesa surge várias vezes nas mãos de Acho Estol (o principal compositor do grupo). Há sangue e risos, lágrimas e dança. E a voz fabulosa de Dolores Solá. (8/10)


CHEIKH LÔ
«LAMP FALL»
World Circuit/Megamúsica

Cantor senegalês em viagem pelo mundo.

Cheikh Lô – cantor senegalês (de pais senegaleses e radicado há muitos anos no Senegal, apesar de ter nascido no Burkina-Faso) que se deu a conhecer, em meados dos anos 90, com uma curiosa e atraente fusão de mbalax, funk, reggae e soukou – está de regresso, ao fim de cinco anos sem nenhum disco de originais editado, com um novo álbum em que as fronteiras da sua música são ainda mais alargadas. Em «Lamp Fall» há lugar para o jazz-funk de sabor afro e com uma fabulosa talking-drum a pairar lá atrás (o tema-título) e aproximações às baterias de samba (no absolutamente dançável «Sénégal-Brésil»), à música árabe («Zikroulah») ou às guajiras, sem deixar de lado um reggae fresquinho fresquinho (cf. em «Bamba Mô Woor»), o mbalax ou a repescagem das rumbas que fizeram parte da sua escola musical na juventude. (7/10)


CLANNAD
«LIVE IN CONCERT»
MDM/Keltia Musique/Megamúsica

Música irlandesa «light» e ao vivo.

O segredo do sucesso dos Clannad (como, de certa maneira, do sucesso de Enya, que é irmã de Maire e Ciaran Brennan e passou em tempos pelos Clannad) é também o motivo de menor aceitação da música da banda por parte de muitos dos «puristas» da música irlandesa: a fusão da música tradicional irlandesa («céltica», se se quiser usar o palavrão) com outros géneros mais ou menos nobres (aos olhos dos puristas do «celtismo»): o jazz, o rock, a pop, a - vileza maior entre as maiores - a new age. Certo: é verdade que os Clannad estragam muitas vezes a sua música (ou os temas tradicionais que levam para o reportório) adicionando saxofones, guitarras eléctricas, vozes convidadas assustadoras (neste álbum ao vivo, gravado em 1996, um tal Brian Kennedy substitui mal Bono no dueto com Maire Brennan de «In a Lifetime») e carpetes de sintetizadores cheios de azeite. E que são capazes de estuchas de rock sinfónico/medieval/foleiro como o «Robin of Sherwood Medley» que está neste álbum. Mas também é verdade que há momentos que ainda dão um arrepio na espinha (como as harmonias vocais do tradicional «Dulaman»ou, apesar da tal alcatifa de sintetizadores, «Theme From Harry's Game» - a canção que serviu de prefácio, no início dos anos 80, a muitos concertos dos U2). Se os Clannad servirem para que, através deles, se conheçam os Chieftains e a boa música irlandesa, já valeram a pena. (6/10)

1 comentário:

Carlos Norton disse...

Este trabalho dos Clannad, a meu ver não pode agradar nem aos puristas nem a outros. Acabaram por fazer um trabalho muito descaracterizado e incongruente, mas ainda assim considero que vale a pela conhecer Clannad. Para além dos momentos vocais deliciosos ao longo da carreira, vale acima de tudo, pelo trabalho que fizeram nos anos 70. "Clannad" (1973), "Clannad 2" (1975) e "Dúlamán" (1976) são 3 álbuns que ficam à margem dos sons actuais da banda. Esses Clannad são para mim referência, quanto aos novos, já há muito que desisti de comprar novos lançamentos...
Um abraço e parabéns pelo blog!
Carlos B Norton