12 julho, 2006

Híbridos (Recuperados a 2004), Parte 3


Tris, tris, tris, tris.............

WORLD EXTRA

Voz inesquecível da música cabo-verdiana - tanto nos incontornáveis Tubarões como na sua carreira a solo -, Ildo Lobo morreu demasiado cedo. Mas deixou em testamento um último álbum que é, talvez, o melhor da música cabo-verdiana em muitos anos (Cesária Évora e os Ferro Gaita incluídos). «Incondicional» (Harmonia/Lusáfrica) é essencialmente um álbum em que Lobo dá voz a mornas e coladeiras quentes e arranjadas com um bom gosto insuperável. Poucos instrumentos eléctricos; e com piano, cavaquinhos, a cantora Lura brilhando no dueto «Raboita Mundo» e o melhor violino da música cabo-verdiana depois de Travadinha, curiosamente de um músico oriental (Kim Dan Le Oc Mach). Fundamental. (9/10)

Assim como fundamental é o duplo-álbum «Golden Afrique Vol. 1» (Network/Megamúsica), que reúne gravações históricas - dos anos 70, principalmente - de alguns dos pioneiros da moderna música africana, muitas vezes fundindo ritmos tradicionais com a música negra norte-americana (jazz, funk, soul...). Na colectânea há lugar para Amadou Balaké (do Burkina Faso), o ziboté de Ernesto Djédjé, os Ambassadeurs du Motel de que Salif Keita era o cantor, o n'gumbé da orquestra Super Mama Djombo (da Guiné-Bissau), a cantora sul-africana Miriam Makeba, a Etoile de Dakar (que deu a conhecer Youssou N'Dour), a Orchestre Baobab e muitos outros. (8/10)

E ainda por África, outro disco surpreendente: «Congotronics» (Crammed Discs/Megamúsica), do colectivo Konono Nº1 (na foto), de Kinshasa, uma troupe que faz música cuja base são três likembés (outro nome para m'bira, kalimba ou kissange) mas que também usa microfones feitos a partir de componentes de automóveis, megafones, apitos, altifalantes artesanais e percussões estranhíssimas. O resultado é uma música hiper-dançável, repetitiva e de uma estranha modernidade. Uma grande surpresa. (7/10)

Subindo para norte, mas ainda em África, o argelino há muitos anos imigrado em França Khaled dá-nos um novo álbum, «Ya-Rayi» (AZ/Universal), que é uma super-produção luxuosa e luxuriante (até Don Was por lá anda). Aqui, o rai mistura-se com funk, r&b e electrónicas variadas; o som das darabukas e da ney (a flauta tradicional) fundem-se com sintetizadores e secções de metais. Mas também andam por lá as cordas da Orchestre Art TV do Cairo e uma orquestra argelina para manter, por vezes, a música mais próxima das raízes. Às vezes isso é mesmo uma boa ideia. (5/10)

Muito, muito bom é o primeiro álbum com distribuição internacional do acordeonista argentino Chango Spasiuk, «Tarefero de Mis Pagos - Souns From The Red Land» (Piranha/Megamúsica). Pegando na música tradicional da sua região de Misiones, o chamamé (bastante próximo da música caipira do Mato Grosso brasileiro), Chango e os músicos que o acompanham adicionam-lhe muitas vezes outros elementos - polkas e valsas vindas do leste europeu (o apelido Spasiuk deve-se aos avós ucranianos imigrados na Argentina), o seu gosto pelo jazz e, obviamente, por Astor Piazzolla. E o resultado final é sempre brilhante, virtuoso mas vivo, pulsante e quase sempre dançável (as excepções são os temas mais experimentais, que por vezes, fazem lembrar os Madredeus do início, Kepa Junkera ou a Penguin Cafe Orchestra). Deve ser fabuloso ao vivo. (9/10)

Outro grande álbum é «Caminos de Pache» (Dunya Records/Megamúsica), do quarteto vocal masculino Tenores di Bitti, da Sardenha, cujo jogo de vozes cria, sempre, uma música rude, grave e antiga. Imagine-se um coro de cante alentejano a fazer um curso intensivo de «throat-singing» em Tuva e o resultado poderia estar muito próximo daquilo que, a meio caminho, os Tenores di Bitti apresentam. Com trinta anos de carreira e com muitas provas dadas na defesa da música vocal sarda (a escola de Canto a Tenore, por exemplo), o grupo atreve-se neste álbum a, pela primeira vez e só de vez em quando, incluir alguns instrumentos (acordeão e as flautas de cana launeddas) que não as vozes. Mas não destoam. (8/10)

Ainda de Itália, a colectânea «Italia 3 - Atlante de Musica Tradizionale» (Dunya Records/Megamúsica) inclui 19 projectos e dá um bom retrato da variedade de géneros tradicionais do país e, muitas vezes, de cruzamentos com géneros musicais, digamos, modernos. Do espantoso jogo de timbres dos bandolins da Napoli Mandolin Orchestra ao curiosíssimo cruzamento de tarantelas e música cigana dos países de leste dos Acquaragia Drom, da voz quente de Franca Masu à folk com sabor medieval dos Baraban, dos acordeões de Mario Salvi, Riccardo Tesi e Filippo Gambetta ao afro-italo-rock-reggae de Lou Dalfin, da electrónica com laivos de tarantelas e música turca da colaboração dos Mascarimiri com o DJ AlphaBass à folia absoluta dos Tre Martelli e aos irresistíveis ritmos das tammuriatas de La Moresca, esta é a compilação perfeita - apesar de um ou outro tema menos interessante - para quem quer mergulhar na música folk italiana. (7/10)

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