07 março, 2008
DeVotchka, Vampire Weekend e Yeasayer - O Rock, Cada Vez Mais World Music
A atracção de músicos pop/rock anglo-saxónicos por músicas de outros lados do mundo não é uma coisa nova... A história - e a linhagem - é mais que conhecida: Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin, Peter Gabriel, David Byrne (com e sem os Talking Heads), Brian Eno, Sting, Paul Simon, Jah Wobble, Ry Cooder, boa parte do pós-punk/no wave nova-iorquino de inícios dos anos 80, etc, etc... E, nos últimos anos, essa tendência tem, em vários grupos e artistas, tomado diversas direcções: dos Animal Collective aos Beirut, dos Tindersticks aos Calexico e aos Firewater... Desta vez, a fornada é feita com mais três grupos norte-americanos de rock, digamos assim, que se deixaram cativar por músicas de outros lados do mundo: os DeVotchKa (na foto), os Yeasayer e os Vampire Weekend.
DEVOTCHKA
«A MAD AND FAITHFUL TELLING»
Anti- Records
Em tempos que já lá vão, os DeVotchKa foram a banda de apoio dos espectáculos burlescos de... Dita von Teese (pois, a ex-mulher de Marilyn Manson). Mas alguns anos, várias digressões e um punhado de discos depois, o grupo de Denver, Colorado, acabou por chegar à fama absoluta em nome próprio quando Jonathan Dayton e Valerie Faris o convidou para a banda-sonora do filme «Little Miss Sunshine». E o seu novo álbum, este «A Mad and Faithful Telling», mostra-nos uma banda seguríssima nos caminhos para onde quer levar a sua música, uma música em que ao rock indie e à folk se juntam, sem problemas e de forma absolutamente consistente, doses reforçadas de música cigana balcânica, klezmer, mariachis mexicanos, um irresistível balanço swing, valsas arrancheradas ou completamente parisienses e até um tema que poderia ser uma jam de Johnny Cash com os Tindersticks algures no Texas («Undone»). E, sendo apenas quatro, os DeVotchKa cantam e tocam variadíssimos instrumentos (guitarra, trompete, theremin, bouzouki, violino, acordeão, piano, sousafone, percussões...), numa variedade de timbres e sonoridades notável. «A Mad and Faithful Telling» vai agradar, de caras, aos fãs dos Gogol Bordello, Beirut, A Hawk and A Hacksaw, Calexico, Ry Cooder e Tarnation, por um lado, e aos fãs de Sufjan Stevens e Arcade Fire, por outro. (8/10)
VAMPIRE WEEKEND
«VAMPIRE WEEKEND»
XL Recordings
Ouve-se tão bem e é tão fresquinha a música deste disco!! Imagine-se: um pop/rock leve e saltitante que tanto vai aos Smiths quanto aos R.E.M., aos Feelies ou aos Squeeze, que aqui e ali se atreve a ir à música erudita (oiçam-se «M79» ou «The Kids Don't Stand a Chance») mas também a um ska e a um punk que tem mais, muito mais, de Green Day do que de Sex Pistols ou Clash, mas em que as canções são mergulhadas em variadíssimos condimentos de música africana: há lá ritmos que se colam imediatamente aos dos Konono Nº1 ou do afro-beat estabelecido por Fela Kuti, guitarras eléctricas que vão buscar a inspiração directamente a Johnny Clegg ou ao highlife do Gana (nomeadamente aos Osibisa) ou à marrabenta moçambicana ou a King Sunny Adé... e uns órgãos semi-manhosos que só poderiam ter saído de África nos anos 70. Novinhos, nova-iorquinos, os Vampire Weekend apontam como uma das suas maiores influências o álbum «Graceland», de Paul Simon, e isso faz todo o sentido, mas no meio de uma das suas letras, a do seu grande êxito até agora, «Cape Cod Kwassa Kwassa», falam também de Peter Gabriel (o que continua a fazer sentido). Curiosamente, «Cape Cod Kwassa Kwassa» faz lembrar, estranhamente!, o tema «Almadrava», dos nossos Marenostrum. «Vampire Weekend» é, acima de tudo, uma declaração de amor de quatro branquelas ianques pela música africana. Não é tão absoluta como a dos Toubab Krewe, por exemplo, mas é igualmente bonita. (8/10)
YEASAYER
«ALL HOUR CYMBALLS»
We Are Free
Apesar de serem o grupo deste lote menos obviamente contaminado pela chamada world music, a verdade é que os Yeasayer assinam o álbum mais interessante de todos. Com uma visão global de muitas décadas de rock - principalmente das suas margens mais psicadélicas e mais experimentais -, este novíssimo grupo nova-iorquino (formado em 2006!) faz uma música hiper-excitante e actualíssima, onde tanto podem conviver alusões aos Talking Heads como aos Flaming Lips, aos Beatles, aos Beach Boys, aos Pink Floyd do início ou a um hipotético heavy-metal feito no norte de África (cf. em «Wait For The Wintertime», que tem tanto de gnawa como de Black Sabbath). Com letras muitas vezes pessimistas e carregadas de um negrume indisfarçável - «2080», por exemplo, é uma visão apocalíptica do futuro -, a música dos Yeasayer é, no entanto, quase sempre de uma luminosidade rara e ofuscante. Uma música em que há lugar para o psicadelismo, o rock progressivo, uma freak-folk encantada e com o melhor que a palavra «freak» pode conter, o experimentalismo, o gospel, polirritmias africanas, celebrações tribais - para pôr mesmo ao lado das melhores dos Animal Collective ou dos Akron/Family -, uma sitar indiana (em «Wait For The Summertime») e até algo vindo do leste europeu (no maravilhoso «Germs»). Os Yeasayer dizem-se influenciados pelas bandas-sonoras de filmes de Bollywood, por Thomas Mapfumo e pela música «celta» (o seu myspace refere, com imensa piada, que eles soam a «Enya com tomates»!), mas o melhor mesmo é ouvir este fabuloso álbum e cada um tirar as suas conclusões. (9/10)
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7 comentários:
Caro António,
Há algum tempo que sigo o seu blog e quero dar-lhe os parabéns pela qualidade e pertinência do seu trabalho, um manancial interminável de informação. Parabéns!
António:
Destes três só conheço os Vampire Weekend e acho que exageras na sua qualidade! É bom pop, nada mais, e não há lá assim tanta África ;)
Abraços
Carlos Ramos
Caro Manuel P:
Muito obrigado pelas suas palavras!!! Volte sempre!!!
Carlos:
Olha que estás enganado!! A música africana está lá sempre, seja nos ritmos, nas guitarras, nos órgãos... Está é diluída, de forma subtil, em canções pop - e aí até te percebo - que não seriam nada de especial se não tivessem essas «especiarias» africanas... Mas às vezes, esses toques de originalidade, esses «clicks» de diferença - seja nos Vampire Weekend seja noutros casos (olha os Beirut!) -, são suficientes para transformar canções aparentemente banais em belos pedaços de música :)))
Um grande abraço...
Sounds exotic!
May I Swedish Wolf Woman join the party here?
;-)
Abraços
Anna-Lys:
Yes, this music sounds exotic but is very good! I think you'll appreciate specially Yeasayer (lots of Pink Floyd - the first and psychedelic years of Pink Floyd - here!). And the Swedish Wolf Woman is always welcome to these parties :)
((Kram))
Caro António Pires!
Antes de mais queria agradecer-te por muitos anos de leitura dos teus artigos no „Blitz -jornal“ e muita boa música que me deste a conhecer.Reparei no teu nome num artigo sobre um dos primeiros festivais islâmicos em Mértola (qualbi arabiya – “o meu coração é arabe” ), más provavelmente já antes tinho lido muito de ti.
Obviamente senti a tua falta na nova “Blitz-revista”. Felizmente há este blog!
Este CD dos “Yeasayer” é mesmo um dos mais interessantes deste ano.
“Sunrise” parece uma música perdida do”My life in the bush of ghosts” com vocalizações psicadélicas.
Más é por “Wait for the summer” que me apaixonei logo. A melodia – a sitar – não saiu da minha cabeça. Há muitos anos já ouvi esta música……até que encontrei numa gaveta esquecida uma cassette(!) dos anos 70. Afinal é um traditional “celtico?” (com sitar indiana) numa versão dos Pentangle, eu penso do LP “Reflection” de 1971, “(Cold) Rain And Snow”. Parece que os “Grateful Dead” também tocaram esta música.
“2080” faz me lembrar as guitarras funky de Amadou&Mariam com vozes a “Fleetwood Mac”…
Já há muito tempo que não ouvi um disco rock com tanto entusiasmo.
Um abraço,
Jens Mäder ( João Alemão)
Caro Jens:
Muito obrigado pelas palavras acerca do meu trabalho «antigo» :)
E ainda mais obrigado pela sua excelente visão do álbum dos Yeasayer e os seus esclarecimentos sobre a canção «Wait For Summertime»... Também gosto muito deste álbum, como se pode ver pelo que também escrevo sobre ele.
Volte sempre e um abraço...
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