05 maio, 2008

Yasmin Levy, Aman Aman e Al Andaluz Project - As Viagens da Música Sefardita


Há cerca de quinhentos anos houve outro Holocausto, um Holocausto menos conhecido do que aquele que os judeus sofreram na Alemanha nazi, com menos vítimas mas nem por isso menos vil e sangrento. Os judeus da Península Ibérica foram mortos, convertidos à força ao cristianismo ou fugiram para o norte de África, onde ficaram ou daí partiram para a Turquia, a Grécia, os países do centro e do leste europeu... Com eles levaram a sua música - a música sefardita, que foi ganhando ao longo dos séculos nuances próprias dos locais por onde essa música passou - e a sua língua, o ladino (na origem uma mistura de castelhano, português e hebraico). Hoje, o Raízes e Antenas fala de três discos com muita - e belíssima - música sefardita lá dentro. Só sefardita no caso de Yasmin Levy (na foto) e dos Aman Aman, sefardita e outras - música árabe e cristã da Idade Média dourada na Península Ibérica - no caso do Al Andaluz Project.


YASMIN LEVY
«MANO SUAVE»
Adama/World Village/ Harmonia Mundi

A respeitadíssima cantora israelita Yasmin Levy continua, no novo álbum «Mano Suave», a traçar uma rota possível da música sefardita desde a sua fonte, na Península Ibérica, até aos vários locais por onde passou. Nas suas romansas (romances ou romanças), baladas e kantigas há elementos vindos do flamenco - e há uma teoria que defende que o flamenco foi uma invenção conjunta das comunidades judias, árabes e ciganas fugidas à Inquisição espanhola -, da música árabe, da música turca, da música grega... todas juntas num são convívio livre de barreiras religiosas, políticas ou culturais. Entre tradicionais sefarditas (como os belíssimos «Adio Kerida», «Nani Nani» ou «Komo La Roza» e o divertido «Si Veriash»), alguns originais de Yasmin Levy, uma canção catalã («Mal de l'Amor», de Gustavo Durán, em que a harpa faz lembrar... a kora mandinga) e uma canção de beduínos («Mano Suave», cantada em castelhano e em árabe, num dueto com Natacha Atlas), o álbum flui de uma forma belíssima, com a voz de Yasmin a brilhar a grande altura e um naipe de instrumentos acústicos de várias origens - da guitarra clássica e do piano ao qanun, à ney, ao oud, à harpa ou às percussões - a sublinhar na perfeição a voz e as palavras cantadas. Profunda conhecedora da tradição sefardita - o seu pai, Yitzhak Levy, foi um pioneiro no estudo desta cultura ancestral -, Yasmin Levy edita discos dedicados à música que os judeus ibéricos levaram consigo e que foi entretanto transmitida de geração em geração desde 2000 (quando lançou o álbum de estreia «Romance & Yasmin»). E, para quem não a conhece, «Mano Suave» é uma excelente porta de entrada. (8/10)


AMAN AMAN
«MÚSICA I CANTS SEFARDIS D'ORIENT I OCCIDENT»
Galileo/Megamúsica

Os Aman Aman são um dos vários projectos paralelos dos valencianos L'Ham de Foc - o Al Andaluz Project é outro, mas já lá iremos -, grupo dedicado ao estudo e à prática da música sefardita em que Efrén Lopéz e a cantora Mara Aranda são acompanhados por vários músicos espanhóis e gregos, nomeadamente Diego López (que também acompanha os L'Ham de Foc, nas percussões), Christos Barbas (na ney), Eleni Kallimopoulou (em kemençe) e Aziz Samsaoui (no qanun). E neste álbum de estreia dos Aman Aman, o grupo concentra-se essencialmente em versões de música sefardita recolhidas junto das comunidades judeo-espanholas que se fixaram no antigo Império Otomano (que compreendia a Turquia, a Grécia, a Bulgária e a antiga Jugoslávia), mas comuns a muitas outras comunidades sefarditas. Música sefardita de Marrocos - destino primeiro de muitos judeus em fuga à Inquisição espanhola e portuguesa - também tem lugar neste álbum. Um álbum extraordinário em que Mara Aranda canta, naturalmente, em ladino e os instrumentos tradicionais (neste caso não há lugar para guitarras e pianos, embora ande por aqui um contrabaixo) europeus e árabes se casam na perfeição. Com momentos de sublime beleza como «La Galana y El Mar/Ajuar de Novia Galana» ou a canção de embalar «Durme/Bana Yucelerden Seyreden Dilber», «Música I Cants Sefardis d'Orient I Occident» é um álbum magnífico de respeito e reinterpretação de uma tradição que continua viva em muitos lugares. (9/10)


AL ANDALUZ PROJECT
«DEUS ET DIABOLUS»
Galileo/Megamúsica

Ainda outro projecto paralelo dos dois L'Ham de Foc - Mara Aranda e o multi-instrumentista Efrén Lopéz -, no Al Andaluz Project participam também músicos de uma das mais respeitadas formações de música antiga, o grupo alemão Estampie, dirigido por Michael Popp. Com três vozes femininas a coroar os diferentes géneros presentes no álbum (Mara a interpretar as canções sefarditas; Sigrid Hausen a interpretar as canções galaico-portuguesas do Cancioneiro de Santa María; e Iman al Kandoussi a cantar as canções árabes), «Deus et Diabolus» é a celebração de uma época e um local - o Al-Ándalus, isto é, a Península Ibérica sob o domínio árabe da Idade Média, mas também, do lado cristão, a corte do rei castelhano Afonso X, O Sábio - em que três culturas e religiões conviviam em harmonia: os muçulmanos, os judeus e os cristãos. E o que é mais estranho, ou nem por isso, é verificar como de facto a música e as músicas dos diferentes povos se contaminaram e influenciaram entre si, podendo uma canção em galaico-português do Cancioneiro de Santa María (do qual muitas das canções são atribuídas ao próprio Afonso X, se bem que dele só devam ser dez das mais de quatrocentas composições do Cancioneiro) colar-se perfeitamente a uma cantiga sefardita e esta a uma canção árabe. Com um domínio perfeito de inúmeros instrumentos antigos e tradicionais (da sanfona e da nyckelharpa ao saz, ao qanun ou ao alaúde), e com as fabulosas vozes das três cantoras a voar por cima deles, «Deus et Diabolus» é um disco quase perfeito. (9/10)

4 comentários:

Anónimo disse...

António Pires:

Vou confiar em si e, para já, arriscar nos Al Andaluz Project. Por aquilo que consigo captar do texto que lhes dedica, parece-me o tipo exacto de música que vou apreciar. Só espero encontrá-lo com facilidade.
Um abraço.

António Pires disse...

Rui G:

Vai encontrá-lo facilmente, seja na FNAC seja na VGM. Mas olhe que a Yasmin Levy e, principalmente, os Aman Aman também não são nada de desprezar.

Um abraço

Anónimo disse...

Olá António

Descobri os Aman Aman e os Al Andaluz na FNAC e achei-os fantásticos. Já agora, existem mais projectos paralelos dos L'Ham de Foc?

Abraços,

Pedro Lopes

António Pires disse...

Pedro Lopes:

Existem, sim senhor! Uma série deles...

Mas, infelizmente, os L'Ham de Foc e os Aman Aman terminaram entretanto. Segundo um comunicado conjunto «Desde hace unos meses, el grupo L'Ham de Foc y su formación paralela dedicada a la música sefardita Aman Aman han dejado de existir como tales y sus dos miembros fundadores, Mara Aranda y Efrén López, han decidido dejar de trabajar juntos y dedicarse cada uno a sus proyectos, algunos de ellos ya iniciados y otros a punto de comenzar. En plena coordinación y consenso nos decidimos a hacer público el hecho con la finalidad de aclarar posibles malentendidos y poner especial énfasis en que la actividad individual de ambos músicos tiene un pasado común en L'Ham de Foc o Aman Aman, pero un futuro abierto y diverso, sea actuando como músicos individuales o formando parte de otros proyectos».

Em relação aos projectos do Efren Lopez, consulte o seu myspace:

http://www.myspace.com/efrenlopezmusic

Já a Mara Aranda parece continuar ligada ao Al Andaluz Project (que já não conta com o Efren):

http://www.myspace.com/alandaluzproject1

Um abraço