06 julho, 2006

Lila Downs - Canta Cantina


Cantora na linha da frente da renovação da música tradicional mexicana, Lila Downs regressa agora a Portugal para um concerto na Casa da Música, Porto, dia 18, e na Aula Magna, Lisboa, a 19 de Julho. Na ementa do concerto - e a julgar pelo seu recente espectáculo em Vigo, na Galiza - estão muitos dos temas do seu novo álbum, «La Cantina», sem esquecer canções mais antigas do seu reportório e alguns clássicos da música mexicana. Em Vigo, horas antes do concerto, Lila Downs falou com alguns jornalistas portugueses.


Lila Downs tinha cantado em Madrid no dia anterior. E no dia do concerto em Vigo, devido a uma greve da Iberia, o avião em que viajava chegou com algumas horas de atraso. Lila Downs estava cansada e sem tempo - as quatro entrevistas individuais com os jornalistas portugueses transformaram-se numa entrevista colectiva -, mas isso não a impediu de sorrir, sorrir sempre, enquanto respondia às nossas perguntas. Um sorriso enquadrado por longas tranças negras, colares e amuletos índios. Um sorriso de simpatia por nós e de paixão pelo que faz. Uma paixão que, mais à noite, escorreria do palco para a plateia do Centro Cultural Caixanova, enquanto Lila cantava as suas versões de temas clássicos como «La Llorona» (um dos muitos que interpretou para a banda-sonora do filme «Frida») ou «La Cucaracha», à mistura com os originais («La Cumbia del Mole», «Agua de Rosas»...) e as versões de canções rancheras antigas («Tu Recuerdo y Yo», «La Noche de Mi Mal»...) que povoam o novo álbum. Tudo servido com arranjos que mesclam a tradição e a modernidade (na sua música há elementos de jazz, bossa-nova, música klezmer, hip-hop, rock progressivo e psicadélico...). Mesmo que, como Lila explica durante a entrevista, a música ranchera seja uma música rural nascida depois da revolução mexicana: «Havia muitos problemas sociais e a música ranchera é uma consequência da revolução. Nos poemas fala-se muito da temática amorosa, de conflitos sociais, da imagem do camponês e da Morte». Musicalmente, a tradição ranchera tem as suas raízes «numa maneira de cantar que pode ter vindo da Andaluzia [o flamenco], mas a sua poesia tem muito a ver com a maneira de sentir dos índios mexicanos; é muito sensível, muito frágil».


Uma maneira de sentir e de viver partilhada por Lila Downs, ela que nasceu em Tlaxiaco, Oaxaca, filha de uma índia mixteca e de um realizador de cinema ianque que tinha passado a fronteira para realizar um documentário no México. «Há um tema neste novo disco, "Agua de Rosas", que escrevi a pensar numa receita de ervas para o banho que me foi dada por umas feiticeiras da minha terra. Essa receita serve para que água do banho seja deitada no rio e leve as tristezas para o mar». Outro dos originais compostos por Lila para «La Cantina», «El Corrido de Tacha, La Teibolera» [«teibolera» é uma corruptela de «table-dancer»], trata de uma temática bastante diferente: «Fala das mulheres que vão para perto da fronteira com os Estados Unidos, fazer espectáculos de strip-tease. E, para muitas mulheres esta é, paradoxalmente, uma forma de libertação...». Em «La Cantina», Lila Downs canta várias canções rancheras, quatro delas de José Alfredo Jiménez, «um grande poeta mexicano, que escreveu muitas destas canções nos anos 50. Ele encarnava o espírito da música ranchera: bebia muitíssimo, pensava que era muito feio e por isso era muito trágico». A música ranchera continua viva no México, nas cantinas: «O visual pode mudar, mas o espírito é o mesmo». O espírito que Lila também quer manter na sua música, mesmo quando mistura as raízes com outros géneros musicais: «É importante que estas músicas se mantenham vivas junto da juventude. Porque não misturá-las com outras músicas?... Eu própria gosto de hip-hop ou de tecno...».

Lila Downs mostra-se bem informada sobre a música portuguesa. Já colaborou em palco com Mariza, mas refere também «Dulce Pontes e, quando estive em Lisboa há alguns anos, levei comigo discos de Amália Rodrigues. E reconhece que «há similaridades entre o fado e a música ranchera. A tristeza, o fatalismo...». E esta curiosidade por outras músicas leva-a, facilmente, a reconhecer que busca inspiração em cantores e músicos do seu país -- Chavela Vargas, Lola Beltran... -- e de outros países: a argentina Mercedes Sosa, a cabo-verdiana Cesária Évora ou o brasileiro Caetano Veloso, com quem assina um arrepiante dueto no tema «Burn It Blue», da banda-sonora de «Frida». Dizemos-lhe que a exposição de Frida Kahlo em Lisboa é um sucesso e perguntamos-lhe se Frida pode ser vista como o protótipo da mulher mexicana, pela sua arte, pela sua vida... Lila responde que «sim. Frida dava-se conta de uma coisa que estava para acontecer no futuro. Ela combinava os elementos das culturas mexicanas com outros elementos». Era quase, digamos, «tropicalista». O que leva a Caetano Veloso e ao seu dueto com o cantor bahiano: «Foi muito emocionante. Ele é uma personagem especial, com muita paz interior e com um passado de intervenção social notável».

2 comentários:

Clara Hall disse...

bem...parece que ando em viagem pelo passado deste blogue.

gosto muito dos seus textos. informam dos factos e encantam porque descrevem a sua forma de ver e gostar sem querer impor nada.

como isto começa a tornar-se aborrecido já não digo que adorei a referência a um dos meus filmes preferidos, ao Burn It Blue que é presença de honra no mp3 e... etc.

:))uma boa noite e obrigada pelas pistas.

António Pires disse...

Olá Clara!

É para mim um prazer que ande a viajar na «máquina do tempo» do R&A. Um tempo que não é assim tão longo quanto isso - o blog ainda não tem um ano sequer.

E muito obrigado pelo «encantam» acerca dos meus textos! Mas tem razão, nunca tento «impor» o que quer que seja: a música de que falo é uma viagem pessoal e, quem quiser, acompanha-me (ou não)... Já sei de alguns excelentes companheiros de viagem e a Clara também é, sempre, bem-vinda a bordo! (e sim, também gosto muitíssimo do «Frida» e o dueto do «Burn It Blue» é lindíssimo!!). Eu é que agradeço!!

Beijo