03 abril, 2007

Amélia Muge, Janita Salomé e Ala dos Namorados - Por Onde Anda a Música Popular Portuguesa



A expressão MPP, ou Música Popular Portuguesa, já é antiga mas não deixou de fazer sentido: MPP é a música que vai às raízes da música portuguesa, sejam elas quais forem, e lhes dá uma urbanidade (por ser feita nas cidades) ou modernidade (por ser feita... agora) ou globalidade (por saber de outras músicas neste mundo) qualquer. E estes três nomes - Amélia Muge (na foto), Janita Salomé e a Ala dos Namorados -, todos com álbuns recentemente editados, entram todos bem e cada vez melhor nesta categoria. É música portuguesa e não só, e popular assim o povo a receba como tal - e devia.


AMÉLIA MUGE
«NÃO SOU DAQUI»
Vachier & Associados

Amélia Muge tem já muitos anos de carreira mas poucos álbuns a fazer justiça à sua voz e ao seu talento de compositora. Uma voz fabulosa e uma compositora das melhores que a música portuguesa agora tem. No novo álbum, «Não Sou Daqui», Amélia Muge não renega nada do seu passado e da sua matriz - a música feita matéria artística livre e eterna de José Afonso e de Fausto e de Sérgio Godinho (e há uma frase tão reveladora na segunda canção deste álbum: «só neste país»...), mas também de Laurie Anderson, embora esta não seja completamente óbvia. E uma vontade enorme, imensa, de ir mais além. Na música de Amélia Muge, aqui e ali, há blues e música árabe e fado (e não só no óbvio «Fadunchinho», que tem um final delicioso), há experimentalismos a espreitar detrás de um piano, há baladas lindíssimas («Entre o Deserto e o Deserto» é só uma delas), há uma homenagem a Caetano Veloso e uma outra aproximação à música brasileira («Não Sou Daqui, Mas...»), há uma escolha criteriosa de poemas (ela própria escreve algumas letras, sim, mas também há poemas de Hélia Correia, António Ramos Rosa, Sophia de Mello Breyner e Eugénio Lisboa) e há uma equipa de luxo em que entram o arranjador e percussionista António José Martins (companheiro de vida e aventuras de Amélia há muitos anos), José Manuel David (dos Gaiteiros de Lisboa), o omnipresente pianista Filipe Raposo, o guitarrista José Peixoto e o baixista Yuri Daniel. (7/10)


JANITA SALOMÉ
«VINHO DOS AMANTES»
Som Livre

Janita é muito bem capaz de ser o melhor cantor português da actualidade. Tem uma voz vibrante, quente, maleável, alentejana e ao mesmo tempo árabe e andaluza e fadista e do mundo todo. E, sabe-se desde há muito, é também um compositor maior, maduro, com uma ideia de música - uma ideia que não o leva, nunca o levou, para a facilidade ou o acomodamento ou a preguiça. Em «Vinho dos Amantes», o seu novo álbum, Janita volta a surpreender com um álbum em que um mote, o vinho, é visitado em poemas ancestrais, do chinês Li Bai ou do grego Anacreonte, a poemas mais contemporâneos de Charles Baudelaire, António Aleixo, Hélia Correia, Carlos Mota de Oliveira, José Jorge Letria, Camilo Pessanha e dele próprio, Janita Salomé. Um álbum em que Janita abandona o seu característico canto melismático (mas sem por isso deixar de mostrar uma voz incomparável) e avança para uma música em que aparecem uns blues arraçados de música árabe, kissanges revistos via José Afonso, canto gregoriano em loops tribais-repetitivos com spoken-word por cima («Embriagai-vos», e aqui sim, também com melismas no final), jazz com voz demente («Fragmentos»), o coro alcoólico de «No Banquete» (em que entram o mano Vitorino, Rui Veloso e Jorge Palma) ou a canção portuguesa-mais-portuguesa-não-há que é «Quadras». (8/10)


ALA DOS NAMORADOS
«MENTIROSO NORMAL»
Universal Music Portugal

Há, pelo menos, três boas notícias associadas a este novo álbum da Ala dos Namorados: a qualidade do projecto não sofreu com a saída de João Gil (agora empenhado na Filarmónica Gil, também com um álbum novo a sair por estes dias); os poemas - belíssimos! - continuam a ser assinados por João Monge... e também por Carlos Tê e Nuno Guerreiro; o cantor, Nuno Guerreiro, está a perder o falsete juvenil e está a cantar muito, muito, bem. E ainda outra boa notícia: os músicos são dos melhores que este nosso país tem: Mário Delgado na guitarra, Alexandre Frazão na bateria, Massimo Cavalli no contrabaixo, Ruben Santos no trombone e, claro, Manuel Paulo, o principal compositor da Ala, nas teclas. E «Mentiroso Normal» é um álbum raro na música portuguesa, um álbum em que há imensos singles óbvios - singles entendidos como «muito boas canções, pois» - num curto espaço de tempo: a lindíssima balada «Caçador de Sóis», o country-pop swingante de «Sem Vintém», o fado mudado de «Voltar a Ser» (fado que também é matriz fantasmática de «Matas-me»), o delicioso lounge abrasileirado de «Mentiroso Normal» (com a cabo-verdiana Nancy Vieira a dar luta a Guerreiro), o fabuloso divertimento em queda livre que é «Bricabraque e Pechisbeque» (com Jorge Palma e José Medeiros a fazerem contrapontos inesperados à voz de Guerreiro) ou a versão de «13 anos, 9 Meses» de José Mário Branco. (8/10)

6 comentários:

joão disse...

entrei aqui por via de um clique no castelo de chuchurumel e já não saio mais. que escrita....

António Pires disse...

Olá João,

Obrigado pelo elogio. Mas o mérito é mais da(s) música(s) do que das palavras que eu escolho para ela(s). Bem-vindo.

S.A. disse...

Ainda não conheço os outros dois albuns, mas devem ser muito bons. Quanto a «Mentiroso Normal», pouco se pode acrescentar à magnifica descrição, está simplesmente divinal como Ala nos tem habituado. É uma mistura de sons, de sentimentos que deixam as emoções à flor da pele!...
É melhor deixar os ouvidos e o espírito aberto, porque de cada vez que se ouve as músicas descobre-se algo novo, e algo mais interessante ainda...

Unknown disse...

fabuloso o bricabraque e pechibeque, camarada.

grande abraço

ygg

Anónimo disse...

Tem a certeza de que na guitarra está o Mário Delgado?
Parece-me que está errado, mas sem nenhuma certeza.
Abraços

António Pires disse...

Carlos:

Presumo que se esteja a referir ao texto sobre a Ala dos Namorados... E a resposta é: a certeza absoluta (se tem o álbum, consulte o livreto e verifique...).

Abraços