21 abril, 2007

Kultur Shock, OMFO, Haydamaky, Kerekes Band - Tudo de Novo a Leste



Apesar de, durante os anos de vigência do socialismo nas antigas repúblicas dos países de Leste, por lá terem surgido muitos artistas e grupos musicais, mais ou menos clandestinos, que iam ao rock buscar a sua inspiração - dos húngaros Omega (inesperados estandartes do rock sinfónico) ao cantor russo Boris Grebenshikov ou aos polémicos jugoslavos Laibach, entre muitos outros -, a verdade é que a queda do Muro de Berlim ajudou bastante à proliferação, aos milhares, de projectos musicais de músicos dos países de Leste que têm no rock e derivados (do punk à electrónica e ao funk) a sua inspiração e nas músicas tradicionais a sua âncora ao local de origem. Assim de cabeça, Yat-Kha, DJ Shantel, Emir Kusturica, Warsaw Village Band, Gogol Bordello ou Korai Orom são apenas alguns exemplos que vêm imediatamente à memória. E neste lote que apresento hoje - Kultur Shock, OMFO (na foto), Haydamaky e Kerekes Band - há lugar para muita música diferente mas as raízes, essas, estão lá sempre.


HAYDAMAKY
«UKRAINE CALLING»
Eastblock Music/Indigo

Efeito perverso de como, por vezes, gravar para uma multinacional pode condicionar a difusão da música é o facto de os ucranianos Haydamaky - que têm dois álbuns gravados para a EMI - só terem chegado a mais ouvidos um pouco por todo o lado ao terceiro álbum, este «Ukraine Calling», através de uma independente. Mas, se calhar, isto vai perfeitamente de encontro à música do grupo: uma música que nunca, jamais, poderia ter barreiras de espécie nenhuma. Uma música poderosíssima, electrizante, quase diabólica no modo como consegue unir variadíssimas linguagens «ocidentais» - o rock entendido em sentido lato e mais especificamente o punk, os evangelhos da música jamaicana (ska, reggae, dub, rocksteady) - e a sua música local, ucraniana, com todas as ligações imaginárias ou concretas a músicas vizinhas, da música russa às charangas ciganas balcânicas. Mas o mais espantoso nisto tudo é que os Haydamaky - quase sempre em alta velocidade, só por vezes descendo a uma música mais lenta e encantatória (como na lindíssima e arrepiante «Pid Oblachkom») - conseguem fazer disto tudo e da sua mistura uma música verdadeira, única, orgânica, por vezes violentíssima e... inesquecível. Relembre-se o que os Pogues conseguiram com a sua mistura de punk (e outras músicas) com a folk irlandesa e pode-se, transpondo-se isto para a escala ucraniana, imaginar o que sai daqui. (9/10)


OMFO
«WE ARE THE SHEPHERDS»
Essay Recordings

E que tal uma mistura de electro, disco-sound, dub, experimental - com balizas nos Kraftwerk, nos Air, nos New Order, em Lee «Scratch» Perry, no Senõr Coconut, nos Daft Punk e em Arthur Baker -, tudo ao molho e fé em Lenine e tudo aromatizado com vozes vindas do coração da ex-União Soviética, flautas em delírio, mais secções de metais balcânicas, acordeão fumegante, alusões à música mexicana - «Tequila Gang Bang» (!) -, música de carrinhos-de-choque (olha ali os Fat Freddy a espreitar em «Jok de Doi»), saltérios alucinados, gravações de ovelhas em cio demente?... Sim, isto existe e é, por vezes, muito bom!... E está no segundo álbum do ucraniano OMFO (aka German Popov; aka Our Man From Odessa), «We Are The Shepherds», que sucedeu ao igualmente estranhíssimo «Trans Balkan Express». Popov é um músico da cidade ucraniana de Odessa - eternizada na cena do bébé a cair da escadaria no «Couraçado Potemkin», de Eisenstein - radicado em Amesterdão que, nos últimos anos, tem colaborado com gente tão diferente quanto a cantora de Tuva Sainkho Namtchylak, Metamatics, Felix Kubin (estes últimos colaboradores no seu projecto Solaris), DJ Shantel ou Richard Dorfmeister. O facto de OMFO dizer que este álbum foi inspirado por Gagarin (um pastor), Laika (uma cadela de pastorícia) ou o astronauta norte-americano William... Shepherd é só um pormenor. Divertido. (7/10)


KULTUR SHOCK
«WE CAME TO TAKE YOUR JOBS AWAY»
Koolarrow Records

Ouvir os Kultur Shock tem o mesmo efeito de murro no estômago de ouvir os Gogol Bordello ou os Haydamaky - estamos, portanto, num território mais ou menos conhecido. Mas com algumas diferenças lá dentro: os Haydamaky têm doses reforçadas de punk (vertente hardcore muitas vezes), têm ska, têm tango e música turca, têm alusões à música klezmer, ao jazz e a muito da música cigana húngara, romena e da ex-Jugoslávia... mas têm também um poder sónico vindo directamente do metal: com o thrash-metal e o speed-metal à cabeça (os gajos ouviram muito Metallica e Sepultura, sem dúvida). O que é mais excitante no meio disto tudo é que eles conseguem calibrar sempre, e bem, as doses de géneros musicais diferentes (e até de línguas em que cantam) fazendo delas um território, dir-se-ia, conexo, bastante próximo e naturalmente irmão. Os Kultur Shock são, imagine-se, originários de Seattle, nos Estados Unidos, e são uma misturada completa de músicos de variadíssimas origens: o líder da banda, Gino, um bósnio de Sarajevo (que colaborou com Joan Baez - coisa que, ouvindo-se a música dos Kultur Shock, nunca se imaginaria - e é amigo de Krist Novoselic, que tem ascendência croata e foi o baixista dos, pois, Nirvana), mas também músicos dos Estados Unidos, Japão e Bulgária. «We Came To...» - um manifesto irónico da condição de imigrante nos Estados Unidos - é o quarto álbum do grupo e é, repete-se, um murro violentíssimo no estômago. (8/10)


KEREKES BAND
«PIMASZ»
Hangveto

A música da Hungria tal como a conhecemos - a Hungria da maravilhosa Márta Sebestyén e dos fabulosos Muzsikás; a Hungria dos Zungó, dos Besh-o-Drom, dos Vasmalom ou, num espectro diferente, dos já referidos Korai Orom - tem na Kerekes Band um upgrade inesperado. Porque sempre que os ouvimos, pelo menos neste álbum, «Pimasz» (que tem como sub-título «Magyar Funk»), a música tradicional húngara está lá, bem presente, de raiz, naquelas melodias e principalmente naquela flauta (a flauta de Fehér Zsombor, líder do grupo), naqueles sons antigos que já tínhamos ouvido antes em Márta Sebestyén com ou sem os Muzsikás e nalguns dos outros (vários dos temas da Kerekes Band são comuns a outros dos nomes já mencionados), mas nunca com este envolvimento rock, eléctrico, que tanto remete para os blues psicadélicos de Jimi Hendrix como para o funk ácido de Sly & The Family Stone como para o jazz-rock de Herbie Hancock ou para os Doors ou Bob Dylan ou - ok, há mesmo uma flauta aqui metida, não é? - os Jethro Tull. Mas sempre com uma magia (oiça-se o quarto tema, «Searching») e uma ligação à terra incontestáveis. A Kerekes Band nasceu na cidade de Eger em 1995 e rapidamente se assumiu como uma das mais importantes bandas folk (?) húngaras. Com «Pimasz» arriscam-se a ser uma das mais importantes bandas folk (? e outra vez ?) europeias. (8/10)

3 comentários:

ANNA-LYS disse...

From Me 2 U

Lovely Sunny Weekend :-)

and Hopes that Your projects are running well!

Hugs,

Menina Limão disse...

tens a certeza de que não moras para os meus lados e que não queres deixar-me umas coisas na caixa do correio? hummmm ok.

:)

(venho aqui e fico com muita sede. as coisas que eu não conheço...!)

António Pires disse...

Olá Menina Limão,

A ideia do blog é dar a conhecer muita música de que eu gosto - ou acho importante. Muita da música que aparece aqui é editada ou distribuída em Portugal. Outra nem por isso: é o caso dos quatro discos de que falo aqui hoje (três deles mandados vir da Amazon e um outro, o do OMFO, oferecido pela Essay Recordings - selo que também edita o DJ Shantel e o Señor Coconut - na Womex, em Sevilha).

Volta sempre...