03 outubro, 2007

Cesária Évora, Lura e Bau - O Triunfo da Lusáfrica


Vinte anos depois da sua fundação, a Lusáfrica e o seu criador, José da Silva, estão mais do que de parabéns! Assim como de parabéns estão todos os artistas que têm gravado para esta editora, que começou por lançar apenas música cabo-verdiana mas alargou o seu catálogo a inúmeros artistas de outras latitudes (cubanos, da África continental, etc.). Mas aqui, a comemoração - mesmo que atrasada - faz-se com três discos de cabo-verdianos, razão primeira da existência da etiqueta e, pela qualidade que os três têm, prova maior de que as editoras independentes, quando nelas há amor, podem fazer muito - tudo! - pela música. Com Bau, a diva Cesária Évora (na foto) e a jovem Lura.


LURA
«M'BEM DI FORA»
Lusáfrica/Tumbao

Depois de um início de carreira ainda a apalpar terreno sobre quais os melhores caminhos para a sua música, a cantora Lura acertou em cheio com o álbum «Di Korpu Ku Alma», onde pegou em géneros tradicionais cabo-verdianos e os recriou à luz da música mais actual. Em «M'bem di Fora», os caminhos percorridos são semelhantes - nele se encontram batuques e funanás e mornas e a celebração do Kola San Jon... - mas com um grau de sofisticação ainda superior ao que já apresentava no álbum anterior. Ouvir «M'bem di Fora» do princípio ao fim é um encantamento constante, em que antigas e novas composições se entrelaçam com coerência e em permanente diálogo: um diálogo que é conduzido pela voz quente, sedutora, sempre a cantar em crioulo, de Lura, e por fabulosos músicos - num grupo em que pontificam João Pina Alves (guitarra), Toy Vieira (piano) ou Paulino Vieira (cavaquinho). E, como convidados muito especiais, o grande acordeonista Régis Gizavo (expoente máximo da música de Madagáscar), o guitarrista Pedro Jóia (com o seu toque de flamenco) e o cantor Zéca di Nha Reinalda (que foi dos míticos grupos de funaná Bulimundo e Finaçon), este no irresistível tema-título do álbum. Com uma música fortemente enraizada na tradição, mas com os braços estendidos também para outras músicas, Lura tem neste álbum o trampolim perfeito para uma frutuosa carreira internacional, que, felizmente, já está a acontecer. (8/10)


BAU
«ILHA AZUL»
Harmonia/Lusáfrica/Tumbao

Menos imediato que o álbum de Lura, essencialmente porque é um álbum instrumental e não há uma voz a prender imediatamente o ouvinte, «Ilha Azul», de Bau, não deixa por isso de ser um álbum belíssimo e, mais importante ainda, um fiel representante do que de mais profundo tem a música cabo-verdiana: uma música que viaja entre o continente ali ao lado e Portugal, o Brasil, Cuba ou Estados Unidos, sempre com paragem obrigatória em Cabo Verde. Ouvir o primeiro tema deste álbum, «Ponta do Sol», é, logo, perceber que esat música é feita de muitas músicas, embora sempre unidas entre si: em «Ponta do Sol» há fado, há chorinho, há morna, há son cubano, como ao longo do resto do álbum há sugestões de semba, bossa-nova, jazz, música ranchera mexicana, flamenco e muitas outras músicas exteriores que, na guitarra e no cavaquinho de Bau (aka Rufino Almeida), fazem todo o sentido misturadas com a música tradicional de Cabo Verde (exemplo óbvio é o tema brasileiro «Na Baixa do Sapateiro», de Ary Barroso, aqui recriado com uma alegria e uma inventividade espantosas). Guitarrista virtuoso (no bom sentido da palavra e não no sentido de «conseguir tocar mil notas num minuto»), Bau mostra neste álbum, o sexto da sua carreira, como a música pode ser única e universal, mesmo quando fortemente ancorada numa música «local». (9/10)


CESÁRIA ÉVORA
«ROGAMAR»
Lusáfrica/SonyBMG

Embaixatriz da música cabo-verdiana e «porta-bandeira» (se assim se pode dizer) da Lusáfrica, Cesária Évora assina em «Rogamar» mais um passo seguríssimo da sua já longa - e bastante frutuosa - carreira. Dona de uma voz única, marcante, luminosa, Dona Cesária continua a gravar com a urgência de quem chegou aos grandes palcos já quase na terceira idade, mas isso é bom, porque mostra que a necessidade da música e da sua expressão não tem nada a ver com a idade ou o local de nascimento. E, se em relação a Lura se fala de sofisticação, oiça-se este «Rogamar» e tente-se perceber como uma música na sua essência simples e feita com poucos instrumentos se pode transformar - via orquestrações elaboradas, mas nem por isso barrocas ou castradoras da verdade e da essência - numa música riquíssima em nuances e sugestões. E os arranjos, de Fernando Andrade, ainda têm lugar para algumas colaborações de peso: o já referido (a propósito de Lura) Régis Gizavo no acordeão e o cantor senegalês Ismael Lô, numa celebração de africanidade que não se confina aos limites das ilhas de Cabo Verde. Uma africanidade que está também bem explícita em «São Tomé na Equador», um tema de Ray Lema e Teófilo Chantre, aqui reunidos para bem da música, ou no afro-brasileiro «Mas Um Sonho», festa que une naturalmente os dois lados do Atlântico. (8/10)

9 comentários:

Anónimo disse...

E a Mayra Andrade? Mas gostei das críticas. Voltarei aqui.

António Pires disse...

João Luís:

Bem-vindo ao Raízes e Antenas! E a Mayra Andrade já foi alvo de (muito boa) crítica por aqui... E, para além disso, não é da Lusáfrica! É bom saber que no Brasil há pessoas interessadas na música cabo-verdiana!

Um abraço

Mary Lamb disse...

Música cabo-verdiana, temos muitas coisas, e curiosamente, gosto de mais vozes femeninas que masculinas. Temos a Nancy Vieira, também, nao é?
Aqui, quando procuro o que há na secçao música Portuguesa nas casas de discos, há sempre esse cheirinho a Cabo Verde.
Preferia ver outras coisas, essa é a verdade. Portuguesa de Portugal.

Beijos 鑾

António Pires disse...

Mary Lamb:

Sim, há grande cantoras cabo-verdianas - e sim, a Nancy Vieira também está nesse rol - mas também há bons cantores: já deves conhecer o Tito Paris, o falecido Ildo Lobo, o Boy Gê Mendes ou o aqui referido Zéca di Nha Reinalda mas se não conheceres, experimenta... E sim, acredito que na Argentina não haja muita música portuguesa, mas a cabo-verdiana sempre dá para matar, se não saudades, «sôdades» (é uma boa aproximação).

Beijos (鑾 - o que é isto???)

Anónimo disse...

Volteiiiiii! Não resisti ao ROGAMAR.
Quando este trabalho saiu e só se ouvia 1 tema ou outro na Rádio,fiquei maravilhada com o tema cantado pela Cesária e pelo Ismael Lô: é uma maravilha! Cheguei a telefonar aos amigos quando a Rádio a passava e punha-os a ouvir o Ismael Lô.
Continua a ser uma das minhas preferidas.

Depois, fala-se aqui em Zéca di Nha Reinalda: acho bem pois, dos mais conhecidos há sempre quem fale -- é bom que se fale nos menos badalados mas que têm grande valor tbm. Há um "senhor" que tem uma linda voz, um bonito trabalho mas...pouco ou nada se fala dele: DJURUMANI.
Actualmente o Jon Luz e o Tcheka tbm são uma boa referência.

E prontusssss :-)...continuo gostando!

(Cá vai.....rsrsrs) Kandandus!

António Pires disse...

Lúcia Lima:

O que tu sabes de música africana!!! Obrigado, sempre!, pelas tuas colaborações neste blog!!!

(nota: e, nos homens de Cabo Verde, toma atenção a um álbum que aí vem: o novo de Izé, rapper cabo-verdiano radicado em França cujo novo álbum promete ser uma revolução!!!)

Kandandus!!!

Anónimo disse...

No se olviden tambien de mi tia Titina, que esta olvidada pero tiene una gran voz. Disculpen pero no se escribir ni en portugues ni en crioul.
Beijos, desde Argentina de un filhio de Cavoverdiana.
Javier Andrigo

António Pires disse...

Javier:

Sim! A Titina é uma diva das mornas e é também uma grande «paixão» minha! Mas, como já disse em relação a outros nomes, este post foi feito a pensar em discos mais ou mneos recentes da Lusáfrica!

Um abraço luso-cabo-verdiano-argentino (a propósito, Javier, a milonga não lhe faz lembrar a morna e o fado?!?)

Javier disse...

Antonio:

A milonga lhe faz lembrar a fado.
Un abrazo Javier