19 outubro, 2007
Taraf de Haidouks, Shantel e Balkan Beat Box - A Música Cigana Por Veredas e Auto-Estradas
A explosão de sucesso da música cigana dos Balcãs no circuito da world music está a criar a necessidade de «desvios» à fórmula original, riquíssima na sua base mas - nota-se, ao fim de alguns anos - limitada em termos de amplitude tímbrica e de soluções harmónicas e melódicas; o que, aliás, acontece também com inúmeras outras músicas «regionais». Não é, portanto, de estranhar que este filão esteja a ser sujeito a adaptações e cruzamentos com outras músicas, percorrendo novos caminhos - sejam as veredas enviesadas em que os Taraf de Haidouks levam a música cigana de regresso a casa, sejam as modernas auto-estradas trilhadas por Shantel (na foto) e os Balkan Beat Box.
TARAF DE HAIDOUKS
«MASKARADA»
Crammed Discs/Megamúsica
«Maskarada», o novo álbum dos seminais Taraf de Haidouks, parte de uma ideia óptima - fazer versões de peças clássicas do Séc. XX inspiradas pela música cigana, numa atitude de reapropriação de uma herança glosada por muita gente exterior ao universo da música tradicional balcânica (e não só). Nesse sentido, os Taraf atiram-se a peças de Béla Bártok (claro!, ele que foi um investigador incansável da música tradicional romena e húngara), Aram Kachaturian, Manuel de Falla (numa aproximação aos primos da Andaluzia), Albert Ketèlbey, Isaac Albéniz e Joseph Kosma, fazendo versões primorosas do ponto de vista técnico mas falhando, quase sempre, na ideia de reapropriação e retradicionalização dos temas: as peças estão quase sempre muito próximas dos originais e nem a presença recorrente do acordeão ou do cimbalom chegam para dar uma cor «aldeã» ao conjunto. E é pena, porque se há grupo que poderia virar esta música de cabeça para baixo e fazê-la beber do leite original seria exactamente este bando de aldeões de Clejani, na Roménia. E um bom exemplo do que poderia ter sido este álbum é o cruzamento livre de «In a Persian Market» de Ketèlbey com «Les Feuilles Mortes» de Joseph Kosma na faixa 5. Fica a intenção e, mais e melhor, os seis temas dos próprios Taraf de Haidouks que aqui aparecem, se calhar inconscientemente para mostrar como a sua música ainda continua viva e próxima das raízes apesar... dos desvios. (6/10)
SHANTEL
«DISKO PARTIZANI»
Essay Recordings/Crammed Discs/Megamúsica
Muitos desvios - e saudáveis! - é o que faz Shantel no seu novo álbum de originais, o primeiro em muitos anos e depois de muitas remisturas para variadíssimos grupos de música cigana (os aqui em cima referidos Taraf de Haidouks incluídos), várias compilações (em que ao lado dos seus temas e das suas remisturas deu a conhecer muitos artistas de Leste) e inúmeras actuações como DJ solitário ou com a sua trupe do Bucovina Club. «Disko Partizani» é uma viagem pela música cigana dos Balcãs mas também por músicas mais ou menos próximas da Grécia, Turquia, Israel, Albânia, Bulgária, Macedónia... e misturando tudo, de forma brilhante e com um sentido pop apuradíssimo, com rock, ska, disco-sound, electrónicas variadas e mais o que se possa imaginar, criando com isso uma música nova, excitante e sempre mais que dançável. Sem espinhas! Depois, neste álbum - em que Shantel também se revela como um mais que razoável vocalista - está um leque de convidados impressionante: da cantora sérvia Vesna Petkovic aos surf-klezmers israelitas Boom Pam, passando pelo trompetista sérvio Marko Markovic, pelo clarinetista Filip Simeonov (dos Taraf de Haidouks), o cantor grego Jannis Karis, o acordeonista francês François Castiell (dos Bratsh) ou a cantora canadiana Brenna MacCrimon, entre muitos outros, numa celebração contínua de música viva e capaz de derrubar todas as barreiras e preconceitos. Brilhante! (9/10)
BALKAN BEAT BOX
«NU-MED»
Crammed Discs/Megamúsica
Trilhando um caminho paralelo ao de Shantel, o novo álbum dos Balkan Beat Box, «Nu-Med», também cruza a música cigana dos Balcãs com inúmeras outras músicas (do hip-hop ao rock e à música jamaicana - dub, dancehall... -, passando pelo klezmer e a música árabe). E se é algo estranho assistir a uma música feita por um alemão (mas com ascendência na região de Bucovina) que vai aos Balcãs, como é Shantel, ainda mais estranho poderia parecer o que leva uma dupla de israelitas sediados em Nova Iorque (Tamir Muskat e Ori Kaplan), os Balkan Beat Box, a viajar pelos caminhos do Leste da Europa. Mas, como é sabido, a música é universal e, se o primeiro álbum dos BBB era já um bom exemplo de como as fanfarras ciganas podiam cruzar-se com liberdade e criatividade com muitas outras músicas, «Nu-Med» mostra o grupo a fazer uma música ainda mais verdadeira e orgânica, ao mesmo tempo que ainda mais aberta a outras sonoridades. Mais: os BBB costumam referir o passado comum de muitos judeus e de muitos ciganos do Leste Europeu - e não há dúvidas quanto às proximidades da música cigana e da música klezmer - antes do estabelecimento do estado de Israel. Mas nem este aval teórico/histórico seria necessário para se perceber que esta música contém suficientes elementos de verdade para que possa ser ouvida sem que soe a falso ou artificial. Sem fronteiras (a inclusão de colaboradores sírios no álbum é também um «statement» político e, não por acaso, «Nu-Med» é o desejo de um «novo Mediterrâneo», em paz) e sem barreiras. (8/10)
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7 comentários:
Os Taraf de Haidouks foram uma decepção quando estiveram no Festival MED de Loulé. Não sei o que se passou mas a verdade é que decepcionaram...
Por isso, depois de tudo o que disseste, não sei se a resposta não esteja mesmo nos Muyayos de Raïz!
Vejam a ficha técnica desses meninos "ófaxavôr"!!!! Ah, e já agora: ouçam:
http://www.youtube.com/watch?v=t2kPUvBoE4g&eurl=http://emma.bloguepessoal.com/
Lúcia Lima:
Sim, os Taraf decepcionaram em Loulé mas nem sequer foi apenas por causa do alinhamento (muito baseado neste «Maskarada»)... Acho que eles decepcionaram, essencialmente, por uma falta de profissionalismo absoluta... Se quiseres, dou pormenores «privados» em e-mail...
E é curioso que os ponhas em confronto com os «primos da Holanda» (obrigado pelo link e por estares tantas vezes aqui!!!!)
um post que é muito a minha cara...
:)
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beijos Música!
Às tantas não me expliquei bem, Antº! Não os quis colocar em confronto pois a qualidade "profissional" que falta aos Taraf têem os Muyayos que chegue! E visto que o género é o mesmo, o que quis dizer foi essêncialmente que: a evolução do género músical estará em melhor mãos com os "primos"....digo eu!
Viste a ficha técnica dos "meninos"?
"En su sonido destaca el hecho de que todos sean músicos clásicos, miembros de la H.K.U. Orkest, la Eusko Gazte Orkesta y la Joven Orquesta Nacional de España entre otras y colaboradores de la Ámsterdam Symphony Orchestra, Orquesta Sinfonica de Navarra, Orquesta Sinfónica de Bilbao, Rotterdam Kamerorkest y la Orquesta Nacional de España."
Ah, quanto a estar tantas vezes por aqui, é simples: tenho falta de tempo mas gosto mt de música. Desde que descobri o teu blog e, pk vi k entendias disto -- escuso de perder tempo por outros sítios! :-P
Esclarecido?
Vá....Bom Domingo!
"música cigana dos Balcãs no circuito da world music está a criar a necessidade de «desvios» à fórmula original, riquíssima na sua base mas - nota-se, ao fim de alguns anos - limitada em termos de amplitude tímbrica e de soluções harmónicas e melódicas; o que, aliás, acontece também com inúmeras outras músicas «regionais»."
Isto não será um pouco o preço da Folclorização das culturas e das expressões artísticas ? O folclore é, na verdade, uma perversão da cultura/ das culturas. Vende eternamente o "exótico" e não admite a mudança. Não aguenta a dialética das contaminações que renova as culturas e as mantém vivas. O Folklore é (em meu entender e não sou muito entendida)uma "natureza" morta !
Abraço, António (e desculpa o relambório ...)
IMF:
:))))))
Um Beijo Poesia...
Lúcia Lima:
Eu percebi, não te preocupes :)))
E muito obrigado por estares tantas vezes aqui e pelas tuas palavras sobre o Raízes e Antenas. É bom saber que há leitores(as) fiéis ;)
Bom domingo e... ((mais kandandus))
Isabel Victor:
Não peças desculpa! Pelo contrário: muito obrigado pela tua contribuição para aquilo que dava uma excelente «discussão»: o que é a música de raiz, de que forma ela é ou não pura na sua essência, de que forma evolui e se transforma (seja através de uma «folclorização» forçada, como aconteceu em Portugal durante on Estado Novo - e aí concordo plenamente contigo e com a tua feliz expressão «natureza morta»; seja de uma forma natural e espontânea - dando um exemplo que referi, há meses, neste blog: se um jovem gaiteiro transmontano adaptar um tema dos Nirvana, isto poderá vir a integrar no futuro o reportório tradicional de Trás-os-Montes?). Como amante de música e sem grandes preconceitos, sou aberto a fusões, transformações, cruzamentos, adaptações... embora também goste de muita música de «raiz».
A outra questão, paralela a esta: quando refiro a necessidade de adaptação, refiro-me essencialmente a um lado mais «comercial»: o de continuar a alimentar, com novidades, o circuito da world music: por exemplo, não sei até que ponto o circuito europeu ainda continua aberto ao fado clássico e se não será necessário, um dia destes, «injectá-lo» com propostas inovadoras que partem do fado mas integram também outras músicas (exemplos: A Naifa, Deolinda, etc, etc.). A propósito, estou a preparar um longo post sobre «desvios» ao fado de agora e do passado...
Isto dava mesmo uma grande conversa :)
Abraço!
Obrigada, António Pires
Também gosto imenso da música, ou outra expressão de raíz.
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