03 abril, 2008

Névoa, Marful e Acetre - Bons Ventos e Bons Casamentos


Há um velho ditado popular português - conhecido de toda a gente - que diz «De Espanha nem bom vento nem bom casamento». Mas no caso destes três discos hoje falados no Raízes e Antenas, esse ditado terá que ser completamente virado ao contrário: tanto nos galegos Marful como nos Acetre, de Olivença (pois, Olivença!) e na catalã Névoa (na foto; de Noemí Elías) há, para além de muito boa música, íntimos pontos de contacto com Portugal - respectivamente, na língua galega, na música que fazem e no fado... cantado em catalão. Isto é, ventos que se cruzam de cá para lá; casamentos felizes e com mútuo consentimento.


MARFUL
«MARFUL»
Galileo/Megamúsica

A língua galega nasce da mesma raiz que a língua portuguesa. É uma língua irmã, atrever-me-ia a dizer uma língua-gémea; viva, bela e pulsante de poesia e nuances linguísticas deliciosas. E é tão bonito ouvi-la quando ela, para além de muito bem cantada, está tão próxima do português que, muitas vezes, é português mesmo. E é isso que acontece quando se ouve cantar Ugia Pedreira - ela que canta tão bem! - a fazer voar as palavras sobre a música ao mesmo tempo antiga e tão nova que os seus companheiros - Pedro Pascual (acordeão), Pablo Pascual (clarinete-baixo) e Marcos Teira (guitarra), mais os convidados Luis Alberto Rodriguez (bateria) e Xacobe Martinez (contrabaixo) - vão tecendo por baixo da sua voz. Uma música que recria - com originalidade, elegância e paixão - a música de baile que se ouvia e dançava na Galiza nos anos 30 e 40, tanto a tradicional galega (oiça-se a belíssima «Jota Gagarim») mas também a música que muitos emigrantes galegos traziam para a sua terra: twist, habaneras, tangos, paso-dobles e até uns laivos de fado (cf. em «Tris-Tras»). Com alguns originais à mistura com adaptações de tradicionais ou canções de outros autores «de época» e cantado todo ele em galego (à excepção de «Je Suis Comme Je Suis», com música de Ugia sobre um poema de Jacques Prévert), este álbum de estreia dos Marful - eles que vão estar na próxima edição do FMM de Sines - é uma declaração de amor desta cantora e destes músicos à sua terra, à sua história, às suas memórias... Lindíssimo! (9/10)


ACETRE
«DEHESARIO»
Nufolk/Galileo/Megamúsica

Apesar de terem mais de vinte anos de carreira, os Acetre são infelizmente quase desconhecidos em Portugal - que me lembre, passaram por cá há alguns anos num festival Sete Sóis Sete Luas e não sei se passaram mais alguma vez. E é pena por várias razões: a sua música é, independentemente das suas ligações à música portuguesa, muitíssimo boa. E é, por essas ligações, um curiosíssimo exemplo de hibridismo «raiano» que - tirando a anteriormente referida Galiza - é muito raro e bem-vindo. Um hibridismo que é quase natural atendendo ao local de onde é originário o grupo, Olivença - e não, ao contrário do que dizem os nacional-saudosistas, «Olivença não é nossa!» -, ali paredes-meias com o Alentejo, e à curiosidade própria destes cinco músicos e quatro cantoras/intrumentistas que se aventuram em viagens musicais que passam pela Extremadura espanhola, pelo Alentejo, pela Galiza e pelo norte de África (cf. em «Al-Zerandeo», que faz a ponte entre Marrocos e as «pandeireteiras» galegas), fazendo uso de um folk-rock ora mais «musculado» ora mais ambiental ora mais progressivo, mas sempre de um bom-gosto enorme e uma inventividade constante. Mas o mais curioso deste «Dehesario», o sétimo álbum dos Acetre, é mesmo a quantidade de temas cantados em português e/ou com referências a Portugal e à música portuguesa: o tradicional «Mãe Bruxa» («À entrada de Elvas/Achei uma agulha...»); a guitarra portuguesa em «Amores Corridiños» (um tema «afadistado», original de José-Tomás Sousa, guitarrista do grupo); «A Rola» (tradicional alentejano que aqui surge numa versão para vozes femininas e uma «cama» instrumental muito bonita!); ou no vira que fecha o disco e que tanto pode ser galego como minhoto. É necessário conhecê-los. (8/10)


NÉVOA
«ENTRE LES PEDRES E ELS PEIXOS»
Temps Record/Harmonia Mundi

Há alguns meses, fiz neste blog o levantamento de fadistas estrangeiros ou instrumentistas de guitarra portuguesa e espantei-me (e sei que houve mais quem se tenha espantado) com a quantidade de gente, não portuguesa, que lá fora mantém uma relação íntima com o fado. Nesse texto referi a ideia, comum a muita gente, de que «o fado só pode ser cantado por portugueses... A alma, a saudade, a emoção, etc...». Uma ideia completamente errada como se pode comprovar ouvindo muitos dos nomes referidos, nomeadamente esta fadista de corpo e voz e alma inteiros de que se fala aqui hoje: Névoa (aka Núria Piferrer). Porque, se se perguntar «É fado?», a resposta só pode ser: «É, e muito bom!». Quase todo ele cantado em catalão - com excepção de dois temas em espanhol, um deles o arrepiante «No Te Quiero», sobre poema de Pablo Neruda - e, pergunto eu, não será este um espantoso texto de fado? -, o disco tem como base variadíssimos fados tradicionais (Fado menor do Porto, Fado Pintadinho, Fado Amora, Fado Triplicado, etc, etc...) e conta com a participação de vários músicos portugueses: Manuel Mendes (guitarra portuguesa), José «Carvalhinho» (viola e direcção musical), Jorge Carreira (viola-baixo) e o cantor Gonçalo Salgueiro (produção). E basta ouvir como Névoa - ela que já contava com três álbuns dedicados ao fado anteriores a este «Entre les Pedres i els Peixos» - lança a sua voz na interpretação destes poemas para se perceber, imediatamente, que temos aqui uma excelentíssima cantora e, mais do que isso, uma fadista imensa e de alma enorme. E, embora seguindo uma via muito respeitosa do fado tradicional de Lisboa, ela acaba por inovar - com coragem - ao injectar outras línguas no nosso (e de quem o quiser fazer seu) fado. (8/10)

13 comentários:

Anónimo disse...

Não conheço Névoa nem Acetre mas vou procurar. Também podias ter falado do novo álbum dos Luar na Lubre ;)

Abraço

C.R.

António Pires disse...

C.R.:

Os Acetre - que são distribuídos pela Megamúsica - já devem ter o álbum nas lojas portuguesas (VGM e algumas FNACs). O álbum da Névoa é ou será distribuído por cá pela Harmonia Mundi (logo, também deverá chegar às FNACs). Quanto aos Luar na Lubre, tens toda a razão - e é óbvio que pensei neles para este texto (ainda por cima, com o argumento, se tal fosse preciso, de a cantora ser portuguesa), mas ainda não encontrei o álbum à venda em lado nenhum nem sei se a Warner (presumo que continuem a ser da Warner) o vai distribuir em Portugal.

Um grande abraço...

Anónimo disse...

Portugal e Galiza: axuntem-se mais :)

Teresa

António Pires disse...

Teresa Sá:

LOL! Já estão «xuntas» :)

Volte sempre!

Anónimo disse...

De Galiza... bons ventos & bons casamentos.

Biquinhos,

M.M.M.

António Pires disse...

MMM:

Sim, sempre!!

Beijinhos e biquinhos :)

Fam_namber_güam disse...

O Clube de fans de Marful está orgulhoso de que o seu grupo favorito seja resenhado neste blog. Obrigadas!!
Parabéns polo sítio, estou abismada pola informaçom e a calidade. Dá gosto lê-lo.
Beijo da Galiza.

António Pires disse...

Fam_Namber_Guam:

Obrigado eu!!! :) E um beijo de Portugal para a Galiza, aqui tão perto :)

un dress disse...

gostei muito!

... andei a ouvir isto tudO

- ! :)

António Pires disse...

Un-Dress:

E fizeste muito bem :))

Beijos...

Anónimo disse...

Buenas Cantoras Gallegas: Rosa Cedrón, Ana Kira

António Pires disse...

Filomeno:

Sim, e também a Uxía, a Mercedes Péon, etc, etc... De algumas já falei, de outras hei-de falar... Muito obrigado pela sua participação!

Um abraço

Anónimo disse...

adorei marful na fabrica do braço de prata. Som paralelos a tHE GIFH E DEOLINDA. Os três grupos em concerto seria optimo.
A melhor mùsica que existe atualmente na Galiza e do melhor de Espanha.