03 junho, 2009

Música Africana - Três Edições Fundamentais


Nos últimos meses foram editados - ou distribuídos - em Portugal três álbuns importantíssimos de música africana: o álbum de estreia do grupo congolês Staff Benda Bilili (na foto), o terceiro do grupo semi-queniano semi-norte-americano Extra Golden e a caixa «Memórias de África», que agrupa muitas gravações antigas efectuadas nas ex-colónias portuguesas de África nos anos 60 e 70. A propósito de todos eles, aqui recupero três textos meus editados originalmente na «Time Out Lisboa» há algum tempo.

Extra Golden
«Thank You Very Quickly»
Thrill Jockey/Edel

No já longo namoro do pop/rock anglo-saxónico com músicas «estranhas» ou «exóticas» - de George Harrison, Brian Jones, Mickey Hart, Robert Plant, Peter Gabriel, David Byrne, Paul Simon ou Jah Wobble aos... Beirut e aos Vampire Weekend -, os Extra Golden assumem agora a dianteira de um movimento que, neles, é tão natural quanto a soma aritmética das partes: dois norte-americanos e dois quenianos (os primeiros com circuito feito no rock indie ianque; os outros dois herdeiros directos da música benga do Quénia e continuadores dos ensinamentos de um dos fundadores dos Extra Golden, Otieno Jagwasi, entretanto falecido) chegam a este terceiro álbum com o seu som apuradíssimo: doses semelhantes de benga, juju music, merengue, por um lado, e funk, rock psicadélico (e há ali um órgão saído dos Doors!) e guitarras eléctricas em distorção, por outro. *****


Staff Benda Bilili
«Trés Trés Fort»
Crammed Discs/Megamúsica

Mais um OVNI musical a sair de Kinshasa, na República Democrática do Congo - a juntar aos Kasai Allstars, Konono Nº1 e outros grupos da fornada Congotronics -, o Staff Benda Bilili é um grupo de músicos de rua, sem-abrigo, que costuma actuar para os turistas e visitantes do Jardim Zoológico de Kinshasa. Paraplégicos, vítimas de poliomelite, pedintes... Vistas assim as coisas até parece que o efeito «Dona Rosa» está a render no circuito da world music. E rende! Mas há aqui, no Staff Benda Bilili, qualquer coisa mais: uma música verdadeira e eléctrica, rude mas bela muitas vezes, que não se envergonha de citar descaradamente músicas exteriores (James Brown, de maneira óbvia... e o reggae, o ié-ié francês dos anos 60, o rock'n'roll...) nas suas canções, em tudo o resto profundamente africanas - com acento óbvio na rumba congolesa tal como prescrita por Franco. ****


Vários
«Memórias de África»
Difference/Farol

A crise da indústria discográfica, inclusive na chamada world music, até tem um lado muito bom: a necessidade de garimpagem de gravações perdidas em arquivos de editoras, rádios, estúdios, etnomusicólogos ou museus. E, dessa garimpagem, já muitas pérolas musicais esquecidas regressaram à luz do dia. Há milhentos exemplos mas, só para se situar, pode-se falar da série «Éthiopiques», das redescobertas da Mr Bongo ou das sucessivas reedições de gravações antigas de música jamaicana da Soul Jazz Records. E isso é bom! Assim como tem sido muito bom a esforço de estruturas nacionais que estão a pôr no mercado objectos historicamente irrepreensíveis como a caixa «Angola» ou a colectânea «Os Reis do Semba», ou exteriores, como o álbum «Rádio Mindelo», de Cesária Évora enquanto jovem. Agora, e através do trabalho de pesquisa incansável da Difference, surge outro marco, ainda maior, desta busca por uma música antiga que quer ser ouvida nos dias de hoje: os quatro CDs «Memórias de África» reúnem dezenas de gravações feitas em todas as ex-colónias portuguesas de África nos anos 60, 70 e inícios de 80, que lançam pontes óbvias, e necessárias, entre nomes do passado e as músicas do presente. Ouvem-se os merengues e os sembas de Elias Kimuezo ou Carlos Lamartine e já se imaginam kizombas e kuduros. Ouvem-se as mornas e as coladeiras de Bana ou Ana Firmino e já se estão a ouvir as canções de Orlando Pantera e as vozes de Tcheka e Mayra Andrade. Ouvem-se as marrabentas moçambicanas e sabe-se logo onde os Gorwhane, Mabulu ou Massukos foram beber a inspiração. E ouvem-se as músicas, estas ainda mais desconhecidas, da Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe, e agradece-se a quem deu voz a estas memórias... *****

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