07 dezembro, 2006

Afel Bocoum e Vieux Farka Touré - O Legado de Ali


Ali Farka Touré morreu, mas o seu espírito, o sopro mágico da sua arte, vive - mais ou menos presente - na música de muita gente. Na música de bluesmen do outro lado do Atlântico como Corey Harris ou na dos portugueses Terrakota, nos franceses Lo'Jo, nos norte-americanos Toubab Krewe ou nos malianos, seus conterrâneos apesar de etnia diferente, Tinariwen. E, claro, na música do seu protegido Afel Bocoum (na foto) e do seu filho Vieux Farka Touré, que edita agora o seu álbum de estreia.


AFEL BOCOUM & ALKIBAR
«NIGER»
Contre-Jour Belgium

Afel Bocoum não é nenhum jovem. Nasceu em 1955, em Niafunké, e integrou durante mais de dez anos a banda acompanhante do seu tio Ali Farka Touré - depois de ter sido seu roadie e, como ele diz em entrevistas, «lhe ter servido o chá» -, que o «adoptou» como discípulo dilecto. Tirou depois o curso de engenheiro agrónomo e dedicou-se durante bastante tempo à agricultura. Nos anos 80 formou o grupo Alkibar mas o seu primeiro álbum, exactamente intitulado «Alkibar», foi apenas lançado em 1999, já ele tinha ultrapassado os 40 anos de idade. Muitos fãs de pop e rock tomaram contacto com o seu nome através de «Mali Music», álbum gravado a meias com Damon Albarn, dos Blur. E «Niger», o álbum editado este ano por Bocoum, é mais um passo seguríssimo de uma carreira feita à sombra de Ali Farka, sim - no recente concerto da Womex, Afel apareceu de óculos e chapéu preto como o seu mentor -, mas que o confirma como um compositor talentoso e igualmente exímio no cruzamento da música tradicional da África Ocidental com os blues. O primeiro tema do álbum, «Ali Farka», é um lamento, uma despedida, que fala do seu melhor amigo, Ali Farka Touré, já doente e, na estrofe seguinte, já morto mas ainda presente. É uma despedida arrepiante, comovente, belíssima. E no resto do álbum, esse espírito inicialmente invocado perpassa todas as canções. Canções cantadas por Afel em sonrai, peul e tamasheq (dos tuaregues) - três das mais importantes línguas do Mali, unindo assim várias das suas etnias, também à semelhança do que fazia Ali Farka. Canções em que se ouvem, bem presentes, njarkas e njurkels - em diálogo permanente com a guitarra de Bocoum -, a cabaça percutida e os djembés. Por vezes, coros femininos e masculinos. E, em «Niger», o tema-título, uma surpresa: flauta e harpa céltica, respectivamente nas mãos de Paddy Keenan (da Bothy Band) e Liam O'Maonlai (dos Hothouse Flowers), para além da guitarra de Habib Koité. Ouve-se tão bem, este álbum! (8/10)


VIEUX FARKA TOURÉ
«VIEUX FARKA TOURÉ»
Modiba Productions/World Village

Se no novo álbum de Afel Bocoum não há lugar para a electricidade, já no álbum de estreia de Vieux Farka Touré - assim chamado em honra do seu avô, o pai de Ali Farka (o verdadeiro nome de Vieux Farka Touré é Bouriema Touré) - a electricidade jorra muitas vezes... mas isso não é um problema, bem antes pelo contrário. O álbum é surpreendentemente bom e o pai de Vieux está lá bem presente, no espírito de muitas canções mas também em «matéria», com Ali Farka a colaborar com o filho, e finalmente a dar-lhe a sua bênção, em duas canções - «Tabara» e «Diallo». Assim como o estão o «padrinho» Toumani Diabaté, que toca kora em «Touré de Niafunké» e «Diabaté» (dois temas lindíssimos!!!), e o espantoso cantor Issa Bamba, em «Courage». E não se pense que o disco de Vieux é uma cópia a papel-químico do trabalho do seu pai. Não! O álbum é uma festa de géneros e ritmos diferentes, de temas acústicos e outros mais eléctricos, do Mali e não só. Nele estão a música dos povos sonrai, peul, tuaregue e mandinga e também reggae (cf. em «Ana»), uma pulsão rock rara e ecos de soul, funk e, claro, blues. No álbum ouvem-se koras, njarkas, ngonis, talking-drum, cabaças e djembés, mas também guitarras eléctricas, baixos eléctricos, um órgão, um cravo (!), flauta, uma secção de metais... A história de Vieux é curiosa (mesmo pensando que muitas vezes as biografias dos artistas e grupos é muitas vezes romanceada): o pai tentou que ele não seguisse a carreira musical - chegou mesmo a proibí-lo de o fazer - e foi Toumani Diabaté que integrou Vieux na sua banda há alguns anos e convenceu Ali Farka a aceitar o «destino» do filho. Vieux tocou depois com o pai e, no interim, colaborou (e colabora) com a campanha da UNICEF «Fight Malaria», que pretende erradicar a malária do continente africano (dez por cento das vendas deste álbum revertem para a organização maliana Bée Sago, associada da UNICEF nessa luta). (8/10)

3 comentários:

Paulo disse...

Excelente blog.

Paulo disse...

E Amália Rodrigues?

António Pires disse...

Olá Paulo,

Muito obrigado pelos elogios... E, quando pergunta por Amália Rodrigues, está a referir-se aos cromos?... Se sim, posso dizer-lhe que aparecerá daqui a uns tempos... Se não, diga-me porque pergunta, por favor.

Um abraço