15 dezembro, 2006

Dossier Guitarra Portuguesa - 1º Fascículo


Um dos trabalhos que mais prazer me deu fazer durante os meus muitos anos de BLITZ foi este dossier sobre a Guitarra Portuguesa, em finais de 2004. Ao longo destas semanas, e espaçadamente (para não cansar e porque há outras coisas para falar), aqui vão ficar entrevistas com guitarristas da nova geração e um construtor de guitarras que com ele transporta o saber de gerações, uma possível História da Guitarra Portuguesa, uma discografia básica, etc... Fiz este trabalho com muito amor. Leiam-no também assim, por favor.


GUITARRA PORTUGUESA
A INCLINADA GERAÇÃO

Ricardo Rocha. Paulo Soares. Marta Costa. Luís Varatojo (na foto - de Mário Pires, da Retorta). Nuno Rebelo. Cada um à sua maneira, todos eles se apaixonaram pela guitarra portuguesa. São uma nova geração de músicos que, pegando na tradição, dela se aproximam ou afastam consoante os gostos e personalidades e intenções próprias. O BLITZ falou com eles.

O que leva as pessoas a interessar-se por um instrumento difícil de tocar e raramente procurado pelos mais novos, mais interessados em guitarras eléctricas ou baterias, djembés ou «laptops»?... Cada caso é um caso, mas a verdade é que, como refere Paulo Soares, intérprete de guitarra de Coimbra, compositor, professor de guitarra portuguesa e autor de um manual («Método de Guitarra Portuguesa») dedicado ao ensino do instrumento, «o interesse na guitarra portuguesa está a crescer bastante entre os jovens. E o que é curioso é que em Coimbra quase ninguém se interessa pela guitarra de Lisboa, mas em Lisboa há muita gente interessada na guitarra de Coimbra, nomeadamente no Museu do Fado, onde na escola, 50 por cento dos pedidos de aprendizagem têm a ver com a música de Carlos Paredes, ou seja, com a guitarra de Coimbra. Mas há aprendizes dos dois géneros em todo o país». Paulo começou a tocar guitarra portuguesa na Tuna Académica da Universidade de Coimbra, em 1983, quando tinha 16 anos, e porque havia um grupo de fados: «Aprendi essencialmente como autodidacta, apesar de ter procurado mestres. Desses mestres, os mais importantes foram Jorge Gomes - pela forma como me apresentou a guitarra e me motivou - e Octávio Sérgio, que foi o último guitarrista a acompanhar o José Afonso. Mas também estudei e tenho estudado, através da audição e da observação dos mais diversos guitarristas, toda a obra da guitarra de Coimbra, apesar de não enjeitar estudar outras obras, mormente a de Pedro Caldeira Cabral e a guitarra de Lisboa. Mas o meu maior interesse é mesmo a guitarra de Coimbra, onde incluo a obra dos Paredes todos - Gonçalo, Artur e Carlos».

Dos outros, todos oriundos de Lisboa, Ricardo Rocha - um dos pouquíssimos novos intérpretes de guitarra portuguesa a fazer recitais a solo baseados nas suas próprias composições; autor do álbum «Voluptuária» -, chega à guitarra por influência familiar, tendo aprendido com o avô, Fontes Rocha: «Não aprendi numa escola, porque não havia essa escola. Nos conservatórios havia e há disciplinas de guitarra clássica e violoncelo, por exemplo, mas não de guitarra portuguesa. Uma pessoa para aprender tem que ter um interesse natural. É um tipo de aprendizagem que muitas vezes acontece de geração em geração». Marta Costa (um raríssimo exemplo de intérprete de guitarra portuguesa no feminino, que costuma tocar em espectáculos de Mário Pacheco e no Clube do Fado, onde acompanha fadistas como Joana Amendoeira, Ana Sofia Varela, Rodrigo Costa Félix, José da Câmara, Maria da Nazaré ou Alcindo Carvalho) também começa a tocar por influência familiar, se bem que aqui indirecta: «De inicio não gostava de fado nem conhecia a guitarra portuguesa. Desde os cinco anos que toco piano, mas o meu pai, que adora fado, convenceu-me a tocar guitarra portuguesa. Comecei a aprender com o Carlos Gonçalves, que foi guitarrista da Amália, há cinco anos, e comecei a descobrir o instrumento e a entusiasmar-me. Depois mostrei a minha evolução ao guitarrista Mário Pacheco, do Clube do Fado, e ele achou piada - nos últimos anos tenho estudado com ele».

QUANDO O ROCK
E A MÚSICA IMPROVISADA VÃO À GUITARRA PORTUGUESA

Com uma abordagem diferente da guitarra, menos purista e mais longe da tradição, estão dois nomes saídos do rock - Luís Varatojo (ex-Peste & Sida e Despe e Siga; que agora toca guitarra portuguesa n'A Naifa) e Nuno Rebelo (que foi dos Street Kids e dos Mler Ife Dada antes de enveredar pela nova música improvisada e por uma aventura chamada As Guitarras Portuguesas Mutantes!!!). Varatojo começou a tocar guitarra portuguesa «há dois anos e pouco. E por dois motivos: um, a curiosidade, e outro, eu e o João (Aguardela) andávamos a discutir umas ideias em relação à Naifa e pareceu-me apropriado pegar na guitarra portuguesa para desenvolver este projecto», sendo essencialmente autodidacta: «Fiz uma tentativa de aprender com um mestre, conforme o método clássico, mas as aulas eram demasiado caras. E optei por averiguar e apanhar por aí alguns manuais, que são raros. O Museu do Fado e da Guitarra Portuguesa disponibilizou-me fotocópias de um manual dos anos 50...». Mas a escola do rock e da pop ainda está lá: «A minha forma de tocar guitarra acaba por ser um misto da técnica mais clássica - porque faço os acordes e as posições dos dedos de acordo com essa linha - e o trabalho que tinha feito para trás com a guitarra eléctrica. Mas ainda tenho muito a desbravar...».

Ainda mais longe do convencional está Nuno Rebelo, que se meteu na aventura de transformar o próprio instrumento: «A exploração que eu andava a levar a cabo (e que continuo a desenvolver) na guitarra eléctrica integra-se, à escala internacional, num universo constituído por imensos guitarristas, cada qual com a sua linguagem e abordagem, ou seja, somos todos um entre muitos. Quis aplicar essa abordagem do instrumento à guitarra portuguesa, com a certeza de que seria um dos poucos senão o único a transfigurar este instrumento. Mas também confesso que me moveu o facto de estar a subverter um ícone da nação com uma carga de memória ligada ao passado, à tradição, à saudade. Quis pôr a guitarra portuguesa a olhar para o futuro». Nuno Rebelo chamou à sua aventura As Guitarras Portuguesas Mutantes!!!: «Fiz as primeiras experiências e os primeiros concertos, a solo, em 1993 [ver CD "Way Out, New Music from Portugal – Vol 1", editado pela Ananana; o tema "Pink Pong" foi gravado num concerto solo de guitarra portuguesa mutante em 93]. O projecto As Guitarras Portuguesas Mutantes!!! aparece mais tarde, em 1998», no âmbito da Expo'98.

Questionado sobre a reacção de outros guitarristas às suas «invenções», Rebelo diz: «Os dois guitarristas que trabalharam comigo neste projecto foram o Júlio Pereira e o Ricardo Rocha. Ambos se dedicaram ao projecto com ânimo e abertura de espírito e penso que terá sido uma boa experiência para eles. O papel que lhes coube foi o de fazer a ponte entre a linguagem e técnicas da guitarra portuguesa tradicional e a "nova música" que eu pretendia fazer, ou seja, tocando em harmonias pouco usuais no repertório deste instrumento. Neste aspecto o cunho pessoal do Ricardo Rocha foi uma grande contribuição. Quanto ao Júlio Pereira, não sendo um especialista da guitarra portuguesa mas antes de outros cordofones nacionais, teve um papel mais discreto, mas igualmente importante, de contraponto à guitarra do Ricardo Rocha». Os restantes músicos do projecto «eram todos bateristas, os Tim Tim Por Tim Tum – Marco Franco, José Salgueiro, Alexandre Frazão e Acácio Salero. Cada um dispunha de duas guitarras portuguesas mutantes, colocadas na horizontal. Estas eram tocadas simultaneamente com baquetas, arcos de violino ou simplesmente com as mãos, numa abordagem percussionística».

3 comentários:

Anónimo disse...

Bom artigo. Continuem o bom trabalho.

Mother Mary Carol Anne disse...

antonio -
Obviously I haven't a clue as to what is going on -
Just wanted to say Hi, and commend you on your political awareness.
I enjoy reading your stuff.
mca

António Pires disse...

Obrigado, Eduardo... Mas o continuem é um bocadinho exagerado ;-)

And Thank You MMCA for your words... You're always welcome...