20 dezembro, 2006

Dossier Guitarra Portuguesa - 2º Fascículo


Um dos trabalhos que mais prazer me deu fazer durante os meus muitos anos de BLITZ foi este dossier sobre a Guitarra Portuguesa, em finais de 2004. Ao longo destas semanas, e espaçadamente (para não cansar e porque há outras coisas para falar), aqui vão ficar entrevistas com guitarristas da nova geração e um construtor de guitarras que com ele transporta o saber de gerações, uma possível História da Guitarra Portuguesa, uma discografia básica, etc... Fiz este trabalho com muito amor. Leiam-no também assim, por favor.


A INCLINADA GERAÇÃO (II)
TOCAR GUITARRA PORTUGUESA É DOLOROSO

No ano passado, quando Ricardo Rocha editou o seu álbum a solo «Voluptuária», o guitarrista referiu em várias entrevistas uma relação de amor/ódio com o instrumento. Relação que ele agora clarifica: «Quando falo um bocado mal da guitarra, isso tem a ver simplesmente com a parte técnica e a parte física do instrumento. É um instrumento que exige não só boas condições técnicas como uma boa condição física para tocar, pela tensão e dureza das cordas. Tudo aquilo exige uma forma muscular muito boa para se conseguir tocar, porque tudo é duro, muito tenso. Isso dificulta a técnica, a articulação. É uma grande canseira. É um desporto radical». E também Marta Costa refere a dificuldade que é tocar o instrumento: «É difícil para qualquer pessoa, mas para uma mulher é ainda mais difícil. Temos uma pele mais fina do que a dos homens, temos que criar calos nos dedos, as cordas são muito finas e têm uma tensão enorme - é um bocado doloroso. Quando os calos chegam está tudo bem».

INFLUÊNCIAS, REFERÊNCIAS, OS PAREDES E ARMANDINHO...

E quem é que ouvem os guitarristas da nova geração? Quais são as suas principais influências e referências?... Diz Ricardo Rocha: «O Carlos Paredes e o Pedro Caldeira Cabral são uma referência pela sua actividade de solistas. Mas há outras pessoas que são uma referência fundamental na linguagem da guitarra tradicional: Jaime Santos, Domingos Camarinha, Armandinho, são guitarristas fundamentais para quem aprende guitarra portuguesa e se interessa pelo instrumento. Eles tocavam com uma complexidade enorme e já ninguém toca aquela linguagem, porque é muito difícil».

Por sua vez, Paulo Soares contrapõe com a escola de Coimbra: «A minha grande influência é, sobretudo, dos Paredes, porque na música deles - Artur e Carlos - existe uma energia anímica e de aproveitamento sonoro do instrumento que não encontramos em mais nenhum guitarrista. E sempre procurei essa energia. Mas também admiro muito o trabalho de Octávio Sérgio, que podemos pôr ao lado do de Carlos Paredes, em termos de qualidade da composição e da adaptação ao instrumento. O Pedro Caldeira Cabral faz um trabalho extraordinário, com influências da música erudita, e isso leva-nos a sofisticar o uso que se faz da guitarra». E lança algumas farpas ao estilo de Lisboa: «Historicamente, houve uma tentativa de se adaptar a construção do instrumento ao uso e ao estilo de cada cidade. Mas essas diferenças estão a atenuar-se cada vez mais e de uma forma geral é o modelo físico de guitarra de Coimbra que tende a prevalecer. Mas do ponto de vista da técnica, e da forma como o reportório se desenvolveu, as principais diferenças são que a guitarra de Lisboa procurou muitos rodriguinhos, muitos ornamentos, cantar as melodias mas ornamentá-las com um certo jeito malabarista, algum virtuosismo exibicionista, que caracterizava o Armandinho, que serve de modelo inicial a esse estilo de guitarra. Na guitarra de Coimbra, temos outra atitude, representada pelo Artur Paredes, onde não são os efeitos sonoros que estão em causa, mas a sonoridade intrínseca, completa, cheia, do instrumento e da música que nele se faz».

Farpas que são repegadas por Varatojo: «Não posso dizer que tenha influências, porque tenho tão pouca experiência no instrumento que não consigo avaliar se a minha maneira de tocar tem mais a ver com este ou aquele. Gosto de ouvir alguns guitarristas, mas gosto de descobrir os meus próprios caminhos... Gosto das coisas simples e a guitarra portuguesa tocada de uma forma clássica é uma coisa muito rendilhada, muito barroca, muito promenorizada, e gosto de "passar isso a ferro" e fazer umas coisas um bocado mais cubistas. Já fazia isso com a guitarra eléctrica». Por sua vez, Marta, humilde, refere: «Gosto muito do Mário Pacheco, do Fontes Rocha, do Ricardo Rocha - que ao seu estilo é genial. E é mais a essas pessoas com quem me dou a quem eu me agarro. Tenho poucos CDs, é uma vergonha...».

O PRESENTE E O FUTURO

Neste momento, e entre outros projectos, Nuno Rebelo (na imagem, um dos esboços de uma «guitarra portuguesa mutante») está envolvido no grupo Mark Lewis & The Standards, mas As Guitarras Portuguesas Mutantes!!! continuam vivas, quanto mais não seja através da projecção de filmes originalmente feitos para o projecto a serem exibidos num festival em Atenas. Para além disso, diz Rebelo, «não está nada encerrado no capítulo As Guitarras Portuguesas Mutantes!!!; é bem possível que volte a acontecer. É preciso apenas chegar o momento certo e a ocasião ideal».

Ricardo Rocha está a trabalhar em originais para um novo álbum, embora ainda não saiba quando será editado: «Eu também acompanho o Carlos do Carmo, mas prefiro ficar sozinho a gravar, nem sequer é a tocar em público». E, diz, sente «uma solidão e uma tristeza muito grande» por ser dos poucos a compor para o instrumento: «E isso só se passa em Portugal. Portugal é único em tudo: na decadência, na miséria e na pobreza. Existir aqui um instrumento como este, único no mundo, e só haver um ou dois compositores que o encaram de uma forma solística e compor e fazer peças para o instrumento a solo. E mesmo noutras gerações, houve só o Pedro Caldeira Cabral e o Carlos Paredes e pouco mais. É caricato e absurdo».

Paulo Soares tem um álbum na forja: «Tenho um álbum gravado, mas não gostei da captação de som e vou gravá-lo outra vez. O disco tem a ver com toda a guitarra de Coimbra, desde o Gonçalo Paredes até aos dias de hoje, incluindo composições minhas». Para já, dedica-se a «recitais a solo, acompanhado por uma viola, com um reportório baseado na guitarra de Coimbra, e também com composições mais recentes, algumas minhas. E também tenho feito alguns espectáculos com a Orquestra de Câmara de Coimbra e com a Orquestra do Norte». O ano passado fez um espectáculo, no encerramento do Festival da Guitarra, integrado em Coimbra - Capital da Cultura, estreando um concerto para guitarra portuguesa e orquestra da autoria de Fernando Lapa.

Por estes dias, Luís Varatojo continua a apresentar ao vivo o projecto A Naifa - que partilha com João Aguardela, a cantora Mitó e o baterista Vasco Vaz - e os temas do álbum «Canções Subterrâneas», cujos originais «foram todos construídos, de base, por mim na guitarra portuguesa e pelo João no baixo eléctrico. As minhas partes de composição nasceram na guitarra portuguesa, e isso foi propositado porque acabei por descobrir ali uma série de coisas, inclusive fazer acordes que não estão correctos mas que me soam bem e que não soariam dessa maneira se tivesse composto noutro instrumento qualquer... A guitarra portuguesa é um instrumento acústico, mas eu electrifico-a e uso efeitos, tanto em estúdio como ao vivo... Mantenho algumas características acústicas - o timbre e a ressonância -, mas dando algum cunho eléctrico ao instrumento». E num próximo álbum do projecto, lá continuará a guitarra portuguesa, também, à sua maneira, mutante.

Marta Costa está no último ano de Engenharia Civil, no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, mas, depois de terminado o curso, promete dedicar-se mais à guitarra do que às engenharias: «Desde pequena que gosto imenso de música». E esta frase de Marta ilumina na perfeição tudo o que ficou para trás e as declarações dos outros todos.

3 comentários:

Mother Mary Carol Anne disse...

sorry I cannot comment on this particular piece -
However, I just wanted to wish you a very merry christmas - from across the ocean -
mca

ANNA-LYS disse...

Feliz Natal Antonio

From the Northern Light of Europe

António Pires disse...

Hello MMCA and Anna-Lys (Anna-Light)!

Thank you very much for your Christmas messages!

And, from the Sunny Light of the South, I wish you both an excellent new year and, of course:

Feliz Natal!

Merry Christmas!

God Jul!

*Hugs*