14 fevereiro, 2007

Que Saudades do Neo-Swing!



Um dos movimentos - se assim se pode chamar - mais curiosos, frescos e divertidos de finais do século passado (o século XX, claro) deu pelo nome de neo-swing. Grupos de músicos brancos norte-americanos atiraram-se à herança do swing - música negra, com as raízes em África e os ramos estendidos entre Nova Orleães e os grandes palcos norte-americanos (o swing foi a primeira manifestação do jazz a ser massivamente consumida pela população branca) -, misturaram-lhe outras músicas, do ska ao rock'n'roll, blues, calipso, cajun, soul, etc, etc, etc... e fizeram uma música que, se não era «original», era pelo menos muito boa, hiper-dançável e esfusiantemente alegre. Cerca de dez anos depois do pico do movimento, tenho saudades de muitos deles. E, não sei muito bem porquê, acho que esta é a melhor música que se pode querer no dia de S.Valentim. O texto que se segue foi publicado originalmente no BLITZ em Dezembro de 1998.


NEO-SWING
A MENINA DANÇA?

Não gosto de dançar. Não sei dançar. Não quero dançar. Sempre que levanto um dos pés num gesto que vagamente se aproxima de um passo de dança pareço um pato em cima de uma chapa de metal quente ou um patinador de gelo em início de carreira. Sou pesado, desajeitado, pouco maleável (se bem que esteja a melhorar a pouco e pouco). Depois - talvez por isto; um psicólogo qualquer poderia explicar - nunca gostei de música de dança na generalidade. Odiei profundamente o disco-sound, tive um desgosto enorme quando os New Order renegaram (só em parte, eu sei) as origens sisudas da banda nos Joy Division e passaram para as pistas das discotecas, nunca achei graça aos grupos que faziam a ponte entre o rock e a «club culture» como os Happy Mondays, por exemplo. E fico com pele de galinha e batimentos cardíacos logo alterados sempre que oiço falar de tecno, de house, de drum'n'bass.

Bem, e depois?... Depois, isto tudo serve para dizer que, apesar disso, um homem não pode passar a vida a ouvir só Nick Cave, country alternativo, Tindersticks, músicas étnicas e pitadas de jazz e de música clássica. E também precisa de se divertir de vez em quando. Foi isso que me fez começar a ouvir, cada vez mais, e (tentar) dançar, porque não?, a música de uns combos que estão a brotar já em boa quantidade nos Estados Unidos e que, cada vez mais, merecem a nossa atenção. Respondem por nomes bizarros como Squirrel Nut Zippers (na foto), Royal Crown Revue, Cherry Poppin'Daddies, Brian Setzer Orchestra, Hepcat, The Mighty Blue Kings ou Big Bad Voodoo Daddy e que, para simplificar, se integram num movimento a que se chamou neo-swing. Nada mais justo: a base das canções originais (sim, porque quase nunca fazem «covers») destas bandas - formadas, não tão estranhamente quanto isso, por músicos brancos - encontra-se nos grandes clássicos do swing dos anos 20, 30 e 40. O dixieland, o ragtime (para simplificar, formas «primitivas» de jazz tal como nós o conhecemos) e, principalmente, o swing de Nova Orleães e de outras cidades «negras» americanas - e nomes como os de Louis Armstrong e Cab Calloway ou as big bands de Benny Goodman, Duke Ellington, Count Basie, Glenn Miller, Gene Krupa, numa miscelânea de músicos negros e brancos - estão permenentemente presentes como referência fundamental na música dos novos grupos de swing. Grupos em que não entram sintetizadores, samples, caixas-de-ritmos ou outras «modernices» e só muito raramente uma guitarra eléctrica, antes apostando no som «natural» de pianos, secções de metais, contrabaixos, baterias simples, às vezes um violino ou um banjo e... vozes, muitas vozes em jeitos de «crooner» retro (aposto tudo em como, para além do Armstrong ou cantoras como Mildred Bailey ou Billie Holiday, eles andaram quase todos a ouvir o Johnny Hartman e, no caso do Brian Setzer, obviamente o Elvis Presley).

Aqui, exigem-se alguns pormenores sobre cinco das bandas referidas, cujos álbuns - pelo menos alguns deles - se encontram à venda nas melhores lojas de discos de Lisboa:

Cherry Poppin Daddies: originários de Eugene, Oregon, são liderados por uma personagem chamada Steve Perry e dividem os seus interesses musicais entre o swing e o ska (neste caso, eles podem ser emparelhados com bandas como os Reel Big Fish e Mighty Mighty Bosstones, por exemplo). No início, a banda teve problemas porque o seu nome poderia ser entendido como uma alusão ao incesto. Som: swing mas também sons mais tribais, mais «exotica», mais ska, mais cabaret, mais calipso. Disco aconselhado: a compilação «Zoot Suit Riot» (que reúne os seus temas mais swing, deixando de fora aqueles que estão mais próximos do ska, se bem que dele tenha pitadas).

Brian Setzer Orchestra: Depois do fim dos Straycats - banda emblemática do rockabilly dos anos 80, juntamente com os Matchbox e, noutra onda, os Cramps -, Brian Setzer inventou a Brian Setzer Orchestra (uma big band de 16 elementos, mais coisa menos coisa, que o acompanha lá atrás), com influências swing mas também, obviamente, do rock'n'roll dos anos 50 - aquando da saída do seu primeiro álbum sob esta designação, Brian Setzer foi consideardo um «Harry Connick Jnr. com atitude». Neste rol de grupos, a B.S.O. é a única que tem, em permanência, uma guitarra eléctrica. Outros sons, para além do swing e rock'n'roll: boogie-woogie, surf-music, twist, cha-cha-cha. Discos aconselhados: «The Brian Setzer Orchestra» (com muitas «covers»), «Guitar Slinger» e «The Dirty Boogie» (curiosidade: Gwen Stefani, dos No Doubt, colabora no tema «You're The Boss», popularizado pelo rei Elvis, the Pelvis).

Royal Crown Revue: Septeto de Los Angeles, liderados por Eddie Nichols, os Royal Crown Revue misturam o swing, está bem, com músicas de filmes negros/série B de faca, metralhadora e alguidar, e sons sacados a big bands mais «evoluídas», digamos assim, próximas do be-bop. Uns pozinhos de blues, de soul, de músicas do Caribe e de... Frank Sinatra, e ambientes mais próximos de Chicago e de Las Vegas do que de Nova Orleães fazem o resto. Discos aconselhados: «Mugzy's Move» e «The Contender».

Big Bad Voodoo Daddy: Originários da Costa Oeste dos Estados Unidos, a partir de obscuras bandas punk, os Big Bad Voodoo Daddy (liderados por Scotty Morris) são, talvez, o mais «clássico», destes grupos - embora o tenham definido, no início, como «high-octane nitro jive» ou «big band gone crazy». Com um piano permanente e uma secção de metais que segue quase religiosamente os ensinamentos das big-bands clássicas do swing, com solos de vários instrumentos e tudo (coisa rara nos outros). Outros sons: rock'n'roll, ska, slows fumegantes e que apelam ao strip-tease. Participaram no filme «Swingers» (1996). Disco aconselhado: «Big Bad Voodoo Daddy».

Squirrel Nut Zippers: A melhor de todas estas bandas. Originários de um lugarejo chamado Efland, o grupo (um septeto) foi fundada pelos dois vocalistas: a cantora Katharine Whalen (que é uma maravilha - uma rapariguinha branca que tem nela todoas as vozes negras que se podem imaginar) e o cantor James Mathus (que não é tão bom mas também cumpre), tendo-se fartado de tocar, imagine-se, em festas de casamento de milionários. No seu som entra o swing, sim, mas também cajun, country, tango, calipso, as «brass-bands» da música cigana, easy-listening e um forte sentido pop. Gravam quase sempre com antigos microfones de carbono. Discos aconselhados: todos («The Inevitable...», «Hot» e «Perennial Favorites»).

A marcha fúnebre aparece em alguns destes discos como se fosse a coisa mais natural do mundo. Se calhar é: em Nova Orleães ainda se dança nos funerais dos negros porque se acredita que a alma do morto está a viajar para uma outra condição (dimensão?, estado?) e que ressuscitará um dia. Tal como o próprio swing... E isto é tudo o que se quer de um baile, de um bom baile: que seja capaz de ressuscitar um morto. O resto são cantigas.

4 comentários:

ANNA-LYS disse...

Happy St. Valentines Day Mr. Piri-Pires

(( hugs ))

Retired Geezer disse...

Squirrel Nut Zippers?

Me too, mi gusta.

I like "Put a lid on it", have you heard it?

António Pires disse...

Anna-Lys,

Hope you had an happy St.Valentine's Day!

((hugs))

R.Geezer,

From all these bands is my favorite too... And I love «Put A Lid On It» (from the «Hot» album, the best of them in my opinion), with the thin voice of Katharine Whalen...

Hugs

J G disse...

Amigo António, compartilho essa devoção pelo new swing.
ainda há uns dias saquei mais um cd dos Big Bad Voodoo Daddy, e ainda ando para encontrar um excelente disco ao vivo deles que o Manel no outro dia passava nas Catacumbas.

abraço