14 dezembro, 2007

Yashila, Alms For Shanti e Transglobal Underground - Quando o Ocidente Chega à Índia (e Vice-Versa)


A «contaminação» musical entre o Ocidente e o Oriente é uma coisa antiga e bastante conhecida. Mas, mais recentemente, essas «contaminações» são cada vez mais evidentes e generalizadas - tanto em nomes indianos que vêm ao Ocidente buscar instrumentos e inspirações - como nos casos dos Yashila e dos Alms For Shanti (na foto), mesmo que estes dois grupos tenham sonoridades completamente diferentes - como em grupos fixados no Ocidente mas que têm membros de origem indiana (e/ou paquistanesa) como os seminais Transglobal Underground. Três excelentes exemplos de como as músicas estão cada vez mais misturadas, e ainda bem.


YASHILA
«DRIVE EAST»
Sense World Music

Os Yashila são um maravilhoso grupo indiano formado pela violinista Kala Ramnath e pelos percussionistas Abhijit Banerjee e Somnath Roy. E o título do álbum de estreia do projecto, «Drive East», é logo uma «carta de intenções» - porque no álbum estão lá, fundas, a música tradicional e erudita indianas mas também alusões a muitas outras músicas - flamenco e música latino-americana, música árabe... -, numa atitude assumida de fusão cujo resultado é uma música viva, sempre em mutação, variadíssima. Os dois percussionistas - Abhijit mais nas tablas (embora também toque outros instrumentos) e Somnath mais numa bilha de barro da qual tira sonoridades inacreditáveis (e noutros instrumentos) - são muito bons, mas quem brilha mais neste álbum é mesmo a violinista Kala, pertencente a uma família que há várias gerações toca o violino ocidental (igualzinho ao europeu), mas adaptando-o à música indiana, sendo tocado numa posição diferente e com uma afinação diferente daquela a que estamos habituados. E o resultado final é um deslumbramento completo, em que, no cruzamento de músicas indianas e ocidentais (tanto de raiz tradicional quanto clássica), se adivinham muitas músicas de um futuro utópico, pacificado, global. (9/10)


ALMS FOR SHANTI
«KASHMAKASH»
Blue Flame Records

É curioso ouvir «Kashmakash», o primeiro tema e tema-título deste álbum dos Alms For Shanti, a seguir ao álbum dos Yashila: o tema começa com percussões tradicionais indianas e um... violino antes de avançar para um rock musculado, e, a seguir, funks pulsantes e electrónicas poderosas ou ambientais e que fazem lembrar, por vezes, os U2, de outras os New Order, de outras os Chemical Brothers ou os Air. Mas sempre com ligações óbvias e profundas às músicas indianas. E basta ver os instrumentos tocados pelos dois membros deste grupo de Bombaim - Jayesh Gandhi (guitarras eléctricas e acústicas, slide guitar, teclas, programações) e Uday Benegal (voz, teclas, programações mas também percussões tradicionais) - e pelos seus inúmeros convidados neste álbum, que tocam instrumentos indianos como tablas, bansuri, ghungroo ou sarangi, para se perceber até onde o grupo leva a sua música. Mas é preciso ouvir-se a música (do irresistível tema dançante «Superbol», presença constante em muitos dos meus sets de DJ, até ao canto konokol locomovido a funk de «Nag Ghum»), para se perceber a riqueza desta música, híbrida sim, misturada sim, mas com tudo a fazer sentido e a soar sempre, sempre, a verdadeiro. (8/10)


TRANSGLOBAL UNDERGROUND
«MOONSHOUT»
Mule Satellite Recordings/Tumbao

Desde há muitos anos na linha da frente da «invasão» indo-paquistanesa na música produzida em Inglaterra - juntamente com os Fun-da-Mental, os Asian Dub Foundation, Nitin Sawhney... -, os Transglobal Underground regressam este ano com um álbum fabuloso, este «Moonshout», em que levam o seu riquíssimo conceito de fusão ainda mais longe. A música do local de origem de alguns dos seus membros continua bem presente (do bhangra a drones mágicos directamente vindos das ragas e aos musicais de Bollywood) assim como o dub, o rock (oiçam-se as fabulosas guitarras shoegazing de «Quit Mumblin'»), a música árabe, o hip-hop, numa mistura sólida, hiper-consistente, de tantas músicas diferentes. Mas estão lá também algumas novidades deliciosas: a primeira, claro!, é a colaboração entre os Transglobal Underground e os «nossos» Blasted Mechanism no fortíssimo «Total Rebellion» (tema comum a este «Moonshout» e a «Sound In Light», dos Blasted Mechanism, e um entre outros dos muitos líbelos políticos de «Moonshout»); outra, igulamente surpreendente, é a participação da cantora búlgara Yanka Rupkina (do Trio Bulgarka) no belíssimo tema «Spice Garden». E, quase inevitavelmente, também a «velha» companheira Natacha Atlas participa num tema, «Awal», ao lado do rapper iraquiano Naufalle. Excelentíssima música esta que põe em confronto - e em união - tantas músicas, tantos lugares, tantas gentes. (9/10)

4 comentários:

Anónimo disse...

FELIZ NATAL E UM ANO DE 2008 MUITO PRÓSPERO!

Beijinhos,

Lu Costa

António Pires disse...

Lu Costa:

Agradeço e... retribuo :)

Beijinhos...

Anónimo disse...

Acabo de mandar sms ao Pai Natal para que ele acrescente à lista que lhe enviei há dias e me traga, para além de Amadou & Mariam,(era a eles que me referia no post anterior, sim) mais estes Yashila. Por causa do que dizes das sonoridades que eles tiram à bilha e pela curiosidade que suscitas relativamente ao violino.

Obrigada pelas pistas que deixaste ali em baixo sobre os malianos et

bon Dimanche à Bamako


Beijos

António Pires disse...

MGB:

:)) Os discos de Amadou & Mariam encontram-se à venda em Lisboa e o Pai Natal não deve ter grandes dificuldades em localizá-lo. Já quanto aos Yashila, acho que o «velho barbudo» vai ter que encomendar o disco na Amazon inglesa.

Bon Dimanche à Bamako (ou noutra cidade qualquer :)

Beijos...