08 novembro, 2006

Ronda dos Quatro Caminhos - Por (Várias) Terras do Cante


Seguramente um dos melhores álbuns dos últimos anos da música tradicional portuguesa, «Terra de Abrigo» foi o motivo para esta entrevista com a Ronda dos Quatro Caminhos, originalmente publicada no BLITZ em Julho de 2003. A imagem que ilustra este texto é de José Miguel Oliveira («descoberta» no blog da Ronda dos Quatro Caminhos, aqui).


RONDA DOS QUATRO CAMINHOS

A comemorar 20 anos de carreira, a Ronda dos Quatro Caminhos lançou agora o seu melhor álbum até à data, «Terra de Abrigo» - um disco em que se cruzam coros alentejanos com uma orquestra, o cante com o fado, o flamenco e a música árabe. A entrevista com Carlos Barata.

Obra de grande fôlego, «Terra de Abrigo» começa por atrair pela estranheza -- um disco de cante alentejano com orquestra?... Pensa-se em Chieftains com orquestra, em Milladoiro com orquestra, pensa-se até em Lopes-Graça e em Manuel de Falla. Depois, vai-se ouvir e aquilo resulta bem, com uma dignidade e uma qualidade inesperada. Carlos Barata - orquestrador, regente de coros, acordeonista, adufeiro... - explica a génese do processo: «A ideia é antiga. A Ronda sempre trabalhou muito com violino e, num disco ao vivo, gravámos com três violinos. Depois fizemos um espectáculo em Évora com um coro alentejano e a orquestra do Conservatório de Évora. Aquilo soou muitíssimo bem e abalançámo-nos a embarcar na aventura que foi este disco».

Em «Terra de Abrigo» convivem vários coros alentejanos - uns mais urbanos, outros mais rurais, uns mais jovens, outros com pessoas mais velhas... - com uma orquestra (ou melhor, a secção de cordas da Orquestra Sinfónica de Córdova, Espanha). E a ideia-base, musical e estética, foi «valorizar o cante alentejano com outras frequências - geralmente mais graves -, sem tocar na sua simplicidade e na sua riqueza. E foi difícil conseguir esse equilíbrio».

Outro dos vectores fundamentais deste álbum é a tentativa de criação de um universo comum ao sul de Portugal, de Espanha e do norte de África. Mas, segundo Barata, este não é um disco de tese, sendo a junção desses elementos um acaso feliz: «Não há aqui teoria nenhuma - o álbum não tem um conceito original, elaborado, apesar de haver um mote geral: a bacia mediterrânica. Ao longo da gravação do disco tivemos alguns encontros felizes, como por exemplo, o guitarrista de flamenco José António Rodriguez, e esses músicos acabaram por gravar connosco». Outros convidados em «Terra de Abrigo» são a fadista Katia Guerreiro - «que cantou um tema alentejano como se fosse um fado» -, Pedro Caldeira Cabral - «que tocou a viola campaniça, alentejana, como se fosse um alaúde árabe» -, a marroquina Amina Aloui e a cantora de flamenco Esperanza Fernandez.

A Ronda tem agora 20 anos de carreira - sempre com António Prata ao leme (Carlos Barata está na Ronda há pouco menos de 10 anos...) - e este disco é o ponto alto das «comemorações» da efeméride, «uma aventura, uma "maluqueira" em que nós nos metemos; pelas difculdades de produção do álbum; pela reunião de muita gente à volta deste disco; e até por questões técnicas - por exemplo, alguns locais em que nós gravámos alguns dos coros». Mas seguem-se mais algumas «maluqueiras»: estão já previstos concertos com vários dos convidados e com a Orquestra daqui por alguns meses. E, com a fasquia colocada tão alto, Barata ainda não sabe o que vai ser o próximo álbum da Ronda: «Já tenho algumas ideias. E o António Prata também já tem algumas. Mas até podemos voltar a fazer um álbum menos complexo, com música tradicional portuguesa de várias proveniências». Para descansar um pouco.

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