08 janeiro, 2007

Los de Abajo, Forro In The Dark, Karsh Kale - Uma Festa Global


Festa. Festa. Festa. Uma festa global, sem fronteiras, com mensagens políticas incluídas como no caso dos Los de Abajo (na foto) ou de Karsh Kale ou sem mensagem nenhuma, como nos Forro In The Dark: só o prazer de dançar, de fazer música, de misturar ritmos com outros ritmos, géneros com outros géneros, sons com outros sons. Festa é Festa!


LOS DE ABAJO
«LDA V THE LUNATICS»
Real World

Porta-estandarte do movimento zapatista e na linha da frente da fusão de géneros mexicanos com muitas outras músicas, autor do inesquecível «Cybertropic Chilango Power», o grupo mexicano Los de Abajo regressou à ribalta há alguns meses com o fantástico álbum «LDA V The Lunatics», em que conta com a ajuda da dupla de produtores Neil Sparkes e Count Dubulah, isto é, os Temple of Sound (eles que também convocaram a sua antiga companheira nos Tranglobal Underground, Natacha Atlas, para o último tema deste álbum) e com outro convidado especialíssimo: Neville Staples, que foi dos Fun Boy Three, nas versões em espanhol e inglês do hit desta banda inglesa «The Lunatics (Have Taken Over The Asylum)», versões em que também participa o trombonista inglês Dennis «Badbone» Rollins. E o resultado global é uma festa pegada - feita de groove, hip-hop, ska, ritmos latinos de origens variadas (salsa, cumbia, banda ou o mariachi que assombra o ska de «The Lunatics...») e permanentemente dançável, sempre tocada e cantada com um saber e uma alegria enormes. Mas não se pense, por isso, que Los de Abajo perderam o seu empenhamento político: logo a abrir, o tema «Resistencia» (o título diz tudo) inclui uma gravação da Comandante Zapatista Esther. (8/10)


FORRO IN THE DARK
«FORRO IN THE DARK»
Nublu Records/Ponderosa

Aparentemente, o que os Forro In The Dark fazem é tão simples quanto isso: forró, aquele género muitas vezes mal-amado do nordeste brasileiro. Mas, quando se ouve bem este álbum descobrem-se - nos interstícios dos temas de Luiz Gonzaga (muitos) ou de Sivuca (menos), e por entre o acordeão, os ferrinhos, a zabumba, o pífano e... uma guitarra eléctrica - ecozinhos de country, de swing, de pop sixties, de música havaiana, de música russa, de experimentalismo. Mas sempre com um sentido de festa e de dança e de folia inexcedíveis. Conta a lenda que os Forro In The Dark - formados pelos brasileiros Rob Curto e Mauro Refosco e pelo norte-americano Smokey Hormel (o guitarrista), neste álbum acolitados por Seu Jorge (que dá voz a «Suor de Pele Fina») e Jon Birdsong (trompetista dos Brass Monkey) - tocam durante horas e horas seguidas no clube de jazz nova-iorquino Nublu - onde têm residência todas as quartas-feiras -, deixando toda a gente alagada em suor. Ouvindo-se o disco não custa acreditar nesta história. Assim como não custa acreditar que «Bonfires of São João» (álbum editado apenas alguns meses depois deste «Forro In The Dark»), que inclui participações de David Byrne, Bebel Gilberto e Miho Hatori (das Cibo Matto) poderá ainda ser melhor que este. (8/10)


KARSH KALE
«BROKEN ENGLISH»
Six Degrees Records


Músico, produtor, DJ, por vezes cantor, Karsh Kale nasceu em Inglaterra mas cresceu nos Estados Unidos, onde reside. De ascendência indiana, Kale inclui na sua música variadíssimos elementos indianos (desde instrumentos como as tablas, que ele também toca, ou a inevitável sitar, a referências às bandas-sonoras de Bollywood, ao bhangra ou a géneros tradicionais e clássicos indianos), mas na sua música entram muitíssimos outros géneros e ouvir um álbum como «Broken English» é uma surpresa constante. O primeiro tema, «Manifest» - que começou por se chamar «Resistance» (olá Los de Abajo) - é um rap, protagonizado por MC Napoleon, hiper-politizado e fortíssimo; o segundo, «Dancing at Sunset», é uma cançãozona pop iluminada por uma secção de cordas indiana; o terceiro, «Beautiful», é uma balada electrónica com flautas mágicas (bansuris) e a voz de Sophie Mitchalitsianos (dos Sparklehorse) a flutuar por cima. E o resto do álbum, que se ouve sempre em estado de encantamento e surpresa, é umas vezes mais electrónico, outras vezes mais rock (como em «Free Fall», com Trixie Reiss na voz) ou mais ambiental ou mais trip-hop («Innocence and Power», com Dierdre Dubois, dos Ekova), mas sempre com a dose certa de elementos «étnicos» a compor, bem, o ramalhete. (8/10)

06 janeiro, 2007

Discos 2006 - Os Melhores do Raízes e Antenas


Exercício sempre falível, pessoal e passageiro (as escolhas de agora podem não ter sido as de há alguns meses e as que não serão daqui por algum tempo), aqui ficam alguns topes avulsos do Raízes & Antenas construídos a partir de discos editados durante o ano de 2006. E sem regras muito rígidas (no Top nacional, por exemplo, entre muitos álbuns de estúdio com temas originais, também se encontram um EP dos Buraka Som Sistema, um álbum dos Nobody's Bizness gravado ao vivo e uma colectânea de Rodrigo Leão, esta porque os temas originais que inclui seriam suficientes, de tão bons que são, para lhe garantir um lugar neste Top de qualquer maneira). Como é óbvio, há discos que não ouvi e, por isso, não podem constar nestas listas e outros de que já me esqueci, não havendo, em relação a estes, quaisquer desculpas... Resta referir que por vezes as secções também não são tão óbvias quanto parecem (por exemplo: o primeiro lugar no Top do Brasil é do grupo semi-belga semi-brasileiro Think of One; os Toubab Krewe são norte-americanos e estão no Top de África; e Bruce Springsteen está no Top das Américas e não no de Rock) e que muitos dos discos incluídos nestas listas já foram criticados neste blog, outros ainda o serão nos tempos mais próximos e outros nem por isso...


20 ÁLBUNS DA EUROPA CONTINENTAL

1 - Accordion Tribe - «Lunghorn Twist»
2 - Ojos de Brujo - «Techarí»
3 - Mari Boine - «Idjagiedas»
4 - KAL - «Asphalt Tango»
5 - Moussu T e lei Jovents - «Forever Polida»
6 - Gjallarhorn - «Rimfaxe»
7 - Kepa Junkera - «Hiri»
8 - OMFO - «We Are the Shepherds»
9 - Amparanoia - «La Vida Te Da»
10 - Klezmofobia - «Tantz!»
11 - Haydamaky - «Ukraine Calling»
12 - Darko Rundek & Cargo Orkestar - «Mhm A-Ha Oh Yeah Da-Da (Migration Stories and Love Songs)»
13 - Di Grine Kuzine - «Berlin Wedding»
14 - Gogol Bordello - «Gypsy Punks»
15 - Kachupa Folk Band - «Gabrovo Express»
16 - Kerekes Band - «Pimasz - Magyar Funk»
17 - Ludovico Einaudi - «Divenire»
18 - Ilgi - «Saules Meita»
19 - Abnoba - «Vai Facile»
20 - Juan Mari Beltran - «Orhiko Xoria»


10 ÁLBUNS DA FOLK BRITÂNICA

1 - Bert Jansch - «The Black Swan»
2 - Bellowhead - «Burlesque»
3 - Kathryn Tickell & Corrina Hewat - «The Sky Didn't Fall»
4 - Uiscedwr - «Circle»
5 - Tim Van Eyken - «Stiffs Lovers Holymen Thieves»
6 - The Devil's Interval - «Blood and Honey»
7 - Waterson:Carthy - «Holy Heathens and the Old Green Man»
8 - Karine Polwart - «Scribbled In Chalk»
9 - Rachel Hair - «Hubcaps & Potholes»
10 - Chumbawamba - «A Singsong and a Scrap»

20 ÁLBUNS DE ÁFRICA

1 - Ali Farka Touré - «Savane»
2 - Mayra Andrade - «Navega»
3 - Rachid Taha - «Diwan 2»
4 - Tartit - «Abacabok»
5 - Ba Cissoko - «Electric Griot Land»
6 - Natacha Atlas - «Mish Maoul»
7 - Nuru Kane - «Sigil»
8 - Toumani Diabaté's Symmetric Orchestra - «Boulevard De L’Independance»
9 - Gigi - «Gold & Wax»
10 - Etran Finatawa - «Introducing...»
11 - Toubab Krewe - «Toubab Krewe»
12 - Souad Massi - «Mesk Elil»
13 - K'naan - «The Dusty Foot Philosopher»
14 - Vieux Farka Touré - «Vieux Farka Touré»
15 - Afel Bocoum & Alkibar - «Niger»
16 - Lura - «M'Bem di Fora»
17 - Akli D - «Ma Yela»
18 - Cheikh Lô - «Lamp Fall»
19 - El Tanbura - «Between The Desert And The Sea»
20 - Maghrebika - «Neftakhir»


10 ÁLBUNS DA ÁSIA

1 - Mercan Dede - «Breathe»
2 - Boom Pam - «Boom Pam»
3 - Fun-Da-Mental - «All Is War»
4 - Karsh Kale - «Broken English»
5 - Yashila - «Drive East»
6 - Burhan Oçal & Istanbul Oriental Ensemble - «Grand Bazaar»
7 - Anoushka Shankar - «Rise»
8 - The Idan Raichel Project - «The Idan Raichel Project»
9 - Asha Bhosle - «Love Supreme»
10 - Susheela Raman - «Music For Crocodiles»


10 ÁLBUNS DO BRASIL

1 - Think Of One - «Tráfico»
2 - Cordel do Fogo Encantado - «Transfiguração»
3 - Seu Jorge - «The Life Aquatic Studio Sessions»
4 - Cibelle - «The Shine of Dried Electric Leaves»
5 - Caetano Veloso - «Cê»
6 - Forro In The Dark - «Forro In The Dark»
7 - Badi Assad - «Wonderland»
8 - Tom Zé - «Danç-Êh-Sá»
9 - Marisa Monte - «Universo Ao Meu Redor»
10 - Chico Buarque - «Carioca»

10 ÁLBUNS (DO RESTO) DAS AMÉRICAS

1 - Lila Downs - «La Cantina: Entre Copa Y Copa»
2 - Cristóbal Repetto - «Cristóbal Repetto»
3 - Tanya Tagaq - «Sinaa»
4 - Bruce Springsteen - «We Shall Overcome - The Seeger Sessions»
5 - Los de Abajo - «LDA V The Lunatics»
6 - Free Hole Negro - «Superfinos Negros»
7 - Susana Baca - «Travesias»
8 - Charanga Cakewalk - «Chicano Zen»
9 - Senõr Coconut - «Yellow Fever»
10 - Ska Cubano - «Ay Caramba!»


10 COLECTÂNEAS

1 - Vários - «World Circuit Presents»
2 - Vários - «Electric Gypsyland 2»
3 - Vários - «The Rogue's Gallery»
4 - Vários - «The Rough Guide To Planet Rock»
5 - Vários - «No Child Soldiers»
6 - Vários - «Angola»
7 - Vários - «Congotronics 2»
8 - Vários - «Acorda!»
9 - Vários - «Roots Of Rumba Rock: Congo Classics 1953-1955»
10 - Vários - «Musiques Métisses - Océan Indien»


20 DISCOS DE PORTUGAL

1 - Dazkarieh - «Incógnita Alquimia»
2 - A Naifa - «3 Minutos Antes de A Maré Encher»
3 - Dead Combo - «Quando a Alma não é Pequena»
4 - Uxu Kalhus - «A Revolta dos Badalos»
5 - Brigada Victor Jara - «Ceia Louca»
6 - Gaiteiros de Lisboa - «Sátiro»
7 - Buraka Som Sistema - «From Buraka To The World»
8 - Lúmen - «Fogo Dançante»
9 - Sérgio Godinho - «Ligação Directa»
10 - Rodrigo Leão - «O Mundo»
11 - Nobody's Bizness - «Ao Vivo Na Capela da Misericórdia»
12 - Arrefole - «Veículo Climatizado»
13 - Houdini Blues - «F de Falso»
14 - Aldina Duarte - «Crua»
15 - Kussondulola - «Guerrilheiro»
16 - Célio Pires - «Molinos de l Brosque»
17 - Ovo - «Ovo»
18 - José Peixoto com Maria João - «Pele»
19 - Claud - «Contradições»
20 - Garoto - «Garoto»


10 ÁLBUNS DE ROCK & DERIVADOS

1 - Joanna Newsom - «Ys»
2 - Beirut - «Gulag Orkestar»
3 - Final Fantasy - «He Poos Clouds»
4 - Tom Waits - «Orphans: Brawlers, Bawlers and Bastards»
5 - Sufjan Stevens - «Avalanche»
6 - A Hawk and A Hacksaw - «The Way The Wind Blows»
7 - Scott Walker - «The Drift»
8 - Mi and L'au - «Mi and L'au»
9 - Sonic Youth - «Rather Ripped»
10 - Beck - «The Information»

05 janeiro, 2007

José Castro - O Mistério do Homem-Árvore


Um dos projectos mais fascinantes da música portuguesa dos últimos anos - projecto que, infelizmente, passou despercebido a quase toda a gente - tem como protagonista o cantor, músico e compositor José Castro (na foto, de André Szankowski). Aqui recupero uma entrevista com ele, publicada originalmente no BLITZ em Fevereiro de 2005, a propósito do seu único álbum até à data, «Tree of Life».


JOSÉ CASTRO

«Tree of Life» é um álbum estranho que tanto inclui pop electrónica como temas épicos à Peter Gabriel, guitarra portuguesa e acordeão, música brasileira, cabo-verdiana e, eventualmente, mensagens ecologistas. Estranho mesmo, mas um pouco menos quando se ouvem as explicações de José Castro.

Numa das canções de «Tree of Life», «Melting Man», José Castro canta sobre um «homem que derrete antes de ficar árvore», conceito que é desenvolvido visualmente nas fotografias do disco. E é essa «fusão» que assombra todo o álbum: homem/natureza, magia/realidade, músicas de agora/sonoridades ancestrais. «Tree of Life» é um disco conceitual - o primeiro de uma trilogia -, onde poderiam constar os nomes de Peter Gabriel, Brian Eno e David Byrne. Mas não; consta lá o de José Castro, cantor e compositor português que reconhece a sua admiração por esses nomes, «pelo rock progressivo, pela música ambiental» e por músicas étnicas.

Mas as suas raízes, curiosamente, estão em áreas bastante distantes: «na adolescência fiz parte de bandas de hardcore e de death-metal, sempre a tocar bateria. Depois passei para a guitarra. E foi há quatro, cinco anos, que comecei a desenvolver este projecto a solo». Um projecto cujo conceito foi sendo desenvolvido ao longo dos anos e que teve como molas fundamentais alguns momentos da vida de José Castro: «Fiz um filme, na sequência de um curso de vídeo, chamado "A Porta do Bosque", baseado em textos de Jorge Guimarães. Era um diálogo de uma árvore com o Homem e as suas diferenças. E, depois, em Londres, fui jardineiro de profissão». Essa ligação temática da sua obra às árvores pode fazer pensar em ideais ecologistas mas José Castro diz que «isto não é uma coisa ecológica, embora tenha essa vertente. A ideia é o Homem "estar parado" - como as árvores - mas nem é tanto parar para pensar, é mais parar para sentir». Musicalmente, José Castro diz que «tudo pode entrar na minha música, desde que faça sentido e seja verdadeiro. A música começa com uma raiz e desenvolve-se a partir daí. No tema "Mocambo", que tem a ver com a Madragoa, faz sentido que haja ali uma guitarra portuguesa».

No álbum, José Castro toca muitos instrumentos (de guitarra a percussões passando por tubos PVC, banjo indiano, bandolim, baixo, flautas...) e participam - entre outros - o acordeonista Gabriel Gomes (Sétima Legião/Madredeus/Tjak...) e Bernardo Couto em guitarra portuguesa. Ao vivo, José Castro é acompanhado por uma banda de amigos - «com os quais aprendo imenso; eles são todos melhores músicos do que eu» - formada por Bernardo Barata (guitarra), com quem José Castro já tinha tocado «nas tais bandas de hardcore», músicos dos TV Rural e dos Oioai e «uma pianista de formação clássica nos teclados», Joana Vaz. As sementes estão lançadas.

04 janeiro, 2007

Concertos World e Colaterais - 1ª Fornada de 2007


O ano de 2007 promete ser ainda melhor que os anteriores no que se refere a concertos de nomes da chamada world music (e áreas próximas ou periféricas) em Portugal. E, apesar de não se saber ainda se o Intercéltico do Porto se vai realizar este ano (as melhoras e um grande abraço, Avelino: há um grupo de mouros à espera de ser recebido mais uma vez no Porto de braços abertos) e se o Cantigas do Maio irá mesmo ressuscitar de alguma forma, pelos zunzuns que circulam por aí referentes a outros festivais (com o FMM de Sines à cabeça), este ano vai ser mesmo de arromba. Para já, aqui ficam alguns concertos que vão ter lugar já neste e nos próximos meses, quase todos eles tendo como fonte original o Crónicas da Terra, do camarada e amigo Luís Rei.

Já este mês, a cantora revelação da música cabo-verdiana, Mayra Andrade, actua, dia 20, no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães. E o grupo maior da música klezmer e das suas fusões com outras músicas, The Klezmatics, apresenta-se ao vivo, dia 24, na Culturgest, em Lisboa. A fechar o mês de Janeiro, o pianista dominicano Michel Camilo e o guitarrista espanhol de flamenco Tomatito tocam na Casa da Música, Porto, dia 31.

Em Fevereiro, dia 16, os magníficos e inclassificáveis Tuxedomoon tocam no Centro de Artes e Espectáculos de Portalegre. E a cantora e compositora brasileira Cibelle (na foto, de Michel Figuet) regressa ao nosso país para quatro concertos: dia 21 no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra, dia 22 no Santiago Alquimista, em Lisboa, dia 23 no Theatro Circo, em Braga, e dia 24 no Teatro Virgínia, em Torres Novas.

Em Março, os delirantes israelitas, radicados nos Estados Unidos, Balkan Beat Box estreiam-se em Portugal com um concerto, dia 3, na Casa das Artes de Famalicão. O músico e compositor francês Yann Tiersen (famoso pelo seu trabalho no filme «Amélie») apresenta o seu novo álbum, «On Tour», dia 6 na Casa das Artes de Famalicão e dia 7 na Aula Magna, em Lisboa. A cantora inglesa de ascendência indiana Susheela Raman dá um concerto no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, no dia 10. E os lendários egípcios Musicians of The Nile sobem ao palco da Casa da Música, Porto, no dia 14. A encerrar em grande as «festividades» de Março, e ainda com o Norte de África como cenário, os marroquinos Master Musicians of Jajouka com Bachir Attar, acompanhados pelo pianista Jeff Cohen, participam numa homenagem aos escritor Paul Bowles, «Paul Bowles - Secret Words: A Suit of Six Songs», dia 31, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

Finalmente, em Maio, dia 23, o quarteto de cordas completamente «desalinhado» norte-americano Kronos Quartet actua no Centro de Artes do Espectáculo de Portalegre.

03 janeiro, 2007

Teresa Salgueiro e Sal - Madredeus em Novos Caminhos


Os Madredeus entraram agora em «ano sabático», segundo as palavras de Pedro Ayres Magalhães ao desmentir a dissolução do grupo, e começam a saber-se novidades sobre os novos projectos de alguns dos elementos do grupo. Para já, a mais «bombástica» é a do novo rumo da carreira da cantora Teresa Salgueiro (na foto, de Daniel Blaufuks), que estreia nos próximos dias em S.Paulo, Brasil, o seu reportório dedicado à bossa-nova e à música popular brasileira, reportório que também integra o seu primeiro álbum a solo (se considerarmos que «Obrigado» era um álbum de colaborações e duetos e não um verdadeiro disco a solo), com edição marcada para Março. A outra, mais discreta mas não menos excitante (pelo que promete musicalmente), é a do projecto «Sal», com José Peixoto e Fernando Júdice a bordo.

Teresa Salgueiro apresenta-se ao vivo no Golden Cross Jazz Club/Tom Jazz, em S.Paulo, dias 10, 11, 12 e 13 de Janeiro, interpretando «standards» de bossa-nova e de MPB compostos por Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Chico Buarque, Pixinguinha, Ary Barroso, Dorival Caymmi, Dolores Duran, Luiz Bonfá, Ismael Neto, Antonio Maria, Carlos Lyra e Henricão, entre outros, sendo acompanhada pelos músicos João Cristal (piano), Nailor Proveta (saxofone e clarinete), Marcos Paiva (baixo acústico), Paulo Dafilin (guitarra), Daniel de Paula (bateria) e Maria Diniz e Adriana Dré nos coros. Os mesmos músicos que participam no álbum em que Teresa Salgueiro interpreta 22 temas brasileiros e que a EMI portuguesa edita em Março deste ano. Em Abril, Teresa Salgueiro inicia uma digressão mundial com espectáculos baseados neste alinhamento.

Entretanto, os seus colegas José Peixoto (guitarra) e Fernando Júdice (baixo acústico) - eles que já tinham protagonizado o álbum «Carinhoso», também dedicado à música brasileira (chorinhos) - estão envolvidos num novo projecto de nome Sal, em que também participam a fadista Ana Sofia Varela e o percussionista Vicky. O projecto apresenta-se dia 4 de Março na Casa da Música, Porto, e segundo o press-release inserido no site desta sala de espectáculos, «Sal cruza música de raiz ibérica com a dimensão atlântica do percurso lusófono» e «surge como herdeiro de um legado fadista, recusando‑se a sê‑lo pela diferença da instrumentação e (por) um sentimento onde o convívio da diferença se alia despreocupadamente à mestiçagem da forma».

02 janeiro, 2007

Dossier Guitarra Portuguesa - 5º Fascículo


Um dos trabalhos que mais prazer me deu fazer durante os meus muitos anos de BLITZ foi este dossier sobre a Guitarra Portuguesa, em finais de 2004. Ao longo destas semanas, e espaçadamente (para não cansar e porque há outras coisas para falar), aqui vão ficar entrevistas com guitarristas da nova geração e um construtor de guitarras que com ele transporta o saber de gerações, uma possível História da Guitarra Portuguesa, uma discografia básica, etc... Fiz este trabalho com muito amor. Leiam-no também assim, por favor.


ECOS DISTANTES

De onde vem a guitarra que viria a chamar-se portuguesa?... Da cítara? Da cítola medieval (na foto)? Da guitarra inglesa? Da guitarra mourisca?... As origens de um dos mais antigos cordofones nacionais em tentativa de explicação.

E mais perguntas... Há uma guitarra portuguesa? Não, há pelo menos três (as de Lisboa, Coimbra e Porto, cada uma com as suas características próprias). E o instrumento é de origem portuguesa? Também não, embora tenha sido aqui que tenha tomado a(s) forma(s) que actualmente lhe(s) conhecemos no último século e meio. E é só tocada em Portugal? Agora sim, mas no século XIX era ainda popular, com outros nomes, em vários países. E mais perguntas e respostas, recolhidas em vários sítios de internet (principalmente no imprescindível at-tambur.com) e livros consultados, e aqui apresentadas em jeito de «digest» para principiantes...

Segundo José Lúcio (construtor de cordofones e investigador), em Portugal «a palavra guitarra deve ser unicamente aplicada à guitarra portuguesa (Porto, Lisboa e Coimbra) e a palavra viola a um outro instrumento, com uma caixa acústica em forma de oito.... Em vez de "Guitarra Clássica" devia ser Viola Dedilhada, para não confundir com a Viola de Arco, ou simplesmente Violão. A palavra Violão é de grande utilidade para distinguir o instrumento de 6 cordas, das violas de arame portuguesas (Amarantina, Braguesa, Toeira, Beiroa, Campaniça, Arame da Madeira, da Terra, S.Miguel, Açores, e de 15 e 18 cordas da Terceira, Açores)».

E quais são as principais diferenças entre as guitarras de Lisboa, Coimbra e Porto?... Ainda segundo José Lúcio, «a Guitarra do Porto, com uma caixa acústica de menor dimensão e uma "voluta" terminando em cabeça humana de animal ou flor; a Guitarra de Lisboa, com uma maior caixa de ressonância e uma voluta em caracol; e finalmente a escola de Coimbra, com uma escala maior, afinando um tom abaixo da de Lisboa e voluta em lágrima. A escola do Porto, que fabricava Guitarras mais pequenas, perdeu adeptos e está praticamente extinta, só se fabricando por encomenda».

Actualmente, o uso de instrumentos semelhantes à guitarra portuguesa caiu em desuso noutros países, mas no séc. XIX não era assim. Segundo Pedro Caldeira Cabral (músico, compositor e estudioso de instrumentos antigos), «o instrumento a que damos hoje o nome de Guitarra Portuguesa foi conhecido até ao século XIX em toda a Europa sob os nomes de Cítara (Portugal e Espanha), Cetra (Itália e Córsega), Cistre (França), Cittern (Ilhas Britânicas), Cister e Zittern (Alemanha e Países Baixos)».

A guitarra portuguesa poderá ter origem árabe?... Parece que não. Segundo Ernesto Veiga de Oliveira (musicólogo já falecido), «tal orientação funda-se em geral, sem crítica, na razão meramente verbal de uma suposta equiparação do nosso instrumento actual à velha "guitarra mourisca" ou "sarracenica", e no facto da sua associação ao fado, a que essas mesmas orientações atribuem também, por via de regra, origens árabes... A "guitarra mourisca" está na origem de uma linhagem instrumental completamente diferente - as mandolas e mandolinas -, e que a associação da actual guitarra ao fado é um fenómeno muito recente».

Qual é então a origem remota da guitarra portuguesa?... Diz Manuel Portugal (guitarrista) que «etimologicamente, a designação de Guitarra advém do vocábulo grego Kythara, que mais tarde os latinos converteram em Cithara. Conta uma lenda que este nome provém de Cyterón, o nome de uma montanha situada algures entre a Beócia e a Ática. Mas há quem, discordando desta opinião, defenda que deriva sim de Cythara, o antigo nome da ilha grega Cerigo, a qual era considerada como o paraíso da poesia e do amor, e na qual existia um templo dedicado a Vénus».

Pedro Caldeira Cabral defende que a guitarra portuguesa tem como origem directa «a Cítara europeia do Renascimento, por sua vez filiada na Cítola Medieval, a actual Guitarra Portuguesa sofreu importantes modificações técnicas no último século (nas dimensões, no sistema mecânico de afinação, etc.), tendo no entanto conservado a afinação peculiar das cítaras, igual número de cordas e a técnica de dedilho própria deste género de instrumentos. Em Portugal, o seu uso está documentado desde o século XIII (Cítola), nas mãos de trovadores e menestréis, e no século XVI (Cítara), estando de início confinado aos círculos da côrte, terá posteriormente sido alargado a outros níveis populares e por isso encontramos referências à utilização da Cítara no teatro e também nas tabernas e barbearias, sobretudo nos séculos XVII/XVIII».


E onde é que entra a guitarra inglesa (na foto)?... Segundo Manuel Portugal, a guitarra inglesa foi «introduzida [em Portugal] no século XVIII, no Porto, difundindo-se depois rapidamente a norte de Coimbra. Isto poderá explicar as diferenças de construção, de estrutura e de afinação entre a guitarra de Coimbra, com origem no Porto, e a de Lisboa», acrescentando que «a conclusão que se tira deste estudo é que a evolução da Guitarra se pode formular a partir de uma teoria baseada nas coincidências existentes entre estes dois instrumentos - o Cistro e a Guitarra Inglesa - dando-se a adopção de elementos de um e de outro e mantendo-se a sua prática ligada, desde o início, à musica de tradição oral. Tal facto não terá também sido alheio à deslocação da Corte para Coimbra, sendo bastante provável que estes dois antepassados da guitarra tenham continuado a ser cultivados entre nós, mesmo depois da época trovadoresca».

E como surge a associação da guitarra portuguesa ao fado?... Segundo a explicação simples, mas sugestiva, do guitarrista José Pracana, «de facto o "acasalamento" da guitarra com a viola, é perfeito. A guitarra é um instrumento que se adapta com facilidade aos "requebros" e à ternura das canções galantes e "sentidas" e adaptando a sua "afinação natural" para a "afinação do fado" passa a ser preferida ao seu rival, o bandolim». O casamento acontece ainda no século XIX, mas é no século XX que tem o seu desenvolvimento mais íntimo e quase exclusivo (há gravações de fado do início do século XX em que os fadistas eram acompanhados a piano).

29 dezembro, 2006

Feliz Ano Novo!


A caminho do Algarve por alguns dias (réveillon oblige!), aqui deixo a todos os meus amigos, leitores fiéis ou visitantes de ocasião (principalmente os que procuram no google por «O Midjor di Kizomba» :-) os meus votos de um excelentíssimo 2007!!!!

FELIZ ANO NOVO!

HAPPY NEW YEAR!

PRÓSPERO AÑO NUEVO!

BONNE ANNÉE!

GOTT NYTT ÅR!

Memorial 2006 (Ou Um Imenso Adeus)


Na Morte não há géneros musicais. Um enorme, imenso, sentido Adeus a todos estes músicos, cantores e compositores:


Ali Farka Touré - 31 de Outubro de 1939/6 de Março de 2006

Anita O'Day - 18 de Outubro de 1919/23 de Novembro de 2006

Arthur Lee (Love) - 7 de Março de 1945/3 de Agosto de 2006

Cheikha Rimitti (na foto) - 8 de Maio de 1923/15 de Maio de 2006

Desmond Dekker - 16 de Julho de 1941/25 de Maio de 2006

Grant McLennan (The Go-Betweens) - 12 de Fevereiro de 1958/6 de Maio de 2006

György Ligeti - 28 de Maio de 1923/12 de Junho de 2006

Janette Carter (The Carter Family) - 1923/22 de Janeiro de 2006

James Brown - 3 de Maio de 1933/25 de Dezembro de 2006

Jockey Shabalala (Ladysmith Black Mambazo) - 1943/11 de Fevereiro de 2006

Mícheál Ó Domhnaill (The Bothy Band) - 7 de Outubro de 1952/7 de Julho de 2006

Miguel «Angá» Díaz (Afro Cuban All Stars, Buena Vista Social Club) - 15 de Junho de 1961/9 de Agosto de 2006

Pío Leyva (Buena Vista Social Club) - 5 de Maio de 1917/22 de Março de 2006

Raul Indipwo (Duo Ouro Negro) - 1933/4 de Junho de 2006

Ray Barretto - 29 de Abril de 1929/ 17 de Fevereiro de 2006

Robert Lockwood Jr. - 27 de Março de 1915/21 de Novembro de 2006

Sivuca - 26 de Março de 1930/14 de Dezembro de 2006

Syd Barrett (Pink Floyd) - 6 de Janeiro de 1946/7 de Julho de 2006

Wilson Pickett - 18 de Março de 1941/19 de Janeiro de 2006

28 dezembro, 2006

Cromos Raízes e Antenas VIII



Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo VIII.1 - GAC - Vozes na Luta


O Grupo de Acção Cultural (GAC) - Vozes na Luta é um exemplo único em Portugal de uma alargada formação musical - chegou a contar com 60 elementos - ao mesmo tempo fortemente empenhada politicamente (o grupo estava conotado com a UDP) e com uma ligação às raízes tradicionais indelével. Formado em 1974, pouco depois da Revolução de Abril, por José Mário Branco, o GAC teve nas suas fileiras e ainda numa fase embrionária, José Afonso e Fausto, mas foi sob a liderança de José Mário Branco (que compôs muitas das canções do GAC) e o empenhamento de vários músicos e muitos cantores recrutados em coros da zona de Lisboa que o GAC traçou boa parte da sua importantíssima carreira na canção de intervenção. Álbuns obrigatórios, se se conseguirem encontrar, em qualquer discoteca básica da música portuguesa (e não só a popular ou a de intervenção): «A Cantiga é Uma Arma», «Pois Canté!!», «E Vira Bom» e «Ronda da Alegria». Há muitos anos que se espera a sua reedição em CD.


Cromo VIII.2 - Emmylou Harris


Emmylou Harris (nascida a 2 de Abril de 1947, no Alabama, Estados Unidos) é talvez a cantora mais importante da country norte-americana das últimas décadas. Com uma voz única e maravilhosa, Emmylou tem uma respeitadíssima carreira a solo (ela é também compositora de muitas das canções que interpreta) e colaborou ao longo das últimas três décadas com nomes tão variados como Gram Parsons, Neil Young, Bob Dylan, Dolly Parton, Mark Knopfler, Linda Ronstadt, Willie Nelson ou gente mais nova que a venera como a uma Deusa: Conor Oberst (aka Bright Eyes) ou Ryan Adams. O seu álbum de estreia, «Gliding Bird», foi editado em 1970, e muitos outros se seguiriam, numa trajectória pessoal e artística imparável. Álbuns aconselhados: «Blue Kentucky Girl», «Roses in The Snow», «Trio» (com Linda Ronstadt e Dolly Parton), «Bluebird» e, principalmente, «Wrecking Ball», disco edtado em 1995, com produção de Daniel Lanois, em que Emmylou canta temas de Neil Young, Jimi Hendrix e Steve Earle, entre outros.

Cromo VIII.3 - Baba Zula


A música turca está cheia de bons exemplos de fusão entre os sons locais e outras formas musicais (de Mercan Dede aos Oojami), mas foram os Baba Zula os primeiros a expandir globalmente essa fusão. No seu caso, uma mistura explosiva de música tradicional turca (incluindo o sempre excitante piscar de olho à dança do ventre), rock, electrónicas, reggae e dub. O álbum de estreia, «Tabutta Rovasata», foi editado em 1996, seguindo-se «3 Oyundan 17 Muzik», «Psyche-belly Dance Music», «Duble Oryantal» (estes dois produzidos pelo mestre do dub Mad Professor), «Dondurmam Gaymak» (banda-sonora) e o mais recente «Roots», este último uma homenagem a dois dos mais emblemáticos instrumentos tradicionais turcos, o saz e as colheres de madeira (usadas como percussões). Entre os colaboradores dos Baba Zula contaram-se, ao longo dos anos, gente do calibre de Sly Dunbar e Robbie Shakespeare (a secção-rítmica maravilha da Jamaica), Alexander Hacke (dos Einsturzende Neubauten) ou a diva turca da ópera Semiha Berksoy.


Cromo VIII.4 - Issa Bagayogo


Cantor e músico maliano, Issa Bagayogo é um dos mais importantes nomes da África Ocidental a fundir sons de raiz com outras músicas, nomeadamente com programações electrónicas. Fazendo-se acompanhar pelo seu característico kamele n'goni (que parece uma kora mas não o é: o kamele n'goni tem apenas seis cordas e é característico da música de Wassoulou, no sul do Mali), Bagayogo canta a terra, a paz e a amizade sem nunca esquecer as suas origens camponesas, em Korin. As suas primeiras gravações foram feitas em Bamako, no início dos anos 90, sem grande sucesso, o que o obrigou a conduzir autocarros durante algum tempo. Mas no final dos anos 90, finalmente, a sua estrela começa a brilhar. Em 1999 sai o álbum «Sya», um grande sucesso no Mali, seguindo-se depois três álbuns que o lançaram ao mundo: «Timbuktu», «TassouMaKan» e «Mali Koura».

27 dezembro, 2006

Kepa Junkera, Accordion Tribe, Tim Van Eyken - Acordeões de Todo o Mundo, Uni-vos


Há muitos discos editados este ano - e até o ano passado - sobre os quais ainda falarei neste blog, mas não queria acabar 2006 sem referir estes três de que falo aqui hoje. São três discos fabulosos - outra vez: fabulosos - que têm como elo comum o uso (não exaustivo nem exclusivo, excepto no caso dos Accordion Tribe, na foto) do acordeão e de instrumentos-irmãos. E, ah catano!, se todos os Quim Barreiros desta vida os ouvissem...

KEPA JUNKERA
«HIRI»
Elkar Musika

Ao fim de vários anos a escrever sobre Kepa Junkera, acho que já esgotei um léxico inteiro de elogios ao acordeonista basco. E a propósito de «Hiri», o seu novo álbum - também já perdi a conta a quantos já editou... - seria preciso renovar não apenas um léxico inteiro mas também uma sintaxe e um vocabulário paralelo para dizer tudo o que este álbum tem de bom lá dentro. Mas atrevo-me a dizê-lo: nunca Kepa tocou tão bem a sua trikitixa como aqui, nunca o seu som esteve mais perto de tantos caminhos (e já tantos caminhos que ele cruzou em vários álbuns!) e tão perto de um som universal, global, aberto a tantas músicas sem, nunca, nunca, deixar de ser ele, o «velho» Kepa. Oiça-se, por exemplo, «Ataun», em que a dança da trikitixa entronca na cavalgada imparável da txalaparta, sublinhada pelo uivo da alboka e o lamento da sanfona, unindo o País Basco a Itália (uma união que é repegada no maravilhoso «Napoli»). E também andam por este álbum sons árabes, vozes búlgaras (as Bulgarka), um piano maravilhoso (de Alain Bonnin), a gaita galega de Xosé Manuel Budiño, o percussionista Glen Velez, a fabulosa Mercedes Péon e a cantora azeri Aygun, os Tactequete e Eliseo Parra, entre muitos outros, numa festa feita de tantas músicas que não conseguimos contá-las. Ainda bem! (9/10)


ACCORDION TRIBE
«LUNGHORN TWIST»
Intuition Music

E se o álbum de Kepa e da sua trikitixa está, e tão bem!, rodeado de vozes e muitos outros instrumentos, já em «Lunghorn Twist», terceiro álbum dos Accordion Tribe, o acordeão (os cinco acordeões!) é rei e senhor e maestro e uma orquestra inteira. Os Accordion Tribe são um super-grupo que junta Guy Klucevsek (Estados Unidos), Maria Kalaniemi (Finlândia), Bratko Bibic (Eslovénia), Lars Hollmer (Suécia) e Otto Lechner (Áustria), cinco acordeonistas talentosíssimos que trazem as suas respectivas heranças locais (e muitos géneros musicais em que anteriormente se movimentaram, da folk ao rock progressivo, do jazz de vanguarda da Knitting Factory nova-iorquina à música clássica....) e o resultado é magnífico, absolutamente surpreendente e devastador. Com os Accordion Tribe há lugar para valsas e swing, solos lindíssimos de cor e calor mas também uníssonos em distorção e dissonância absolutas, punkalhadas sem vergonha e música improvisada que parece saída de uma jam de fim de curso no Conservatório (elogio!). O norte-americano Guy Klucevsek (que trabalhou com John Zorn, Laurie Anderson e Bill Frisell, entre outros) é geralmente visto como o líder do grupo, mas todos eles contribuem por igual para uma música novíssima e maravilhosa. (10/10)


TIM VAN EYKEN
«STIFFS LOVERS HOLYMEN THIEVES»
Topic Records

Ele também canta e toca guitarra, mas é quando pega no acordeão (oiça-se a lindíssima entrada do terceiro tema, «The Pearl Wedding/Nancy Taylor's», a primeira vez que o acordeão entra em cena neste álbum) que Tim Van Eyken se revela como um dos melhores músicos actuais do Reino Unido. Um músico com um respeito enorme pela tradição (todos os temas de «Stiffs Lovers Holymen Thieves» são tradicionais das Ilhas Britânicas) mas com a dose suficiente de ambição e talento para avançar um bocadinho na renovação da folk britânica, adicionando-lhe fatias de country norte-americana ou de rock. Jovem prodígio (com alguns prémios no currículo, nomeadamente da BBC), Tim Van Eyken fez parte dos Dr.Faustus e acompanhou durante cinco anos o projecto Waterson:Carthy, isto é o grupo da família-maravilha da folk constituído pelos enormes Martin Carthy e Norma Waterson, e a filha do casal Eliza Carthy. Neste álbum a solo, Van Eyken é acompanhado por Nancy Kerr no violino e voz, Pete Flood (dos Bellowhead) na bateria e Oliver Knight na guitarra eléctrica, entre outros. E o resultado é um álbum hiper-equilibrado, variado e muitas vezes surpreendente («Babes In The Wood», por exemplo, está entre a música romântica, a experimental e o indie-rock). (9/10)

26 dezembro, 2006

Dossier Guitarra Portuguesa - 4º Fascículo
























Um dos trabalhos que mais prazer me deu fazer durante os meus muitos anos de BLITZ foi este dossier sobre a Guitarra Portuguesa, em finais de 2004. Ao longo destas semanas, e espaçadamente (para não cansar e porque há outras coisas para falar), aqui vão ficar entrevistas com guitarristas da nova geração e um construtor de guitarras que com ele transporta o saber de gerações, uma possível História da Guitarra Portuguesa, uma discografia básica, etc... Fiz este trabalho com muito amor. Leiam-no também assim, por favor.


GUITARRA PORTUGUESA
CORDAS UMBILICAIS

Pode um instrumento musical espelhar - com o seu som, o seu timbre, a sua respiração e movimento e vibração - a alma de um povo? Pode. Ouve-se um didgeridoo na Austrália, um berimbau no Brasil, uma kora no Senegal, uma flauta de Pã nos Andes, um tambor taiko no Japão, e sabemos que aquele instrumento específico está a ser tocado pela alma certa, mesmo que possa ser tocado por «corpos» de toda a gente em todo o mundo.

Pode a guitarra portuguesa espelhar a alma do povo português? Pode. Há guitarra portuguesa de Lisboa e guitarra portuguesa de Coimbra e guitarra portuguesa do Porto e Braga. E há gente a tocá-la em todo o país. E há um género (dois?, se falarmos de Lisboa e de Coimbra separadamente) que lhe está colado como uma segunda pele, o Fado - ou, dizem os mais críticos, em vez de uma pele, um casaco grande e grosso que por vezes lhe abafa o respirar. E há intérpretes e compositores que fizeram da guitarra portuguesa um instrumento maior. João Maria dos Anjos, Antero Alte da Veiga, o clã Paredes - Gonçalo, Artur e Carlos -, Armandinho, Raúl Nery, António Portugal, António Brojo, Fontes Rocha, Augusto Hilário, Pedro Caldeira Cabral, António Chaínho e muitos, muitos outros... E, mais recentemente, há músicos mais novos que se atiram à guitarra sem complexos e com vontade de a levar para o futuro como Ricardo Rocha, Paulo Parreira, Custódio Castelo ou Paulo Soares... E algumas mulheres, como Marta Costa, perderam o medo de tocar este instrumento difícil e extremamente exigente em termos físicos (a posição; a dureza das cordas...). E há gente do rock a virar-se para ela: na invenção e recriação física do instrumento através das «guitarras portuguesas mutantes» de Nuno Rebelo; na paixão com que Luís Varatojo (ex-Peste & Sida e Despe e Siga) trocou a guitarra eléctrica pela guitarra portuguesa e contribuiu para fazer A Naifa; na aventura que é usar guitarra portuguesa no heavy-metal (os Thragedium, cujo líder, Eclipse, também toca guitarra portuguesa). E os ecos do instrumento não ficam por aqui. Mesmo que não estejam lá, fisicamente, estão nos samples de Sam The Kid ou nas guitarras eléctricas dos Dead Combo, de The Legendary Tiger Man e de Gonçalo Pereira (cf. na versão de «Movimentos Perpétuos», de Carlos Paredes, no álbum «Upgrade»).

A guitarra portuguesa, dizem alguns historiadores, evoluiu a partir de uma fusão da cítara com a guitarra inglesa e faz parte de uma imensa família de cordofones. Pelo som, e pelo sentimento, é irmã do oud (o alaúde árabe), é prima do bouzouki grego (que, por uma estranha emigração, foi adoptado também pelos irlandeses) e do bandolim siciliano, e é vizinha da guitarra espanhola - tão vizinha que, geralmente, para cada guitarra portuguesa há uma viola - uma guitarra espanhola - ali mesmo ao pé. Mas as ligações genealógicas dos cordofones podem ir mais além no tempo e longe no espaço: podem ir ao shamisen das gueixas japonesas, à sitar indiana, à balalaika russa, ao ukelele havaiano (neto dos cavaquinhos portugueses), à kora dos griots mandingas, às violas de lata dos blues do Mississippi.

São cordas que prendem a música, as canções, à terra onde nascem, como cordões umbilicais que nunca são cortados, como fios de Ariadne que nos servem de bússola permanente, como uma teia de relações que se prendem - e nos prendem - a um tempo, a um espaço, a uma poesia, a um gosto, a um destino. E à alma dos povos que as dedilham.

24 dezembro, 2006

Colectâneas de Natal - Um Mundo de (Algumas) Canções


O que era suposto estar aqui era a terceira parte da série «Prendas no Sapatinho», com a caixa de quatro CDs «Angola», que só não está porque deve andar nataliciamente encalhada em alguma estação dos correios. Não faz mal, porque assim tenho um bom motivo para aconselhar algumas colectâneas de canções de Natal interpretadas por artistas da chamada world music e de «territórios» contíguos. São pequenas fichas, entradas, aperitivos...













Vários - «World Christmas» (Blue Note Records): Canções de Natal de vários países interpretadas por artistas de «world» e de jazz do calibre de Papa Wemba, John Scofield, Angélique Kidjo, Cesária Évora, Deep Forest com Lokua Kanza, Vocal Sampling, Gilberto Gil com Caetano Veloso ou Joshua Redman com Marcus Miller.















Vários - «Christmas Around The World» (Putumayo): Fórmula semelhante ao do anterior com interpretações, em várias línguas, de canções de Natal, interpretadas por Steve Schuch & The Night Heron Consort, New York Twoubadou, Sheryl Cormier & Cajun Sounds, Cuba L.A., Banks Soundtech Steel Orchestra, Los Reyes, Pepe Castillo ou Kali.















Vários - «A Putumayo Christmas: World, Folk, Blues, Jazz and Soul» (Putumayo): O título diz quase tudo o que esta colectânea tem lá dentro. Protagonistas: John Gorka, Ottmar Liebert, Machel, Michael Doucet, Otis Redding, Koko Taylor, Son Seals e Loreena McKennitt, entre outros.















Vários - «Christmas: Around the World» (National Geographic). A mesma fórmula, com um leque «geográfico» bastante alargado. Inclui interpretações dos Berrogüetto, Nina Postolovskaya, Ivan Lins, Asne Valland Nordli, Tairona, Tarun Bhattacharya, Mondo Caribe, Big D Nui e Folk Scat, entre outros.















Vários - «Nomad Christmas» (Nomad Records): Entre o jazz e as músicas «locais» de cada um dos intervenientes (Índia, Cuba, Brasil...), esta colectânea inclui participações de Simon Shaheen, Glen Velez, Tarun Bhattacharya, Fernando Melo, Luiz Bueno, Folk Scat, Robbie Link e Mike Richmond, entre outros.















Vários - «Celtic Christmas» (Windham Hill Records): O mais limitado em espaço geográfico e «musical» abrangente (a música «celta»), é no entanto um regalo de se ouvir. Inclui temas interpretados por Phil Cunningham com Manus Lunny, Triona Ni Dhomhnaill, Liam O' Flynn, Luka Bloom, Nightnoise, Carlos Nuñez ou Loreena McKennitt.


Feliz Natal*Merry Christmas*Joyeux Noël*Feliz Navidad*God Jul*Saint Dan Fai Lok*Vrolijk Kerstfeest*Maligayang Pasko*Hyvaa Joulua* Milad Majid*Froehliche Weihnachten*Shub Naya Baras*Kala Christouyenna*Afishapa*E Ku Odun*Mele Kalikimaka*Mo'adim Lesimkha*Gledileg Jol*Boldog Karácsonyt*Selamat Hari Natal*Nollaig Shona Dhuit*Buon Natale*Kurisumasu Omedeto*Nollaig Chridheil Huibh*Mboni Chrismen*Sung Tan Chuk Ha*Linksmu Kaledu*Selamat Hari Natal*Meri Kirihimete*Craciun Fericit*Cestitamo Bozic*Vesele Vianoce*Nadolig Llawen*Pozdrevlyayu s Prazdnikom Rozhdestva*Zalig Kerstfeest*Webale Krismasi*Gajan Kristnaskon

23 dezembro, 2006

Super-Réveillon Bailante - Pé de Xumbo ao Pé Coxinho


Se é conveniente passar o segundo exacto entre um ano e outro ao pé coxinho, para se entrar no novo ano com o pé direito, imagine-se o que é fazer isso quando se tem (ou já não se tem, conforme...) pé de chumbo e durante quatro dias seguidos... O último festival trad do ano - e, ao mesmo tempo, o primeiro de 2007 - decorre no Porto, entre 29 de Dezembro e 1 de Janeiro, organizado pela Pé de Xumbo e pela Associação Gambozinos. É o Festival Fim d'Ano, na Igreja do Marquês (Praça do Marquês de Pombal), com bailes/concertos abrilhantados pelos grupos portugueses Monte Lunai (na foto, de Mário Pires, da Retorta), Uxu Kalhus, Mu e Mosca Tosca, os franceses ZEF e os belgas Naragonia. O festival inclui ainda workshops de dança (europeias, holandesas, portuguesas, orientais, bálticas, galegas, etc...) e de música e instrumentos (concertina, gaitas-de-foles, música tradicional).

22 dezembro, 2006

Dossier Guitarra Portuguesa - 3º Fascículo


Um dos trabalhos que mais prazer me deu fazer durante os meus muitos anos de BLITZ foi este dossier sobre a Guitarra Portuguesa, em finais de 2004. Ao longo destas semanas, e espaçadamente (para não cansar e porque há outras coisas para falar), aqui vão ficar entrevistas com guitarristas da nova geração e um construtor de guitarras que com ele transporta o saber de gerações, uma possível História da Guitarra Portuguesa, uma discografia básica, etc... Fiz este trabalho com muito amor. Leiam-no também assim, por favor.


GUITARRA PORTUGUESA
DISCOGRAFIA BÁSICA

A guitarra portuguesa está, quase sempre, escondida atrás de um fadista ou de uma fadista. E não são muitos os registos discográficos existentes que dêem ao instrumento o protagonismo absoluto. O BLITZ foi à procura dos discos que julga serem os que mais e melhor justiça fazem à nossa guitarra:

António Brojo e António Portugal - «Variações Inacabadas» (CD 1994 EMI). Dois dos mais importantes guitarristas de Coimbra colaboram num álbum que foi deixado inacabado devido ao falecimento dos dois intervenientes. Neste disco, Brojo e Portugal interpretam temas próprios e de Artur Paredes, Gonçalo Paredes, Augusto Hilário e Flávio Rodrigues, entre outros.

António Chaínho - «A Guitarra e Outras Mulheres»(CD 1998 Movieplay). Acompanhante de fadistas como Maria Teresa de Noronha, Lucília do Carmo e Carlos do Carmo, entre outros, Chaínho mostra neste disco que também é um talentoso compositor de originais. É aqui acompanhado por cantoras como Teresa Salgueiro, Marta Dias, Elba Ramalho ou Filipa Pais e músicos como Fernando Alvim, Vinicius Cantuária, Greg Cohen, Peter Sherer e Eyvind Kang.

Artur Paredes - «Artur Paredes» (LP 1961 Alvorada, CD 2003 Movieplay). Filho de Gonçalo Paredes e pai de Carlos Paredes, Artur Paredes foi «o génio revolucionário da guitarra coimbrã» (diz José Niza). Neste disco, Artur Paredes interpreta originais seus acompanhado por Carlos Paredes (também na guitarra portuguesa) e Arménio Silva (viola).

Carlos Paredes - «Guitarra Portuguesa» (LP 1968 Columbia, CD 1987 EMI-VC) e «Movimento Perpétuo» (LP 1971 Columbia, CD 1988 EMI-VC). Se Artur Paredes, pai de Carlos, revolucionou a guitarra coimbrã, Carlos Paredes revolucionou toda a música nacional e fez da guitarra portuguesa um instrumento maior na galáxia dos sons. Génio absoluto, Carlos Paredes - acompanhado nestes dois álbuns pela viola de Fernando Alvim - lança as sementes do futuro para o instrumento em temas imortais por si compostos e interpretados («Canção Verdes Anos», «Movimento Perpétuo», «Mudar de Vida»...).

Domingos Camarinha e Santos Moreira - «Guitarras Portuguesas» (LP 1960 Decca, CD 2001 EMI-VC). O guitarrista Domingos Camarinha (neste disco acompanhado à viola por Santos Moreira) foi acompanhante e autor de músicas para Amália Rodrigues e um dos mais importantes intérpretes de guitarra de Lisboa. Neste álbum toca temas de Lisboa mas também de Coimbra e do folclore nacional.

José Nunes - «O Melhor de José Nunes» (CD 2001 EMI-VC). Acompanhador de fadistas (nomeadamente Amália) mas também solista, José Nunes foi o melhor exemplo de como a guitarra portuguesa é mesmo... portuguesa. Nascido no Porto, é tido como um genial fusionista entre os estilos de Coimbra e Lisboa. Neste disco interpreta temas seus e de outros (Raul Ferrão, Max, populares...).

Pedro Caldeira Cabral - «Memórias da Guitarra Portuguesa/A Guitarra do Século XVIII» (CD 2003 Tradisom). Instrumentista, investigador, especialista em música antiga, Pedro Caldeira Cabral (na foto) é também um apaixonado pela guitarra portuguesa. Neste disco duplo, Cabral vai em busca de formas clássicas/eruditas (embora não se resuma a isto) interpretadas em guitarra portuguesa: pavanas, sonatas, tocatas, minuetos...

Ricardo Rocha - «Voluptuária» (CD 2003 Vachier & Associados) e «Tributo à Guitarra Portuguesa» (CD 2004 Público/Vachier & Associados). O mais talentoso guitarrista de Lisboa da nova geração, Ricardo Rocha tanto inova, revoluciona e leva a guitarra para novos e inexplorados territórios (no álbum em solo absoluto - excepto quando é acompanhado por cravo e violino - e maioritarimente com composições suas, «Voluptuária») como é respeitoso e reverente na transmissão de temas de compositores do passado como Armandinho, José Nunes, Domingos Camarinha, José Cavalheiro ou Jaime Santos (em «Tributo à Guitarra Portuguesa», em que é acompanhado pela viola de Paquito).

Vários - «Guitarra Diversa» (CD 2004 Músicactiva). Álbum editado com o apoio de Coimbra - Capital Nacional da Cultura, inclui participações de Ricardo Rocha, Pedro Caldeira Cabral, Nuno Rebelo, Cândido Lima e Paulo Soares.

Vários - «Guitarras do Fado - Ao Vivo na Aula Magna» (CD 2001 EMI-VC). Inclui gravações ao vivo de Fontes Rocha, Carlos Gonçalves, Mário Pacheco, Manuel Mendes, Paulo Parreira e Ricardo Rocha.

21 dezembro, 2006

Prendas no Sapatinho 2 - Sufjan Stevens


O Natal é sempre uma boa desculpa para investir, por via directa ou indirecta, em objectos (livros, CDs, DVDs...) mais caros do que o habitual, seja através da magnífica invenção que é a auto-prenda («Quer que embrulhe?», «Não, não é preciso, é p'ra mim») quer através da pedinchice descarada aproveitando o flanco aberto do inimigo («Então netinho, o que é que queres que eu te dê este Natal? Meias?», «Não, não, deixe estar, pode ser só o DVD do Richard Thompson»). O DVD do Richard Thompson também já entrou nesta minha lista, mas hoje, aqui fica o lindíssimo embrulho que é a caixa de Natal de Sufjan Stevens...


SUFJAN STEVENS
«SONGS FOR CHRISTMAS»
Asthmatic Kitty Records

Já o disse aqui várias vezes: estou cada vez mais cansado da pop e do rock que se vai fazendo por esse mundo fora. Mas há excepções, claro, e ainda bem... E agora no Natal - época de boa vontade e de amor universal -, deixem-me que diga que a melhor canção (canção!) dos últimos dez anos não veio da área da world music ou da folk ou de «géneros» colaterais... Também não é dos White Stripes, dos Arcade Fire ou dos Animal Collective, de Devendra Banhart ou de Joanna Newsom, de Beck ou dos Handsome Family, isto é, daqueles poucos artistas e grupos que eu venero... Não, a melhor canção dos últimos dez anos, para mim, chama-se «John Wayne Gacy, Jr.» e é de Sufjan Stevens. O mesmo Sufjan Stevens que, sempre com a mania das megalomanias que se lhe conhece, nos oferece agora uma lindíssima prenda de Natal: a caixa de cinco CDs «Songs For Christmas - Singalong (In Stereo Hi-Fi)», uma compilação dos seus EPs oferecidos aos amigos e a alguns fãs - à semelhança do que faziam os Beatles e outros grupos -, por alturas do Natal, ao longo dos últimos quatro anos e ainda o que estava reservado para este ano da graça de 2006. São gravações caseiras, geralmente lo-fi (à excepção do disco 5, muito mais orquestrado do que os anteriores), com Sufjan e os amigos e amigas a fazerem versões de muitos temas de Natal conhecidos - estão cá os clássicos absolutos «Silent Night», «O Come O Come Emmanuel», «Amazing Grace», «The Little Drummer Boy», «Joy To The World» e «Jingle Bells» -, à mistura com vários originais de Sufjan compostos a propósito da quadra natalícia, alguns deles com recurso ao seu humor corrosivo e à sua verve inteligentíssima - e basta atentar nos títulos para ver logo onde é que ele quer chegar («It's Christmas! Let's Be Glad», «Only at Christmas Time», «Come On! Let's Boogey To The Elf Dance!» ou «That Was The Worst Christmas Ever!»), mas, sempre, sempre, com o seu toque mágico e pessoalíssimo. Ah!, a caixa ainda traz autocolantes, um livreto com as letras e as músicas, banda-desenhada, etc, só faltando mesmo um chocolate ou dois... Esta prenda comprei para mim! (9/10)

20 dezembro, 2006

Dossier Guitarra Portuguesa - 2º Fascículo


Um dos trabalhos que mais prazer me deu fazer durante os meus muitos anos de BLITZ foi este dossier sobre a Guitarra Portuguesa, em finais de 2004. Ao longo destas semanas, e espaçadamente (para não cansar e porque há outras coisas para falar), aqui vão ficar entrevistas com guitarristas da nova geração e um construtor de guitarras que com ele transporta o saber de gerações, uma possível História da Guitarra Portuguesa, uma discografia básica, etc... Fiz este trabalho com muito amor. Leiam-no também assim, por favor.


A INCLINADA GERAÇÃO (II)
TOCAR GUITARRA PORTUGUESA É DOLOROSO

No ano passado, quando Ricardo Rocha editou o seu álbum a solo «Voluptuária», o guitarrista referiu em várias entrevistas uma relação de amor/ódio com o instrumento. Relação que ele agora clarifica: «Quando falo um bocado mal da guitarra, isso tem a ver simplesmente com a parte técnica e a parte física do instrumento. É um instrumento que exige não só boas condições técnicas como uma boa condição física para tocar, pela tensão e dureza das cordas. Tudo aquilo exige uma forma muscular muito boa para se conseguir tocar, porque tudo é duro, muito tenso. Isso dificulta a técnica, a articulação. É uma grande canseira. É um desporto radical». E também Marta Costa refere a dificuldade que é tocar o instrumento: «É difícil para qualquer pessoa, mas para uma mulher é ainda mais difícil. Temos uma pele mais fina do que a dos homens, temos que criar calos nos dedos, as cordas são muito finas e têm uma tensão enorme - é um bocado doloroso. Quando os calos chegam está tudo bem».

INFLUÊNCIAS, REFERÊNCIAS, OS PAREDES E ARMANDINHO...

E quem é que ouvem os guitarristas da nova geração? Quais são as suas principais influências e referências?... Diz Ricardo Rocha: «O Carlos Paredes e o Pedro Caldeira Cabral são uma referência pela sua actividade de solistas. Mas há outras pessoas que são uma referência fundamental na linguagem da guitarra tradicional: Jaime Santos, Domingos Camarinha, Armandinho, são guitarristas fundamentais para quem aprende guitarra portuguesa e se interessa pelo instrumento. Eles tocavam com uma complexidade enorme e já ninguém toca aquela linguagem, porque é muito difícil».

Por sua vez, Paulo Soares contrapõe com a escola de Coimbra: «A minha grande influência é, sobretudo, dos Paredes, porque na música deles - Artur e Carlos - existe uma energia anímica e de aproveitamento sonoro do instrumento que não encontramos em mais nenhum guitarrista. E sempre procurei essa energia. Mas também admiro muito o trabalho de Octávio Sérgio, que podemos pôr ao lado do de Carlos Paredes, em termos de qualidade da composição e da adaptação ao instrumento. O Pedro Caldeira Cabral faz um trabalho extraordinário, com influências da música erudita, e isso leva-nos a sofisticar o uso que se faz da guitarra». E lança algumas farpas ao estilo de Lisboa: «Historicamente, houve uma tentativa de se adaptar a construção do instrumento ao uso e ao estilo de cada cidade. Mas essas diferenças estão a atenuar-se cada vez mais e de uma forma geral é o modelo físico de guitarra de Coimbra que tende a prevalecer. Mas do ponto de vista da técnica, e da forma como o reportório se desenvolveu, as principais diferenças são que a guitarra de Lisboa procurou muitos rodriguinhos, muitos ornamentos, cantar as melodias mas ornamentá-las com um certo jeito malabarista, algum virtuosismo exibicionista, que caracterizava o Armandinho, que serve de modelo inicial a esse estilo de guitarra. Na guitarra de Coimbra, temos outra atitude, representada pelo Artur Paredes, onde não são os efeitos sonoros que estão em causa, mas a sonoridade intrínseca, completa, cheia, do instrumento e da música que nele se faz».

Farpas que são repegadas por Varatojo: «Não posso dizer que tenha influências, porque tenho tão pouca experiência no instrumento que não consigo avaliar se a minha maneira de tocar tem mais a ver com este ou aquele. Gosto de ouvir alguns guitarristas, mas gosto de descobrir os meus próprios caminhos... Gosto das coisas simples e a guitarra portuguesa tocada de uma forma clássica é uma coisa muito rendilhada, muito barroca, muito promenorizada, e gosto de "passar isso a ferro" e fazer umas coisas um bocado mais cubistas. Já fazia isso com a guitarra eléctrica». Por sua vez, Marta, humilde, refere: «Gosto muito do Mário Pacheco, do Fontes Rocha, do Ricardo Rocha - que ao seu estilo é genial. E é mais a essas pessoas com quem me dou a quem eu me agarro. Tenho poucos CDs, é uma vergonha...».

O PRESENTE E O FUTURO

Neste momento, e entre outros projectos, Nuno Rebelo (na imagem, um dos esboços de uma «guitarra portuguesa mutante») está envolvido no grupo Mark Lewis & The Standards, mas As Guitarras Portuguesas Mutantes!!! continuam vivas, quanto mais não seja através da projecção de filmes originalmente feitos para o projecto a serem exibidos num festival em Atenas. Para além disso, diz Rebelo, «não está nada encerrado no capítulo As Guitarras Portuguesas Mutantes!!!; é bem possível que volte a acontecer. É preciso apenas chegar o momento certo e a ocasião ideal».

Ricardo Rocha está a trabalhar em originais para um novo álbum, embora ainda não saiba quando será editado: «Eu também acompanho o Carlos do Carmo, mas prefiro ficar sozinho a gravar, nem sequer é a tocar em público». E, diz, sente «uma solidão e uma tristeza muito grande» por ser dos poucos a compor para o instrumento: «E isso só se passa em Portugal. Portugal é único em tudo: na decadência, na miséria e na pobreza. Existir aqui um instrumento como este, único no mundo, e só haver um ou dois compositores que o encaram de uma forma solística e compor e fazer peças para o instrumento a solo. E mesmo noutras gerações, houve só o Pedro Caldeira Cabral e o Carlos Paredes e pouco mais. É caricato e absurdo».

Paulo Soares tem um álbum na forja: «Tenho um álbum gravado, mas não gostei da captação de som e vou gravá-lo outra vez. O disco tem a ver com toda a guitarra de Coimbra, desde o Gonçalo Paredes até aos dias de hoje, incluindo composições minhas». Para já, dedica-se a «recitais a solo, acompanhado por uma viola, com um reportório baseado na guitarra de Coimbra, e também com composições mais recentes, algumas minhas. E também tenho feito alguns espectáculos com a Orquestra de Câmara de Coimbra e com a Orquestra do Norte». O ano passado fez um espectáculo, no encerramento do Festival da Guitarra, integrado em Coimbra - Capital da Cultura, estreando um concerto para guitarra portuguesa e orquestra da autoria de Fernando Lapa.

Por estes dias, Luís Varatojo continua a apresentar ao vivo o projecto A Naifa - que partilha com João Aguardela, a cantora Mitó e o baterista Vasco Vaz - e os temas do álbum «Canções Subterrâneas», cujos originais «foram todos construídos, de base, por mim na guitarra portuguesa e pelo João no baixo eléctrico. As minhas partes de composição nasceram na guitarra portuguesa, e isso foi propositado porque acabei por descobrir ali uma série de coisas, inclusive fazer acordes que não estão correctos mas que me soam bem e que não soariam dessa maneira se tivesse composto noutro instrumento qualquer... A guitarra portuguesa é um instrumento acústico, mas eu electrifico-a e uso efeitos, tanto em estúdio como ao vivo... Mantenho algumas características acústicas - o timbre e a ressonância -, mas dando algum cunho eléctrico ao instrumento». E num próximo álbum do projecto, lá continuará a guitarra portuguesa, também, à sua maneira, mutante.

Marta Costa está no último ano de Engenharia Civil, no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, mas, depois de terminado o curso, promete dedicar-se mais à guitarra do que às engenharias: «Desde pequena que gosto imenso de música». E esta frase de Marta ilumina na perfeição tudo o que ficou para trás e as declarações dos outros todos.

19 dezembro, 2006

Prendas no Sapatinho 1 - Richard Thompson


O Natal é sempre uma boa desculpa para investir, por via directa ou indirecta, em objectos (livros, CDs, DVDs...) mais caros do que o habitual, seja através da magnífica invenção que é a auto-prenda («Quer que embrulhe?», «Não, não é preciso, é p'ra mim») quer através da pedinchice descarada aproveitando o flanco aberto do inimigo («Então netinho, o que é que queres que eu te dê este Natal? Meias?», «Não, não, deixe estar, pode ser só a caixa de cinco CDs do Sufjan Stevens»). A caixa de cinco CDs do Sufjan Stevens também entra nesta minha lista, mas para já, aqui fica o Sr. Richard Thompson...


RICHARD THOMPSON
«1000 Years of Popular Music»
Cooking Vinyl

O mote para esta aventura extraordinária de Richard Thompson foi, diz ele, um convite que a «Playboy» lhe lançou e a mais alguns artistas: «Escolha as dez melhores canções dos últimos mil anos». E, diz Thompson, pensou: «Hipócritas, eles querem é uma lista das melhores canções dos últimos vinte anos...». E vai daí, pimba!, pôs-se a pesquisar canções com centenas de anos, juntou-lhe algumas mais recentes e a lista da «Playboy» transformou-se num espectáculo e um destes espectáculos (em São Francisco, Estados Unidos) neste magnífico DVD, com dois CDs audio com o mesmo alinhamento acoplados. Aqui, Richard Thompson (se for necessário referi-lo: o cérebro por trás dos primeiros anos dos Fairport Convention e um dos maiores senhores da folk britânica dos últimos, oops!, mil anos), ocupa-se da guitarra acústica e da voz, acompanhado por Judith Owen (teclas e voz, e que voz!!!, em alguns dos temas que ela canta a solo) e Debra Dobkin (percussões e coros), e revisita canções sagradas e profanas medievais e renascentistas, madrigais e canções vitorianas, cantos de marinheiros e o music-hall britânico do início do séc. XX, passando por Inglaterra, Itália e Escócia. Depois atira-se à música para filmes de Hollywood, a Cole Porter e a Nat King Cole, ao rock'n'roll via Jerry Lee Lewis e à country via Buck Owens. E à pop - estão aqui os Kinks, os Squeeze, os australianos Easybeats e... Britney Spears, com uma divertidíssima versão de «Oops!... I Did It Again» (com uma parte - risos - que parece saída do bolso de um trovador medieval!). No encore há mais três docinhos: o standard «Cry Me a River», um tema de uns tais Bowling For Soup e uma delirante canção de piratas. O todo é uma maravilha completa que, para além do prazer que nos proporciona como excelentíssimo objecto de escuta que é, põe uma questão só relativamente palerma: quantas mais canções dos últimos mil anos será preciso redescobrir? (10/10)

18 dezembro, 2006

Sérgio Godinho - «Só Neste País» a Hino Nacional, Já!


Estou a imaginar um estádio inteiro a assobiar o início da canção, qual «A Ponte do Rio Kwai», antes de um jogo da selecção. Estou a imaginar as deputadas da Assembleia da República a fazer a ladaínha sussurrada dos coros femininos da canção durante uma cerimónia oficial qualquer. Estou a imaginar os recrutas dos quartéis a fazer continência enquanto se ouve «E agora a Rima!», e a rirem entre dentes. Estou a imaginar a Banda dos Bombeiros Voluntários do Entroncamento - se existir - a atacar o final da canção, majestoso com ânimo. Estou a imaginar um país inteiro, o nosso, a cantar «Só Neste País», a canção que fecha o novo álbum de Sérgio Godinho e que é o mais perfeito retrato do nosso país em muitos anos. Merecia ser, desde já!, o nosso novo hino nacional (ver letra aqui em baixo, sff).

De resto - e isto não é uma crítica convencional ao disco - refira-se que não, «Ligação Directa» não é o melhor álbum de sempre de Sérgio Godinho - não podia!!! -, mas é muitíssimo bom... Nele há baladas puro-SG, um reggae arraçado à Police, uma marcha-ska-carrossel, um fake-country-chula (chula?), um tema («O Velho Samurai») cuja música parece saída de um misto de «banda-sonora» de Hollywood/anos 40 e Yann Tiersen, rock'n'roll de feira e circo (nos fabulosos «O Rei do Zum-Zum» e «No Circo Monteiro Nunca Chove», com mais dois grandes poemas, entre muitos, tantos outros, neste e noutros álbuns...), dois bons temas com músicas de Nuno Rafael e Hélder Gonçalves, e «Só Neste País» que, repete-se, é o Hino que todos nós merecíamos (para o bem e para o mal).

«SÓ NESTE PAÍS»
SÉRGIO GODINHO

Unamo-nos
Nós somos os famosos anónimos
Mesmo assim já cumprimos os mínimos
Somos todos únicos
Que mais vão querer de nós
Para provar quem vai à frente
Ou fica atrás

Se é por
Ir estabelecer um novo record
Compremos o Guinness
Ao preço que for
E fica o assunto homologado
E sai espumantes
Às vezes dá p'ra um banquete
Ou dele as sandes

Sempre
Complicamos a coisa mais simples
E simplificamos a complicada
Sai em rajada
O tiro pela culatra
Às vezes mata
Às vezes ressurreição
Foi de raspão

(Só neste país...)

Só neste país
É que se diz:
Só neste país
Só neste país
Só neste país
Só neste país
Só neste país

São muitos séculos em morna ebulição
A transitar entre o granizo e a combustão
E um qualquer hino
P'ra qualquer situação
A pessimista, a optimista...
E vai abaixo e vai acima
E vai abaixo, e vai acima
(e agora a rima):

Portugal é nosso p'ro bem e p'ro mal

E o mal que está bem
E o bem que está mal
E o bem que está bem

Juro
P'lo fado
P'lo baile e p'lo kuduro
Que este país 'inda tem futuro
É verde e maduro
Como a fruta, às vezes brota
Às vezes, consternação
Secou no chão

Por isso unamo-nos
Nós somos os famosos anónimos
Mesmo assim já cumprimos os mínimos
Somos todos únicos
Que mais vão querer de nós
Para provar
Quem vai à frente
Ou fica atrás...

(Só neste país...)

Só neste país
É que se diz:
Só neste país
Só neste país
Só neste país
Só neste país
Só neste país

(...)

15 dezembro, 2006

Dossier Guitarra Portuguesa - 1º Fascículo


Um dos trabalhos que mais prazer me deu fazer durante os meus muitos anos de BLITZ foi este dossier sobre a Guitarra Portuguesa, em finais de 2004. Ao longo destas semanas, e espaçadamente (para não cansar e porque há outras coisas para falar), aqui vão ficar entrevistas com guitarristas da nova geração e um construtor de guitarras que com ele transporta o saber de gerações, uma possível História da Guitarra Portuguesa, uma discografia básica, etc... Fiz este trabalho com muito amor. Leiam-no também assim, por favor.


GUITARRA PORTUGUESA
A INCLINADA GERAÇÃO

Ricardo Rocha. Paulo Soares. Marta Costa. Luís Varatojo (na foto - de Mário Pires, da Retorta). Nuno Rebelo. Cada um à sua maneira, todos eles se apaixonaram pela guitarra portuguesa. São uma nova geração de músicos que, pegando na tradição, dela se aproximam ou afastam consoante os gostos e personalidades e intenções próprias. O BLITZ falou com eles.

O que leva as pessoas a interessar-se por um instrumento difícil de tocar e raramente procurado pelos mais novos, mais interessados em guitarras eléctricas ou baterias, djembés ou «laptops»?... Cada caso é um caso, mas a verdade é que, como refere Paulo Soares, intérprete de guitarra de Coimbra, compositor, professor de guitarra portuguesa e autor de um manual («Método de Guitarra Portuguesa») dedicado ao ensino do instrumento, «o interesse na guitarra portuguesa está a crescer bastante entre os jovens. E o que é curioso é que em Coimbra quase ninguém se interessa pela guitarra de Lisboa, mas em Lisboa há muita gente interessada na guitarra de Coimbra, nomeadamente no Museu do Fado, onde na escola, 50 por cento dos pedidos de aprendizagem têm a ver com a música de Carlos Paredes, ou seja, com a guitarra de Coimbra. Mas há aprendizes dos dois géneros em todo o país». Paulo começou a tocar guitarra portuguesa na Tuna Académica da Universidade de Coimbra, em 1983, quando tinha 16 anos, e porque havia um grupo de fados: «Aprendi essencialmente como autodidacta, apesar de ter procurado mestres. Desses mestres, os mais importantes foram Jorge Gomes - pela forma como me apresentou a guitarra e me motivou - e Octávio Sérgio, que foi o último guitarrista a acompanhar o José Afonso. Mas também estudei e tenho estudado, através da audição e da observação dos mais diversos guitarristas, toda a obra da guitarra de Coimbra, apesar de não enjeitar estudar outras obras, mormente a de Pedro Caldeira Cabral e a guitarra de Lisboa. Mas o meu maior interesse é mesmo a guitarra de Coimbra, onde incluo a obra dos Paredes todos - Gonçalo, Artur e Carlos».

Dos outros, todos oriundos de Lisboa, Ricardo Rocha - um dos pouquíssimos novos intérpretes de guitarra portuguesa a fazer recitais a solo baseados nas suas próprias composições; autor do álbum «Voluptuária» -, chega à guitarra por influência familiar, tendo aprendido com o avô, Fontes Rocha: «Não aprendi numa escola, porque não havia essa escola. Nos conservatórios havia e há disciplinas de guitarra clássica e violoncelo, por exemplo, mas não de guitarra portuguesa. Uma pessoa para aprender tem que ter um interesse natural. É um tipo de aprendizagem que muitas vezes acontece de geração em geração». Marta Costa (um raríssimo exemplo de intérprete de guitarra portuguesa no feminino, que costuma tocar em espectáculos de Mário Pacheco e no Clube do Fado, onde acompanha fadistas como Joana Amendoeira, Ana Sofia Varela, Rodrigo Costa Félix, José da Câmara, Maria da Nazaré ou Alcindo Carvalho) também começa a tocar por influência familiar, se bem que aqui indirecta: «De inicio não gostava de fado nem conhecia a guitarra portuguesa. Desde os cinco anos que toco piano, mas o meu pai, que adora fado, convenceu-me a tocar guitarra portuguesa. Comecei a aprender com o Carlos Gonçalves, que foi guitarrista da Amália, há cinco anos, e comecei a descobrir o instrumento e a entusiasmar-me. Depois mostrei a minha evolução ao guitarrista Mário Pacheco, do Clube do Fado, e ele achou piada - nos últimos anos tenho estudado com ele».

QUANDO O ROCK
E A MÚSICA IMPROVISADA VÃO À GUITARRA PORTUGUESA

Com uma abordagem diferente da guitarra, menos purista e mais longe da tradição, estão dois nomes saídos do rock - Luís Varatojo (ex-Peste & Sida e Despe e Siga; que agora toca guitarra portuguesa n'A Naifa) e Nuno Rebelo (que foi dos Street Kids e dos Mler Ife Dada antes de enveredar pela nova música improvisada e por uma aventura chamada As Guitarras Portuguesas Mutantes!!!). Varatojo começou a tocar guitarra portuguesa «há dois anos e pouco. E por dois motivos: um, a curiosidade, e outro, eu e o João (Aguardela) andávamos a discutir umas ideias em relação à Naifa e pareceu-me apropriado pegar na guitarra portuguesa para desenvolver este projecto», sendo essencialmente autodidacta: «Fiz uma tentativa de aprender com um mestre, conforme o método clássico, mas as aulas eram demasiado caras. E optei por averiguar e apanhar por aí alguns manuais, que são raros. O Museu do Fado e da Guitarra Portuguesa disponibilizou-me fotocópias de um manual dos anos 50...». Mas a escola do rock e da pop ainda está lá: «A minha forma de tocar guitarra acaba por ser um misto da técnica mais clássica - porque faço os acordes e as posições dos dedos de acordo com essa linha - e o trabalho que tinha feito para trás com a guitarra eléctrica. Mas ainda tenho muito a desbravar...».

Ainda mais longe do convencional está Nuno Rebelo, que se meteu na aventura de transformar o próprio instrumento: «A exploração que eu andava a levar a cabo (e que continuo a desenvolver) na guitarra eléctrica integra-se, à escala internacional, num universo constituído por imensos guitarristas, cada qual com a sua linguagem e abordagem, ou seja, somos todos um entre muitos. Quis aplicar essa abordagem do instrumento à guitarra portuguesa, com a certeza de que seria um dos poucos senão o único a transfigurar este instrumento. Mas também confesso que me moveu o facto de estar a subverter um ícone da nação com uma carga de memória ligada ao passado, à tradição, à saudade. Quis pôr a guitarra portuguesa a olhar para o futuro». Nuno Rebelo chamou à sua aventura As Guitarras Portuguesas Mutantes!!!: «Fiz as primeiras experiências e os primeiros concertos, a solo, em 1993 [ver CD "Way Out, New Music from Portugal – Vol 1", editado pela Ananana; o tema "Pink Pong" foi gravado num concerto solo de guitarra portuguesa mutante em 93]. O projecto As Guitarras Portuguesas Mutantes!!! aparece mais tarde, em 1998», no âmbito da Expo'98.

Questionado sobre a reacção de outros guitarristas às suas «invenções», Rebelo diz: «Os dois guitarristas que trabalharam comigo neste projecto foram o Júlio Pereira e o Ricardo Rocha. Ambos se dedicaram ao projecto com ânimo e abertura de espírito e penso que terá sido uma boa experiência para eles. O papel que lhes coube foi o de fazer a ponte entre a linguagem e técnicas da guitarra portuguesa tradicional e a "nova música" que eu pretendia fazer, ou seja, tocando em harmonias pouco usuais no repertório deste instrumento. Neste aspecto o cunho pessoal do Ricardo Rocha foi uma grande contribuição. Quanto ao Júlio Pereira, não sendo um especialista da guitarra portuguesa mas antes de outros cordofones nacionais, teve um papel mais discreto, mas igualmente importante, de contraponto à guitarra do Ricardo Rocha». Os restantes músicos do projecto «eram todos bateristas, os Tim Tim Por Tim Tum – Marco Franco, José Salgueiro, Alexandre Frazão e Acácio Salero. Cada um dispunha de duas guitarras portuguesas mutantes, colocadas na horizontal. Estas eram tocadas simultaneamente com baquetas, arcos de violino ou simplesmente com as mãos, numa abordagem percussionística».

14 dezembro, 2006

Cromos Raízes e Antenas VII



Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo VII.1 - Manu Chao


Cantor, músico, produtor, o francês Manu Chao é um dos «padrinhos» mais importantes da chamada world music, não apenas pelo seu trabalho em nome próprio, mas também através de grupos e artistas que produziu, como Amadou & Mariam ou Akli D., ou que apadrinhou, como os Ojos de Brujo. Nascido em Paris, a 21 de Junho de 1961, Jose-Manuel Thomas Arthur Chao, filho de mãe basca e pai galego, passou por vários grupos rock, chegando à fama internacional como vocalista dos Mano Negra (aos quais pertenceu entre 1987 e 1994). Depois da separação do grupo viajou pela América do Sul e por África, onde bebeu muita da inspiração para os seus trabalhos a solo, como o seminal «Clandestino» e os mais recentes «Proxima Estacion Esperanza», «Radio Bemba Sound System» (ao vivo), o livro-CD «Sibérie m'était contée» e «La Radiolina». O seu envolvimento em causas sociais e políticas (os «sem-papéis», imigrantes clandestinos na Europa, têm nele um dos seus principais defensores) contribuiu, juntamente com a sua música, para um culto alargado em todo o mundo.


Cromo VII.2 - Ewan MacColl


O cantor inglês de ascendência escocesa Ewan MacColl (aqui em foto com a sua companheira Peggy Seeger) nasceu a 25 de Janeiro de 1915 e morreu a 22 de Outubro de 1989. De seu verdadeiro nome James Miller, Ewan tornou-se primeiramente conhecido pelo seu trabalho como actor e como activista político, antes de se tornar um dos mais importantes cantores e compositores da folk britânica do séc. XX. Com uma carreira envolta em variadíssimos problemas - perseguido pelo MI5 (a polícia secreta inglesa; com canções proibidas na BBC; desertor do exército britânico; censurado publicamente por ter abandonado a mulher para se ligar à cantora e guitarrista norte-americana Peggy Seeger (irmã dos cantores de protesto Pete e Mike Seeger), muitos anos mais nova, que com ele gravaria muitas vezes -, isso não o impediu de com a sua voz iluminar canções fabulosas como «The Manchester Rambler», «The First Time Ever I Saw Your Face» ou... «Dirty Old Town», que décadas depois ficaria mundialmente conhecida através de uma brilhante versão assinada pelos Pogues.


Cromo VII.3 - Rokia Traoré


A cantora maliana Rokia Traoré (nascida a 24 de Janeiro de 1974) é um dos maiores ícones da música da África Ocidental e de como essa música está também aberta a outras influências. Rokia, que pertence à etnia bambara, viajou com o pai, diplomata, por vários países antes de voltar ao Mali, onde foi apadrinhada por Ali Farka Touré. E o facto de Rokia também tocar guitarra, para além de cantar, não será estranho a essa ligação. O seu primeiro álbum, «Mouneissa», foi lançado em 1999, e nele estabeleceu desde logo uma sonoridade bastante própria onde cruzava elementos de música de várias etnias malianas e géneros norte-americanos. Seguiram-se «Wanita» (2000), «Bowmboi» (2003), em que tinha como músicos convidados... o Kronos Quartet, e «Tchamantché» (2008). O reconhecimento do seu talento como cantora e compositora teve, talvez, a sua expressão máxima quando foi convidada para participar nas comemorações do 250º aniversário do nascimento de Mozart, em Viena, num espectáculo conjunto com o Klangforum Wien.

Cromo VII.4 - Tablas


As tablas são o instrumento de percussão mais importante da música indiana (principalmente do norte da Índia) e paquistanesa, sendo bastante importantes tanto na música popular como na música clássica. Riquíssimas em timbres e em soluções rítmicas, as tablas são também - de acordo com vários percussionistas ocidentais - um dos instrumentos de percussão de mais difícil aprendizagem. Os dois «tambores» que constituem as tablas descendem de instrumentos mais antigos - mrdangm e puskara -, conhecendo-se registos escritos acerca das tablas «modernas» desde o séc. XVIII. Desde os anos 60 do séc. XX, as tablas começaram também a ser ouvidas na música ocidental, nomeadamente em discos dos Beatles, Miles Davis ou Bill Laswell. Alguns dos mais importantes intérpretes de tablas são Samir Chatterjee, Trilok Gurtu, Zakir Hussain, Pandit Shankar Gosh e Ustad Haji Shamshuddin Khan, que se apresentam a solo ou acompanhando formações de música indiana/paquistanesa e grupos ocidentais de jazz, rock ou música erudita.