14 novembro, 2006

Mari Boine, Frigg, Suden Aika e Gjallarhorn - Auroras Boreais


A música folk escandinava assiste, desde há muitos anos, a uma constante renovação e reinvenção, sempre feita a partir das raízes mais profundas das suas músicas tradicionais mas sempre, também, com os olhos postos no futuro. Hedningarna, Garmarna, Vasen, Varttina e Kimmo Pohjonen são apenas alguns exemplos dessa revolução. Outros quatro nomes fundamentais - a veterana Mari Boine, os Gjallarhorn (na foto), as Suden Aika e os mais novinhos Frigg, todos com álbuns recentes - contribuem bastante para esta belíssima e eterna aurora boreal.


MARI BOINE
«IDJAGIEDAS»
Lean/Universal Music Norway

A cantora e compositora norueguesa Mari Boine é a maior embaixadora da música do povo sami, da Lapónia, levando a todo o mundo este canto ancestral, o yoik, por vezes próximo do dos índios norte-americanos e dos esquimós, e sempre, sempre, extremamente belo. Dada a conhecer noutros países da Europa e nos Estados Unidos pelo álbum «Gula Gula» (1989), editado pela Real World, a música de Mari Boine tem-se afastado, em termos de arranjos, da tradição pura e dura, nunca temendo incluir na sua música elementos do jazz, do rock ou das electrónicas. No seu novo álbum, «Idjagiedas», o seu canto parece voltar a um estado de pureza inicial (as canções foram escritas na sua maioria por Rauni Magga Lukkari e Karen Anne Buljoe, duas importantes poetisas bastante empenhadas - tal como Mari Boine - nos direitos do povo sami), mas a sua envolvência está aberta a muitas outras formas musicais: andam por aqui electrónicas mas nunca em demasia e, entre outros instrumentos, uma guitarra eléctrica nas mãos do mago do jazz Terje Rypdal, koras, darabukas e kissanges vindos de África, um cavaquinho (!) e duas vozes femininas adicionais a contribuir decisivamente para o efeito final (estas duas principalmente no estranho e lindíssimo tema bleep-hop-experimental «Uldda Nieida»). Mas todo o álbum está, sempre, num nível altíssimo. (9/10)


FRIGG
«KEIDAS»
North Side Records

Grupo instrumental em que se juntam músicos noruegueses e finlandeses, os Frigg mostram ao segundo álbum uma maturidade e um bom-gosto raramente atingíveis. Com três (por vezes quatro) violinos incendiários, o septeto parte da música tradicional da Kaustinen (na Finlândia) e Nord-Trondelag (Noruega) para se atirar a polskas, valsas e outras danças tradicionais, adicionando-lhes pitadas de jazz, country, música do Québec e folk de inspiração «céltica», com a ajuda dos violinos e de outros instrumentos como bandolim, contrabaixo, bouzouki, nickelharpa, viola d'arco, saltério, guitarra, órgão de igreja, algumas percussões e uma gaita-de-foles no último tema. Sempre com uma alegria, um saber e um sentido de divertimento enormes (a que também não falta bastante sentido de humor: o tema-título «Keidas», que significa «oásis», tem como comentário «don't look back in Tanger», trocadilho com o famoso tema dos... Oasis). E sempre, também, com um apuramento técnico ao alcance de pouquíssimos músicos - a conferir, por exemplo, na velocidade estonteante de «Fantomen» ou «Solberg» -, fruto dos seus estudos na respeitadíssima Academia Sibelius e junto de Mauno Jarvela, dos JPP, pai de dois dos membros dos Frigg. (8/10)


GJALLARHORN
«RIMFAXE»
Vindauga Music/Westpark Music

Finlandeses - mas com as canções a serem interpretadas em sueco -, os Gjallarhorn são, cada vez mais, o projecto pessoalíssimo da fabulosa cantora (e flautista) Jenny Wilhelms. Neste quarto álbum, «Rimfaxe», quase todos os músicos, à excepção, claro, de Jenny, têm pouco tempo de grupo - até Tommy Mansikka-Aho, que com o seu didgeridoo dava os drones mágicos de muita da música dos Gjallarhorn, foi recentemente substituído por Goran Manssonjoined num estranho, mas por vezes com um efeito próximo do didgeridoo, «sub contrabass recorder». Mas isso não impede que a música dos Gjallarhorn - quarteto que é completado por Adrian Jones (violino e bandola) e Petter Berndalen (percussões) - continue a ser uma maravilha onde vale quase tudo e tudo é bem-vindo. Da pop do tema-título às recriações da música tradicional sueca (ou nascida na região da Finlândia em que o sueco é a língua dominante) à maneira dos Hedningarna (como no segundo tema, «Kokkovirsi»), de uma folk que evoca Sandy Denny e os Fairport Convention em «Systrarna» ao rock progressivo de «Blacken», do encantamento hipnótico de «Hymn» à beleza pura de ««Norafjelds», do estranhíssimo mas vibrante «aboio» de «iVall» à música irlandesa em «Graning» (cantada por Jenny em gaélico)... Muitos dos temas do álbum vêm directamente da Idade Média mas, através dos Gjallarhorn, já estão num futuro qualquer. (9/10)


SUDEN AIKA
«UNTA»
Zen Master/Rockadillo Records

Ouvir «Unta», das Suden Aika, é ouvir um rio que corre e salta sem parar, quatro sereias a tirar férias das coisas más que as sereias fazem usualmente, o som de mil pássaros escondidos numa floresta cerrada estranhamente cheia de sol, o reflexo de raios estelares a baterem num vitral com imagens rendilhadas de cavaleiros heróicos, sangrentos e galãs, runas decifradas em canto gregoriano... As finlandesas Suden Aika são quatro cantoras - Tellu Turkka (ela que já foi Tellu Virkkala, quando cantava nos suecos Hedningarna; também em moraharpa, sanfona, saltério, oud e percussões), Liisa Matveinen (que substituiu Tellu nos Hedningarna e que com ela - depois do regresso de Tellu ao grupo sueco - protagonizou duelos vocais inesquecíveis; também em saltério), Nora Vaura (também em flauta) e Katariina Airas. «Unta» é o terceiro álbum das Suden Aika, grupo que se formou a partir do álbum a solo com o mesmo nome que Tellu protagonizou depois da sua saída (e antes do seu regresso, depois seguido por nova saída...) dos Hedningarna, álbum em que Liisa Matveinen já colaborava e que marcou o início de uma profícua colaboração entre as duas: os «duelos» nos Hedningarna e a composição repartida pelas duas dos temas das Suden Aika. E «Unta», apesar de ter alguns momentos fracos, é na sua maior parte de uma beleza única, frágil e incisiva. (7/10)

6 comentários:

ANNA-LYS disse...

Hello Antonio,

Impressive work!!!
I like Hedningarna very much, indeed. Wherever they hide right now, never know about Vikings. Here in your article are even same Scandinavian groups I haven't listen too, yet. Fantastic ... I a Swedish giiiiirl have to learn about Scandinavian music threw a Portuguese. :-D

*hugs*

António Pires disse...

Hello Anna-Lys!

Hedningarna is one of my Top 5 bands ever!!! I know that they are resting (?) from years and years of work (now, one of them have an amazing music project with a boy from Garmarna, a project called Hurdy-Gurdy...) but don't worry about your knowledge inside scandinavian folk music... Scandinavia it's a complete world and a world apart... It's absolutely impossible to know everything about it... Today, I heard a compilation of swedish folk acts like Sofia Karlsson, Zara Tellander, Kraja, Petersson & Fredriksson, Ola Backstrom, Anders Svensson, Svart Kaffe, Svanevit, Swap, Hemallt, Manantial, Lelo and many others... Never heard about them!!! I only knew, in this CD, the amazing and «old» Vasen... So, I'm almost a virgin on it... But I'll try to know more and more............

*Hugs*

Anónimo disse...

eh eh eh... LELO nunca um nome foi tão bem aplicado a um músico cigano. O gajo parece um acordeonista saído de clejani. Super rápido, selvagem e pleno de intensidade.

António Pires disse...

Olá Anónimo (Ygg????)!

Sim, boa piada! O Lelo Nika é um acordeonista fabuloso. Andei a investigar na net e «descobri» que ele é sérvio mas aprendeu muito com ciganos romenos que vivem em Nikolinci, perto de Belgrado. Agora vive entre a Dinamarca e a Suécia...

Abraços

Anónimo disse...

Olá António,

é o Ygg, é.

Nada melhor do que um músico emigrar para a esses países para ser promovido pelos governos desses países. Não me admirava nada se um músico como o Hélder Moutinho (ou outro qualquer português) emigrasse para a Dinamarca, aparecesse depois em colectâneas do tipo World Music from Denmark.

António Pires disse...

Olá Ygg!

E a etiqueta não enganaria lá muito (traduzindo livremente: «música feita na Dinamarca por pessoas de vários países do mundo»...). E sempre é melhor ser promovido num país distante e com meios do que não ser promovido de todo no seu próprio país. Ando a ler um livro curioso sobre as origens da etnomusicologia e nele fala-se bastante de quem tem o «poder», no sentido de muitas recolhas que são feitas em países pobres por etnomusicólogos de países ricos, que não têm a «arte» mas têm os meios para recolher - e anos depois - gravar, editar, difundir essa «arte» exterior. O que levanta também outras questões...

Grande abraço