06 novembro, 2006
Música Tradicional Portuguesa - Os Veteranos, A Certeza e A Revelação
Três álbuns lançados por estes dias levam mais longe a música de raiz tradicional portuguesa ou nela profundamente inspirada. Assinam-nos os veteranos - mas longe de estarem acomodados - da Brigada Victor Jara, os cada vez melhores Dazkarieh e uma nova e inesperada revelação: a cantora Claud (na foto).
BRIGADA VICTOR JARA
«CEIA LOUCA»
Polydor/Universal Music Portugal
Demorou a chegar mas agora que chegou, chegou muito bem! «Ceia Louca» é um grande, enorme álbum, que trata os temas tradicionais com um amor raro e apaixonado. Longe dos cortes radicais dos Gaiteiros de Lisboa mas também muito longe da «cópia» da tradição pura e simples (não se ouvem pianos ou secções de metais nas recolhas destes temas...), a Brigada Victor Jara atingiu neste álbum um ponto de equilíbrio feito de elegância e muito saber acumulado, que lhes permite adaptar uma chamarrita açoriana a uns blues fumarentos na voz de Jorge Palma; convencer Manuela Azevedo, dos Clã, a cantar - e muito bem cantar - em mirandês; pôr gaitas-de-foles de sabor galego noutra canção açoriana; assinar uma versão maravilhosa, épica, da «Cantiga Bailada», com as vozes de Catarina Moura e das suas companheiras das Segue-me À Capela a voar lá em cima (Catarina Moura que também protagoniza uma versão arrepiante da canção sefardita «Durme»). Sempre com uma coerência enorme, o álbum é quase sempre feito de pontos altos em que se incluem ainda um lindíssimo dueto de piano e voz (Cristina Branco), em «Embalo»; o divertidíssimo «A Vida do Caracol» protagonizado por Carlos Medeiros; a ligação marítima do Algarve a Marrocos em «Romance de Dona Mariana» (com Janita Salomé como barco-voz de ida-e-volta); a folia do original «Arruada»; ou a excelente surpresa que é ouvir Carlos do Carmo a cantar o tradicional transmontano «Rosinha». (9/10)
DAZKARIEH
«INCÓGNITA ALQUIMIA»
HeptaTrad
Sem a veterania da Brigada Victor Jara, mas com bastante sangue-na-guelra e a convicção de quem sabe muitíssimo bem o que está a fazer, os Dazkarieh assinam em «Incógnita Alquimia» o seu melhor álbum da sua curta mas já bastante frutuosa carreira. Com uma formação reduzida, compacta, de power-trio - Vasco Ribeiro Casais, Luís Peixoto e Baltazar Molina - a que se soma agora a voz de Joana Negrão (o único «lado» ainda a precisar de umas limadelas, talvez devido ao seu pouquíssimo tempo no grupo aquando das gravações), os Dazkarieh pegam em tradicionais como «Senhora da Azenha», «Meninas Vamos à Murta» ou «Vitorina» e atiram-nas contra uma parede de som feita de nickelharpas, bandolins e bouzoukis electrificados e por vezes em distorção, gaitas planantes e mais perto da tradição - como em «Cantaria» ou na fabulosa «A Boca do Lobo» - ou completamente enlouquecidas, percussões (com sabor a norte de África muitas vezes) tocadas sempre com um rigor e uma inventividade notáveis. A acrescer às versões estão também bastantes originais dos membros do grupo, instrumentais ou cantados (com letras de Joana Negrão e Tiago Torres da Silva), que devem bastante à tradição portuguesa, sim, mas também à música de inspiração «céltica» (um tema chamado «Jig From Hell» denuncia, digamos assim, esse amor), à música neo-medieval (!) à Dead Can Dance, aos ensinamentos de uns Hedningarna ou uns Garmarna e à música árabe. Grande álbum! (9/10)
CLAUD
«CONTRADIÇÕES»
Som Livre
E agora, uma boa surpresa: o álbum «ConTradições», da cantora Claud. E diga-se desde já que «ConTradições» não é um álbum brilhante ou, sequer, muito bom. Mas tem lá dentro uma grande vontade de fazer e reinventar e ideias suficientes para se perceber à distância que muito brevemente dali poderão vir muitas e melhores criações. A base teórica do álbum é simples: juntar música de inspiração tradicional com música electrónica, servindo a mistura de base à voz, à excelente voz, de Claud. Como acólitos, a cantora tem Paulo Cavaco (teclas, programações, produção), o veterano Paulo de Carvalho (produção e a autoria de muitos dos temas interpretados) e músicos como Amadeu Magalhães (dos Realejo, em braguesa, cavaquinho e gaita-de-foles) ou Rui Curto (acordeão), estes dois a fazerem a necessária «ligação à terra». E o resultado é por vezes bastante interessante, com ecos de música tradicional - há ali uma sombra muitas vezes presente de José Afonso (e não só na belíssima versão ambient-house, com tablas e sitar indianas, da sua «Canção da Paciência») - a fazerem-se sentir entre as programações trip-hop ou drum'n'bass suavezinho e uma vontade de arriscar outras latitudes, como a introdução de rap n'«O Cacilheiro», a bem conseguida reactualização do fado em «Minha Senhora de Mim» ou o divertimento puro que é «Rockinho Mandado» (que faz a ponte entre um corridinho algarvio, o rock e o rap). (6/10)
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1 comentário:
A todos eles, água da mesma fonte, o meu obrigado por existirem.
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