24 novembro, 2006

Rachel Hair, Joanna Newsom, Corrina Hewat & Kathryn Tickell - Três Harpistas (& Uma Gaiteira)


Três álbuns recentes - da harpista Rachel Hair (na foto), da cantora e harpista Joanna Newsom (num álbum cheio de convidados ilustres) e do duo de Corrina Hewat (harpa e voz) e da maravilhosa Kathryn Tickell (gaita-de-foles e violino) - mostram que a harpa é sempre um melhor instrumento quando está nas mãos das mulheres (que nos perdoe o saudoso Derek Bell!). Já sobre a gaita não me pronuncio: podia soar a trocadilho ordinário.


KATHRYN TICKELL & CORRINA HEWAT
«THE SKY DIDN'T FALL»
Park Records

«The Sky Didn't Fall», álbum de colaboração íntima entre a extraordinária gaiteira Kathryn Tickell (mestra nas gaitas-de-foles da Nortúmbria, mais semelhantes em sonoridade às uilleann pipes irlandesas do que às gaitas-de-foles escocesas, e também uma exímia violinista) e a harpista e cantora escocesa Corrina Hewat, é um álbum lindíssimo em que as duas intérpretes recuperam canções tradicionais da Nortúmbria e da Escócia, algumas com centenas de anos, e as trazem para a luz em duetos brilhantes - harpa e gaita, harpa e violino, por vezes voz e violino, por vezes a duas vozes (neste disco até Kathryn canta, coisa raríssima...). E o resultado da junção dos instrumentos - e das vozes com os instrumentos - é sempre de uma simplicidade, de uma luminosidade e de uma beleza que, atrevo-me a dizer, só poderia sair do trabalho de duas mulheres. Neste álbum, os temas - seja o único original, dividido em duas partes, a abrir e a fechar o álbum, sejam jigs, baladas ou velhas canções de intervenção escocesas - parecem finos bordados de linho branco, aguarelas aquosas em que se vislumbram lagos enevoados e belas montanhas ao fundo, a emulação de cantos de pássaros pequeninos e brincalhões, canções de roda infantis com um lenço a rodar de mão em mão. Há poucos discos assim. (9/10)


RACHEL HAIR
«HUBCAPS & POTHOLES»
Marsh Hair Records

Em «Hubcaps & Potholes», então, a harpa é rainha e senhora. Só muito de vez em quando se ouvem outros instrumentos - um piano em três temas, uma flauta noutro - mas também não fazem grande falta: a escocesa Rachel Hair é uma harpista, se não extraordinária pelo menos competentíssima, e teve o dom de escolher um reportório riquíssimo e, todo ouvido de seguida, bastante coerente - na sua maior parte temas tradicionais escoceses e irlandeses, muitas vezes mais habituais de se ouvir em gaitas-de-foles ou violinos do que propriamente em harpa, alguns originais e uma versão de «Cancro Crú» (composto por Anxo Pintos, dos galegos Berroguetto, embora no livreto do álbum de Rachel sejam apresentados como asturianos...). E neste álbum de estreia de Rachel Hair, a harpa (a clarsach, harpa tradicional da Irlanda e das terras altas escocesas) é um fio de água fresca em movimento permanente, saltitando de pedra em pedra, beijando cada erva que encontra pelo caminho, deixando-se enredar nos jigs e nos reels em que ouvimos as mãos a dançar. Nos temas em colaboração, o pianista Douglas Millar mostra-se discreto, deixando Rachel brilhar, mas no tema com o flautista Peter Webster o duelo é muito mais equilibrado. (8/10)


JOANNA NEWSOM
«YS»
Drag City Records

Nos antípodas do despojamento e nudez do álbum de Rachel Hair e num espectro musical completamente diferente do de Rachel ou do de Kathryn e Corrina, o novo álbum de Joanna Newsom - nome em crescimento nos meandros da neo-folk (freak-folk, anti-folk, alt-folk...) norte-americana, ao lado de Devendra Banhart, dos Vetiver ou do projecto Six Organs of Admittance - é uma maravilha completa! Para começar, Joanna está a cantar muito melhor do que no álbum que lhe deu visibilidade («The Milk-Eyed Mender», de 2004) - numa voz que está entre Bjork, Kate Bush, Rosie Thomas e uma adolescente chata e birrenta -, está uma harpista mais incisiva umas vezes e mais recatada outras, uma letrista assombrosa e, a somar a isto tudo, neste álbum é rodeada por uma equipa de luxo absoluto: Van Dyke Parks na produção e nos arranjos de orquestra; Steve Albini na gravação - que é sempre muito mais do que isso... - de voz e harpa (está aqui a frase lendária «recorded by...» de velhos álbuns dos Nirvana e Sonic Youth); Jim O'Rourke nas misturas. E o resultado é um álbum fabuloso, com a voz e harpa de Joanna - mais a orquestra, um acordeão e vozes de apoio - a navegarem numa mistura única de indie-rock, música erudita, folk de proveniência diversa (americana sim, mas também britânica), baladas infantis de moral duvidosa, bandas-sonoras para filmes fantásticos, canções de amor desesperadas... Alguns dos temas, cinco ao todo, são enormes (um deles dura doze minutos, outro dezassete) e, apesar de hiper-orquestrado e de a voz de Newsom quase nunca nos dar espaço para descansar, o álbum ouve-se de ponta a ponta com um prazer imenso e inesperado. (10/10)

2 comentários:

inominável disse...

Allô António, belas dicas. Tenho de arranjar pelo menos dois desses discos, o da joanna- que ouvi uma faixa e fiquei maravilhado - e o da RACHEL HAIR - por causa da interpretação de temas tradicionais escoceses e irlandeses.
abraço.

António Pires disse...

Olá Dário!

O da Joanna Newsom é mesmo muito, muito bom! Gosto muito mais deste do que de alguma coisa que ela tenha feito antes (a voz dela irritava-me um bocadinho...). O da Rachel Hair é para ouvir bem aconchegado ;-)... E olha que o da Kathryn Tickell e da Corrina Hewat também é muito bom...

Grande abraço