17 maio, 2007

Blasted Mechanism, Terrakota, Tora Tora Big Band - Fusão, Fusão (Sem Confusão)



Uns vão mais ao rock e às electrónicas, outros mais ao reggae, outros mais ao jazz, mas estes três grupos portugueses (ou de músicos de variadíssimas nacionalidades radicados em Portugal) têm sempre muitas outras músicas deste mundo como elementos fundamentais da sua música, nela integrados com propriedade e saber. E, diga-se, também por isso são dos melhores grupos musicais que existem no nosso país. Para conferir em disco e, ainda mais, nos fabulosos concertos que todos eles - os Blasted Mechanism, os Terrakota (na foto) e a Tora Tora Big Band - dão.


BLASTED MECHANISM
«SOUND IN LIGHT»
Toolateman/Universal Music Portugal

Já não é novidade para ninguém que os Blasted Mechanism são uma das mais amadas e acarinhadas bandas, digamos, rock, em Portugal, donos de um culto e de uma paixão que arrasta atrás de si dezenas de fãs por todo o lado. A sua história, já com cerca de quinze anos, é feita de uma música híbrida, excitante, verdadeira (e verdadeira mesmo quando se possa pensar em eventuais «artifícios» como os fatos ou as encenações), que já os levou a milhentos caminhos musicais, do rock ao trance ou à música balcânica; de uma mensagem que faz, sempre, as pessoas pensar (por muitos mistérios e esoterismos que contenha); de uma ideia global de música, imagem, palavra e ideologia. Uma arte global. E «Sound in Light», o novo álbum, é mais um capítulo daquela que, esperamos, seja a «never ending story» dos Blasted. Neste álbum - e falando apenas do CD «oficial», não do segundo que é possível descarregar da net -, os BM apuram, com subtileza e «savoir faire», vários caminhos já trilhados e avançam por alguns outros, fundindo coerentemente rock tribal e charangas balcânicas, banghra e punk, glam e guitarra portuguesa, som mestiço e rock progressivo, transes hipnóticos, dub, psicadelismo, shoegazing e variadíssimos delírios globais. E, ainda por cima, se garimparmos bem pelo meio dos arranjos quase «wall of sound» de cada tema, encontraremos, sempre, grandíssimas canções! (9/10)


TERRAKOTA
«OBA TRAIN»
Gumalaka/Matarroa

Grupo-irmão (ou, pelo menos, primo) dos Blasted Mechanism - alguns dos Terrakota estiveram no início dos Blasted, o novo álbum foi gravado no Toolateman, estúdio pertença dos BM, e os dois grupos partilham o mesmo engenheiro-de-som (Dominique Borde) -, os Terrakota assinam em «Oba Train», o seu terceiro álbum oficial, o melhor disco que alguma vez fizeram. Em «Oba Train» a música dos Terrakota está mais encorpada, coerente, realista (no sentido de «mais próxima das realidades musicais que visitam»), riquíssima em variações, nuances e inesperadas misturas. E com um cada vez maior domínio dos muitos instrumentos «étnicos» que os músicos tocam e da voz (nunca Romi cantou tão bem como neste disco!). Sempre com uma fortíssima carga política e interventiva nas suas canções (que falam de corrupção, emigração, racismo... e em variadíssimas línguas), os Terrakota viajam por variadíssimos territórios musicais, muitas vezes unindo dois ou mais continentes diferentes: salsa, música mandinga, som mestiço, hip-hop (com a ajuda de Ikonoklasta, do Conjunto Ngonguenha, e Conductor, do Conjunto Ngonguenha e dos Buraka Som Sistema), uma sitar a dar colorações indianas, a utilização de separadores-unificadores (à maneira de Manu Chao ou Radio Zumbido), gnawa, flamenco, variadíssimo ritmos jamaicanos (com o inesperado U-Roy a «toastar» num tema) e africanos, etc, etc... Uma viagem que é de viajante e não de turista - e acho que se percebe perfeitamente qual é a diferença. (9/10)


TORA TORA BIG BAND
«TORA TORA CULT»
Music Mob


E mais um raccord, óbvio, entre estas três bandas: o italiano Francesco (contrabaixo) e os portugueses Davide (bateria) e Junior (percussões) são peças fundamentais dos Terrakota e da... Tora Tora Big Band, um colectivo transnacional que ainda integra músicos vindos do Brasil, Alemanha, Dinamarca e Estados Unidos. São seis nações e doze músicos, mas os números ainda se inflacionam mais se às contas juntarmos os convidados presentes em «Tora Tora Cult», o segundo álbum do colectivo, e as músicas por onde eles passam. Quase todos com escola feita no jazz - e o nome de família Big Band não engana -, a Tora Tora Big Band não se fecha no swing que a designação indicia (embora haja swing e outras formas de jazz com fartura) e abre-se convictamente a outras músicas. Mais global ainda do que o álbum de estreia, homónimo, o novo álbum da TTBB leva-os do jardim do Éden a vários «jazzes» (como o jazz de fusão à Herbie Hancock, com uma «mano» dada pela espanholíssima cantora Silvia, dos Bad Lovers & Hysteria Ibérica) e também à música brasileira («Velho Samba», com a cantora Kika Santos, que também «protagoniza» o fabuloso «Elephants Run»), ao reggae, à música africana (com o cantor moçambicano André Cabaço a brilhar em «Moca Man»), a uma milonga fumarenta, uma valsa saída do Metro do Martim Moniz e remisturas electrónicas, no disco-bónus, a dar um final feliz a isto tudo. (9/10)

Nota: o concerto de lançamento do álbum dos Terrakota é na Aula Magna, em Lisboa, dia 31 deste mês.

14 comentários:

Margarida Girão disse...

Eu até curto Blasted, mas curto muito mais a escrita do jornalista!

Sempre em forma António!

: -)

António Pires disse...

Olá Margarida!

Obrigado!! Mas olha que nós, jornalistas e críticos de música (e de outras artes), não existiríamos sem as obras de que falamos... Muitas vezes sinto que tenho uma actividade parasitária mas outras que pode haver aqui uma espécie qualquer de simbiose... :)

Anónimo disse...

9/10 parece-me muitissimo bem para a critica aos BM (aos restantes nao posso comentar visto que nao ouvi ainda os albuns).
Concordo com a Margarida, excelente escrita com um toque de requinte, movimento, e com uma expressividade incrivel.
Representa bem o que se vive a ouvir cada album.

Uma vez mais, obrigada =)

feniana disse...

há aqui sugestões excelentes e outras...que vou procurar.

já fiz a lista. vou à fnac.

obrigada, antónio.

um beijo, com música, claro :)

Titá disse...

De facto, nomeaste aqui bandas revelação que têm trazido à sociedade contemporânea, um pouco de sal e de inovação.
Merecida referência, sem dúvida.

Ana Jerónimo disse...

Fica-se mesmo com vontade de viajar. O roteiro é bem cativante. Obra do roteirista e da matéria-prima de que é feito o roteiro, naturalmente. Vou viandar, parece-me.

António Pires disse...

Joana:

Obrigado pelas tuas palaras :) Os Blasted merecem perfeitamente o 9/10 e os outros, com estes discos, também...

Feniana:

Se se está a referir a estes três deve encontrá-los na FNAC (à excepção, talvez, do dos Terrakota, que não sei se já está nas lojas). Quanto a outros por este blog fora, muitos deles, infelizmente, não se encontram à venda em Portugal. Mas há muitos que estão nas FNACs e outros que se encontram na VGM e na MC-Mundo da Canção. Boa «caça».

Beijo com música também...

Anónimo disse...

Olá António,

Conheço bem os Blasted Mechanism e Terrakota. Já os fotografei. Mas Tora Tora não conheço (só filme, eh eh). Vou procurar.

C. Ramos

António Pires disse...

Olá Carlos!

Sim, o filme «Tora! Tora! Tora!» é muito bom, apesar de eu não gostar por aí além de filmes com a guerra como pano de fundo (ok, o «Apocalipse Now» e o «The Thin Red Line» são as principais excepções). Procura! Procura! Procura!

Um abraço

António Pires disse...

Tita:

São, sim senhor! E, nos blues, insisto, tenta ver um concerto dos Nobody's Bizness!

Maria:

Viandar é uma palavra tão bonita! E também gosto de «vianda» (que, acho eu, significa merenda para o caminho, a viagem...). Obrigado!

Ella disse...

Tenho acompanhado Tora Tora. Nunca me canso de assistir aos seus concertos tão contagiantes, tão divertidos, tão musicais... Os arranjos são fabulosos e os músicos que os tocam são fantásticos, cada um com a sua característica. Sem dúvida uma mistura de culturas, raízes e experiências que se juntam numa linguagem comum maravilhosa - a música.

António Pires disse...

Olá Ella,

Sim, os concertos dos Tora Tora são espantosos. O último a que assisti foi no Santiago Alquimista, no lançamengo do álbum, e foi uma festança! Volta sempre!

M@rio disse...

Primeiro que nada, obrigado António pelo mail e as minhas desculpas por não comentar antes.
Sobre Blasted, tentando distanciar-me um pouco...o que posso dizer. Para mim, o álbum de todas as misturas conseguidas e nova confirmação de imensa criatividade, tanto a nível musical, como no resto.
Tive o prazer de ver TERRAKOTA ao vivo apenas uma vez. Um concerto ao início da tarde na Festa do Avante. Como o dia, quente, muito quente. Relativamente ao novo álbum, suponho ter ouvido uma música em parceria com o Freddy Locks. Muito boa.
Tora Tora, não conheço.Tenho de pesquisar.E, uma referência aqui, vai dar-lhes outra visibilidade! ;-)

António Pires disse...

Olá Mário!

Tenta ver os Terrakota num concerto só deles (por exemplo, no lançamento do álbum, na Aula Magna). Valem bem a pena!!! E os Tora Tora também são muito bons ao vivo! Há cada vez melhor música por cá e isso é muito bom!!!

Abraço