02 maio, 2007

Chuchurumel, Toques do Caramulo, Sons do Vagar - Por Onde Anda a Música Popular Portuguesa (II)



O ano de 2007 tem sido bastante produtivo em edições discográficas nacionais de várias áreas. E hoje aqui ficam mais três álbuns de três projectos de música tradicional, popular, folk, escolha-se a designação que se quiser: Chuchurumel (na foto), Toques do Caramulo e Sons do Vagar, todos grupos surgidos fora dos grandes centros urbanos e a ir convictamente às suas raízes, próximas ou um pouco mais distantes, para fazer uma música fortemente ancorada na tradição, mesmo que nem sempre de uma maneira ortodoxa (como no caso dos Chuchurumel ou, em menor escala, dos Toques do Caramulo).


CHUCHURUMEL
«POSTA RESTANTE»
Ed. de Autor/Luzlinar

O primeiro álbum dos Chuchurumel, «No Castelo de Chuchurumel», apontava já as pistas seguidas pelo duo de Julieta Silva e César Prata neste segundo trabalho, «Posta Restante». Mas com a diferença, fundamental, de que enquanto no primeiro disco essas pistas levavam a caminhos diferentes, raramente se cruzando ou intersectando - num dos caminhos havia recolhas de música no terreno, no outro o próprio trabalho do grupo, mas sem ligação óbvia entre os dois «universos» -, em «Posta Restante», pelo contrário, as recolhas encaixam-se na perfeição na música do grupo. Mais a mais, uma música que evoluiu imenso em invenção, experimentação, tentativa - quase sempre muito, muito bem conseguida - de levar uma música antiga, rural, rude na sua origem, para a modernidade, uma certa urbanidade global, um grau de sofisticação raro em projectos portugueses. Em «Posta Restante» - assim chamado porque cada canção é uma «carta» a pessoas conhecidas ou anónimas que lhes deram a conhecer a maioria destes temas (embora também haja alguns originais dos Chuchurumel) - podem ouvir-se guitarras sintetizadas em distorção, programações trip-hop, vozes arrancadas à terra (como a senhora de «Coquelhada Marralheira»), sanfonas, acordeão e gaitas-de-foles, gravações de vários ambientes - os disparos a dar a base de «Rico Franco» ou o ritmo do moinho de água são um achado -, aproximações a danças europeias e até ao fado. E sempre com um bom-gosto irrepreensível. (9/10)


TOQUES DO CARAMULO
«...É AO VIVO!»
D'Orfeu Associação Cultural

A coisa mais bonita que têm os Toques do Caramulo é que, partindo do reportório tradicional recolhido na Serra que lhes dá nome - o Caramulo -, o grupo liderado por Luís Fernandes transforma-as em canções de Portugal inteiro (às vezes da Europa inteira), mercê de uma elegância enorme nos arranjos e na apresentação final dessas canções. Uma elegância que passa por todo este álbum gravado ao vivo, em Águeda, terra-natal do grupo, que ali se desenvolveu no seio da valorosa Associação d'Orfeu. Nos Toques, as canções do sopé do Caramulo - recolhidas por Francisco Silva - são enfeitadas com acordeão, flautas, rabeca, contrabaixo, percussões, a muitíssimo boa voz de Luís Fernandes - que tem nela ecos de José Afonso, de Fausto, de Represas nos Trovante, ecos que se transmitem aos próprios ambientes musicais, muitas vezes também com incursões pela liberdade do jazz, os ensinamentos da Brigada Victor Jara ou vários elementos vindos da folk dita céltica ou das danças tradicionais do centro europeu. Num dos temas, «Debaixo da Oliveira», participa, dando à canção uma dimensão lindíssima e inesperada, o cantor, actor e performer belga Bernard Massuir. E como nota final, diga-se que raramente uma gravação ao vivo - e este é o álbum de estreia dos Toques! - consegue ter este ar tão perfeito e bem acabado. (8/10)


SONS DO VAGAR
«SONS DO VAGAR»
Associ'Arte

Se bem que menos arrojado e inventivo que os álbuns dos Chuchurumel e dos Toques do Caramulo, o disco de estreia, homónimo, dos alentejanos Sons do Vagar tem pelo menos o grande mérito de mostrar canções alentejanas menos conhecidas do grande público e fora do reportório geralmente visitado pelos coros de cante alentejano. Os Sons do Vagar são um trio formado por Isabel Bilou, Susana Russo (ambas excelentíssimas cantoras e também instrumentistas) e o multi-instrumentista Gil Nave, interpretando canções tradicionais recolhidas por Veiga de Oliveira, Giacometti, Lopes-Graça ou José Alberto Sardinha, interpretadas quase sempre de uma forma muito próxima do que essas recolhas mostravam, embora por vezes com alguns desvios saudáveis (como a concertina a acompanhar o «Ó Meu Menino Jesus», ao lado da tradicional sarronca). São canções religiosas (como «Canto ao S.João» ou o lindíssimo «O Vos Omnes», curiosamente também presente no álbum dos Chuchurumel), modas para viola campaniça, corridinhos tocados em flauta ou as alegres saias - os corridinhos da «raia» com o Algarve e as saias são raros exemplares de música obviamente para dançar da música alentejana. Isto tudo é um belo exemplo de como se pode preservar a memória musical com amor e rigor. E mais uma prova - como os outros aqui referidos - de que se podem editar discos sem se estar ligado a nenhuma editora, seja ela multinacional ou independente. Assim haja vontade. (7/10)

13 comentários:

laura disse...

olá antónio :)
muito obrigada pelos links... já não vinha às tuas raízes há algum tempo e é bom saber que, de vez em quando, as pessoas se voltam a encontrar...
quanto à beira, não consigo disfarçar a minha costela beirã, pois não? ;)
abraço amigo

António Pires disse...

Olá Laura,

O prazer é meu... Os teus blogs são dos melhores que eu conheço, sem favor. Pois, e as costelas beirãs são sempre difíceis de disfarçar - eu que o diga, também.

Abraço grande...

un dress disse...

nunca tinha visto uma enciclopédia morar na mesma casa duma paixão. li atentamente.
senti assim.
volto mais logo.
pra discernir melhor os pormenores...



*

António Pires disse...

Un Dress:

Assim fico envergonhado... Volte sempre.

un dress disse...

não fique envergonhado digo o que sinto!:)

por acaso eu também pertenço à terra...planalto mirandês...:)

pois eu volto, também gostaria que voltasse

whenever...

bOa.nOite.antónio

ana disse...

Ainda não tenho o álbum dos Toques do Caramulo... este post ainda me deixou com mais curiosidade para o ouvir... É pena que eles não tenham página no Myspace ou um site onde se possa ouvir alguma coisa (eu pelo menos não encontrei nada)...

António Pires disse...

Olá Ana (d'Os Dias Assim, minha visita diária):

Se seguir o link dos Toques do Caramulo, aqui ao lado, vai chegar à d'Orfeu, a fabulosa associação que, entre outras e muitas coisas, criou os Cantautores e os Toques do Caramulo. Eles têm lá o disco à venda. E em caso de «desespero», eu dou-lhe o e-mail deles...

ana disse...

Olá António

Pois, eu sabia que eles tinham lá o disco à venda mas ainda não o tinha pedido, pedi-o hoje... (Actualmente quase só compro discos depois de os ouvir ou de ter quase a certeza que valem mesmo a pena, o que até era o caso...)
Em "desespero" já estou um bocadinho porque consegui ouvir aqui duas músicas :)...

António Pires disse...

Olá Ana,

O Miguel Santos faz um trabalho fabuloso de divulgação da música portuguesa (de várias áreas) na Resonance FM, em Londres, e no seu festival Atlantic Waves. E acho que pode ainda ouvir mais uma dos Toques no Terra Pura, do Luís Rei, que pode ouvir no blog dele, o Crónicas da Terra - também nos links aqui ao lado.

ana disse...

Obrigado António, por (mais) esta dica muito bem-vinda, enquanto não me chega o disco...
Não conhecia o programa Musa Lusa, também me parece um óptimo trabalho de divulgação da música portuguesa.

Anónimo disse...

Olá António,

Como estás? acabei por não ir a lado nenhum no fim-de-semana...

Obrigado pela referência ao Terra Pura. Se me permites deixo aqui o link para a emissão que tem Toques de Caramulo a abrir. Seguem-se o não menos interessante projecto Cantos da Lingua do Acert de Tondela, a Amélia Muge, e o Jorge Palma com a Brigada e com a Ala dos Namorados (num tema que inclui ainda a inconfundível voz de Zeca Medeiros)

http://cronicasdaterra.com/cronicas/2007/04/22/terra-pura-de-14-15-e-16-de-abril/

abraços
lr

António Pires disse...

Ana:

Sim, o «MusaLusa» é fantástico e o festival Atlantic Waves - que, em Novembro, ocupa dez dias de programação de música portuguesa em várias salas londrinas -, então, é uma conquista absoluta! Tomáramos nós ter muitos Miguel Santos!

Luís:

Também não saí de casa este fim-de-semana, excepto para ir à festa de anos da minha afilhada. E obrigado pelo link - acho que a Ana já o seguiu mas é bom ficar aí para que outras pessoas também o possam seguir. Grande abraço!

ana disse...

Sim, já tinha chegado ao Terra Pura com os Toques do Caramulo... Mas é mesmo importante que fiquem aqui os links porque é dificil pela net ouvi-los... Mas hoje já me chegou o cd, felizmente :)