09 maio, 2007

Cromos Raízes e Antenas XIX


Este blog continua hoje a publicação da série «Cromos Raízes e Antenas», constituída por pequenas fichas sobre artistas, grupos, personagens (míticas ou reais), géneros, instrumentos musicais, editoras discográficas, divulgadores, filmes... Tudo isto sem ordem cronológica nem alfabética nem enciclopédica nem com hierarquia de importância nem sujeita a qualquer tipo de actualidade. É vagamente aleatória, randomizada, livre, à vontade do freguês (ou dos fregueses: os leitores deste blog estão todos convidados a enviar sugestões ou, melhor ainda!, as fichas completas de cromos para o espaço de comentários ou para o e-mail pires.ant@gmail.com - a «gerência» agradece; assim como agradece que venham daí acrescentos e correcções às várias entradas). As «carteirinhas» de cromos incluem sempre quatro exemplares, numerados e... coleccionáveis ;)


Cromo XIX.1 - Penguin Cafe Orchestra



Projecto pessoal saído da mente genial, compulsiva e perfeccionista do músico e compositor inglês Simon Jeffes (nascido em 1949, falecido em 1997), a Penguin Cafe Orchestra foi a súmula perfeita de pop, música erudita, minimalismo e músicas vindas de variadíssimos lugares do mundo, desde a inspiração da música dita celta ao exotismo da música havaiana ou indiana. Fundada em 1973 por Jeffes (instrumentos de cordas) e pela violoncelista Helen Liebmann, a Penguin Cafe Orchestra passou 24 anos - até à morte do líder e ao fim, natural, do grupo - a encantar o mundo com uma música que tanto podia incluir cavaquinhos e acordeões como caixinhas-de-música, um harmonium (que deu nome a uma das composições mais famosas do grupo) ou o som de uma marcação telefónica a servir de base rítmica. Audição aconselhada (pelo resumo que faz da obra do grupo): o álbum «Preludes, Airs & Yodels» (1996).

Cromo XIX.2 - Alpha Blondy



Quando em 1980, um ano antes de morrer, Bob Marley tocou na festa da independência do Zimbabué, em Harare, cumprindo o sonho antigo de tocar em África, estaria longe de imaginar que o reggae iria invadir o continente nas décadas seguintes, não só como música importada mas também de criação local. Nomes como Tiken Jah Fakoly, Kussondulola, Askia Modibo, The Mandators, Lucky Dube ou Ismael Isaac são disso prova insofismável. Mas, à frente de todos eles e como precursor do cruzamento do reggae com músicas africanas está o cantor Alpha Blondy, da Costa do Marfim. Alpha Blondy (de seu verdadeiro nome Seydou Koné, nascido a 1 de Janeiro de 1953, em Dimbokoro) estudou nos Estados Unidos e começou a sua frutuosa carreira quando regressou ao seu país natal, onde, desde o primeiro álbum, «Jah Glory» (1983), é uma vedeta nacional. Uma fama que, desde há muito, alastrou mais que justamente a outras paragens, em África e não só.


Cromo XIX.3 - Sanfona



Desaparecida durante alguns séculos, a sanfona é um caso raro de instrumento musical recuperado e acarinhado depois do seu «tempo natural» ter, aparentemente, passado há muito. Inventado durante a Idade Média (provavelmente no século IX, na Galiza, sob o nome de organistrum) e popular até ao século XVIII, a sanfona está agora a viver a sua segunda vida mercê da adesão à sua sonoridade - desde há cerca de trinta anos - de músicos como o francês Valentin Clastrier, os suecos Hedningarna, variadíssimos músicos da folk britânica, dos países do Leste da Europa, da Galiza e de Portugal - onde tem como cultores apaixonados Fernando Meireles (Realejo) ou Carlos Guerreiro (Gaiteiros de Lisboa). O seu som característico - em que cordas são friccionadas não por um arco mas por meio de uma roda, sendo o timbre modificado através de um teclado básico - e em que à melodia se associam outras cordas a vibrar em bordão contínuo (drone), dá-lhe muita da sua magia.

Cromo XIX.4 - Banda do Casaco



Se houve grupo que ousou ir às raízes mais profundas da música portuguesa e, arrancando-as à terra, as usou como parte maior de um «bouquet» onde também podiam entrar os cardos do rock, as flores do jazz ou folhagens vindas da música erudita, esse grupo foi a Banda do Casaco. Invenção de Nuno Rodrigues (ex-Música Novarum) e António Pinho (ex-Filarmónica Fraude), pela Banda do Casaco passaram - entre 1974 e 1984 - músicos como Celso de Carvalho, Carlos Zíngaro, Rão Kyao, Tó Pinheiro da Silva, Zé Nabo ou o baterista Jerry Marotta (que acompanhou Peter Gabriel durante alguns anos) e vozes como as de Né Ladeiras, Concha, Gabriela Schaaf, Helena Afonso ou (em gravações recolhidas no terreno) a cantora Ti Chitas (de Penha Garcia). Letras arrojadas, uma paixão, digamos, bipolar pela música tradicional, rock progressivo, experimentalismo, invenção e uma visão de futuro rara fizeram da Banda do Casaco o mais revolucionário grupo português de sempre.

14 comentários:

Edward Soja disse...

Olá, a propósito da Banda do Casaco, outro colectivo de maior importância para a música tradicional portuguesa, o Grupo de Acção Cultural, vai ver a sua obra completa reeditada em cêdê.

É o que se anuncia num livreto de uma das compilações que o Público tem vindo a lançar.

Será desta?
Aguardamos ansiosamente!

António Pires disse...

Olá Eduardo,

Antes de mais, parabéns pelo blog Mostrai-vos, que desde há alguns dias está para ser adicionado aos meus links aqui ao lado - de hoje não passa. A ideia é muito boa e pode vir a ser uma base de dados fabulosa! Quanto ao GAC-Vozes na Luta (já referido nos Cromos R&A há alguns meses), não sabia dessa reedição mas é uma excelente notícia!!! Sabia, desde há uns anos, que vários membros do grupo - nomeadamente a Margarida Antunes da Silva (Cramol) - estavam envolvidos nessa reedição mas que tudo acabava por esbarrar em problemas vários. Se os problemas foram contornados entretanto, excelente! Acho que ouvir o GAC, agora, vai fazer tanto sentido quanto há 30 anos... Um abraço e muito obrigado por esssa notícia.

Rui Rebelo disse...

esperemos que seja desta.

Há que tempos que não ouvia os Penguin Cafe Orchestra. Fui encontrar os discos já cheios de pó. Sabe bem ouvir música que já não ouvia-mos há muito...

António Pires disse...

Olá Rui,

Sim, esperemos que seja desta que a obra completa do GAC chega ao formato CD! E é bom que esta «carteirinha» de cromos tenha servido, pelo menos, para que voltasses a ouvir a música da Penguin Cafe Orchestra. Lembro-me de um concerto deles no S.Luiz, divertidíssimo, com um dos violinistas maquilhado e de cabeleira loura, brincadeira desfeita a meio do concerto, e com uma lata de coca-cola dançante (!)em cima do piano de cauda. E, claro, uma música única! O desaparecimento do Simon Jeffes deixou um vazio muito grande... Abraços.

un dress disse...

a sanfona é, de facto, mágica:
inebriante, lenta, profundamente
bela...

quanto aos penguin cafe,
quis pôr no meu blog uma música
deles de que desconheço o album e
o nome...só mesmo ouvindo!!!

provável que até pertença a esse álbum, que hei-de um dia ter paciência para procurar na minha selva, lá em casa...:)

lindo o que e como dizes...

beijO

António Pires disse...

Un-Dress:

É sempre um prazer receber-te no Raízes e Antenas! Boa sorte na tua procura desse tema da Penguin Cafe Orchestra... Se puder ajudar, diz... Beijos.

Anónimo disse...

Olá António,

seria interessante verificarmos quantas versões existem de "Music For Found Harmonium" do Jeffes. Ainda noutro dia estava a fazer um alinhamento de folk do altântico norte e dei com duas versões. Uma dos Patrick Street outra dos andaluzes Contradanza.

abraço

lr

Bandida disse...

é sempre um enorme prazer passar por aqui e saber da música.

beijo

B.
_________________________

Edward Soja disse...

Ok, muito obrigado pelo apoio.

Cá continuarei a vir.

Toda a ajuda será bem-vinda.

Abraço

marco costa disse...

eu tb tirei o pó aos disquinhos dos penguin faz sabado uma semana... coincidências? ;)

off record: este blog está definitivamente em grandissimo momento de forma!

António Pires disse...

Luís:

A versão dos Patrick Street, curiosamente, também está incluída na colectânea da PCO que referi... E, que me lembre, ainda há versões de «Music For A Found Harmonium» pela Eddie Reader, os Four Men and A Dog e os nossos Realejo.

Bandida:

Obrigado. Volte sempre! Beijo.

Eduardo:

Há um trabalho fantástico de catalogação e informação sobre música portuguesa nos sites anos 60.nosapo e anos80.nosapo E uma boa ajuda para a sua base de dados também é o livro «Enciclopédia da Música Ligeira Portuguesa».

Marco:

Obrigado! E acho que não é coincidência - acho que é a Primavera que dá vontade de ouvir a música luminosa da PCO.

Anónimo disse...

olá António,

obrigado pelo comment com essa extraordinária noticia, a reedição em Cd do GAC.

armador

Unknown disse...

Olá António,

ainda o "Music For Found Harmonium". Há muitas, muitas mais versões para além das que já referimos. Mas, se puderes, ouve a dos Contradanza - "Tangos para un Cajón Encontrado" que é uma das que mais se afasta da original.

abraço

lr

António Pires disse...

Pois há, e um dia ainda havemos de as compilar todas... Essa dos Contradanza não conheço mas o título (adaptado) promete! E sabes a história do N. Barros que também encontrou um harmonium perto da porta do seu prédio? Mas como tinha ido ao supermercado foi levar os sacos a casa e quando voltou à rua o harmonium já lá não estava. Ele bem que podia fazer uma versão em gaita-de-foles com o título «Music For a Found (and Lost) Harmonium»...