04 maio, 2007

World Music - Enciclopédias e Afins...



Aqui há dias, uma frequentadora do Raízes e Antenas, Un-Dress, deixou escapar num comentário a palavra «enciclopédia», referindo-se ao conteúdo deste blog. Não levei a mal, pelo contrário - até senti uma pontinha de orgulho. Mas respondi-lhe honestamente escrevendo que quanto mais se sabe destas músicas do mundo mais se tem consciência de que falta muito mas muito mais para saber - e acrescento, tanto das músicas como do mundo. Passando por cima das alusões socráticas (salvo seja), pode usar-se uma frase batida e dizer que aquilo que conhecemos destas músicas - imensas, aos milhares, em géneros, intérpretes, instrumentos, cruzamentos... - é apenas uma pequeníssima ponta de um imenso iceberg. Mas a palavra enciclopédia ficou-me. E, como adoro enciclopédias, dicionários, prontuários, glossários, aqui fica uma pequena resenha do que existe em papel e que pode ajudar quem quer mergulhar nas águas profundas destas músicas. E, se não se quiser em papel, há sempre a internet inteira para pesquisar (inclusive nalguns links aqui ao lado).

A minha primeira enciclopédia de world music foi-me oferecida pelo Avelino Tavares no Natal de 1994 (obrigado Avelino!). É a inglesa «World Music - The Rough Guide», da Rough Guides, com distribuição da Penguin. Naquela altura era apenas um volume mas, desde há alguns anos, e com o crescimento das entradas e informações, a enciclopédia da Rough Guides está agora dividida em vários volumes: «The Rough Guide to World Music Vol. 1 (Africa, Europe and the Middle East)», «The Rough Guide to World Music Vol. 2 (Latin and North America, Caribbean, India, Asia and Pacific)», editados na viragem do século, e, ainda mais especializado, foi recentemente editado «The Rough Guide to World Music - Africa and the Middle East (Vol.1»). Os livros da série são excelentes: não se fechando no formato «enciclopédia» (com entradas de nomes avulsos e por ordem alfabética), estes livros fazem antes o enquadramento geográfico, estilístico e muitas vezes social dos artistas e géneros de que falam, incluindo nas edições mais recentes discografias divididas por países, críticas aos melhores discos dos artistas referidos ou referências às editoras mais importantes de cada género. Se tivesse que aconselhar alguma, aconselharia esta(s) de caras, pelo manancial de informação disponível.

Já pelo rigor dessa informação - e a minha maneira de aferir o rigor de um livro deste género é «vamos lá ver o que é que eles escrevem sobre música portuguesa» (geralmente há entradas reservadas a Amália Rodrigues e aos Madredeus), e se o que escreverem está correcto, então acho que posso confiar também no resto (leia-se, naquilo que eu NÃO conheço) -, a melhor é uma enciclopédia francesa, «Les Musiques du Monde», editada pela Larousse (sim, a mesma dos dicionários), que apesar de não ter o volume informativo dos «Rough Guides», muito longe disso, é bastante rigorosa e é uma boa porta de entrada nestas músicas com raízes e antenas. Também bastante interessante e mais alargada do que esta é a norte-americana «World Music - The Essential Album Guide» (MusicHound/Visible Ink Press), que para além de numerosíssimas entradas também apresenta caixas com informações complementares sobre géneros musicais, instrumentos ou a presença da world music em filmes. Uma secção enorme sobre música jamaicana (ska, reggae, rocksteady...) é outro dos motivos de interesse desta enciclopédia. Finalmente, e não sendo uma enciclopédia, um dos meus livros preferidos desta área é «World Music - A Very Short Introduction» (Oxford), de Philip V. Bohlman, que é muito mais do que aquilo que o título poderia indiciar. Mais do que uma simples «pequenina introdução», o livro é um ensaio sério, musicológico, sobre a evolução da percepção ocidental perante as músicas vindas de outros lugares, sob uma perspectiva etnológica, política e histórica. Está muito bem escrito e é um manancial de informação, não tanto sobre os nomes actuais da world music mas dos que ficaram para trás, das primeiras tentativas de fixação das músicas tradicionais, das primeiras aventuras do fonógrafo, da música exotica, etc, etc. Boas leituras!

8 comentários:

Edward Soja disse...

Pois, saber enciclopédico teria o Sócrates...

Continuação de bom trabalho. Porque as enciclopédias vão-se construindo. Em movimento perpétuo.

Força, que nós estamos deste lado.

Titá disse...

Excelentes sugestões por aqui, não só de música como de leitura.

A vida por si só já é uma enciclopédia que se constroi dia a dia e que nunca termina.
Pobres dos que acham que já sabem tudo.

Gosto imenso deste teu espaço. VOlto concerteza.
Até breve

Anónimo disse...

Olá António,

E onde é que se podem adquirir estes livros?

Abraço

Carlos

António Pires disse...

Eduardo:

Sócrates, o original (claro!), era, pelo que se «sabe», uma enciclopédia viva... e dizia «só sei que nada sei». Acho que maior «sabedoria» não há...

Tita:

Serás sempre bem-vinda! E, se por aqui procurares por blues, és capaz de ir dar a África e ao... fado.

Carlos (Carlos Ramos? - e nunca mais tens um blog com as tuas fotografias?):

Podes encontrar alguns destes livros nas FNACs portuguesas, principalmente o «Les Musiques du Monde». Se não encontrares, podes sempre usar as Amazons inglesa e americana, que têm os livros aqui indicados... Grande abraço!

un dress disse...

bOm dia AntóNio :)

claro que não acredito em enciclopédias, muito menos humanas...!

foi uma forma de ilustrar o meu espanto por tudo o que sabes de
música...!!

mas este teu teXto recorda-me o sabor do papel e dos múltiplos senTidos que a ele liGo.
o lado senSorial e emOcional do papel...
ligo também o papel à meMória, ao Mistério, aos segredoS que nele se escoNdem e que não existem nas pesquisas da neT...

tenho uma amiga musicóloga: andei há uns anos com ela a recolher música nas aldeias do planalto mirandês.
uma grande e fabulosa aventura!!
chama-se anne caufriez. belga. talvez conheças o trabalho dela...

beijO*

António Pires disse...

Olá Un-Dress,

Antes de mais, muito obrigado pela inspiração para este post!! E sim, também sou um apaixonado por livros - colecciono-os compulsivamente, quase tanto quanto os discos. E sim, bis, sei quem é a Anne Caufriez e o disco (discos?) e livro (livros?) que editou sobre a música de Trás-os-Montes. Deve ter sido muito enriquecedor ter feito esse trabalho de recolha com ela. Neste momento há outras pessoas que continuam a fazer trabalhos similares como o Mário Correia - e a sua editora/associação/museu Sons da Terra - e, se não me engano, os próprios Galandum Galundaina, grupo que eu admiro e respeito imenso.

Volta sempre!

menina alice disse...

Olha, António: obrigada. Dicas preciosas as tuas. ;)

António Pires disse...

Menina-Alice:

De nada. O prazer é meu!