01 junho, 2007

Boom Pam, The Idan Raichel Project e Elisete - De Israel Para o Mundo



Israel é um cadinho único de muitas músicas e de muitos sons, mercê da quantidade de gente que procurou e ainda procura este país em busca das suas raízes judaicas - gente de todo o mundo, de todas as ideologias, de todas as cores... - e de uma vida nova num país relativamente novo, mesmo que imerso em contradições e em guerras intermináveis com os seus vizinhos-irmãos, palestinianos ou outros. E, se se for a ver bem, há muito mais músicos em Israel a querer a paz e a concórdia - da diva Chava Alberstein aos Bustan Abraham, Olive Leaves, Sheva ou Hadag Nahash - do que a manutenção de um clima de guerra e de hostilidade. Exemplo dessa riqueza, diversidade e abertura são também os Boom Pam (na foto), The Idan Raichel Project e a cantora brasileira, radicada em Israel, Elisete.


BOOM PAM
«BOOM PAM»
Essay Recordings

Para se falar dos Boom Pam é preciso fazer um «rewind» até uma figura incontornável dos primórdios do surf-rock, Dick Dale, o autor de «Misirlou» (pois, aquele tema que assombra o «Pulp Fiction») e referir que Dale era filho de pai libanês e sobrinho de um músico de «oud» (o alaúde árabe) que acompanhava bailarinas da dança-do-ventre. E isto para dizer que o surf-rock - em que se inscreveram grupos como os seminais Beach Boys - era, disfarçada, uma forma de música do Médio Oriente, com ramificações pela Turquia, Líbano, Palestina e países do leste europeu de influência judaica e muçulmana. Oiça-se «Misirlou» e perceber-se-á isto tudo claramente. E oiça-se o álbum de estreia dos Boom Pam, homónimo, e perceber-se-á isto ainda muito melhor. Os Boom Pam são um grupo israelita que nasceu em 2003, que começou por ter um culto tremendo no seu país graças a uma versão do tema grego «Boom Pam» acompanhando o rocker Berry Sakharof, e que se lançou depois no circuito da world-music com uma fórmula arrasadora e irresistível: duas guitarras eléctricas picadinhas, uma tuba a dar um musculado baixo e percussões em voo livre sobre o surf-rock, o klezmer, a música árabe (assumida vividamente como música-irmã), a música cigana balcânica, o ska ou a rembetika grega - e só muito de vez em quando com temas vocalizados -, numa junção única e excitantíssima de músicas diferentes mas demasiado próximas para não serem todas familiares umas das outras. (9/10)


THE IDAN RAICHEL PROJECT
«THE IDAN RAICHEL PROJECT»
Helicon/Cumbancha

Se os Boom Pam têm como referência principal o surf-rock, o lindíssimo projecto de Idan Raichel mergulha na electrónica à Deep Forest (mas em muito melhor!!, porque pulsante, viva e honesta) e 1 Giant Leap, metendo ao barulho muitas músicas israelitas e suas vizinhas e juntando no mesmo cadinho sons - e músicos - vindos de Israel, da Palestina, da Etiópia, de países balcânicos, da Jamaica, do mundo inteiro... Projecto original de um homem só, Idan Raichel (teclista, programador, produtor e compositor), criado em 2002, a ideia foi crescendo e alargando-se até um formato de orquestra global, aberta, tolerante, riquíssima em nuances e tonalidades (num total de 70 cantores e músicos a passar pelo estúdio de Idan). A presença da música africana no álbum não é uma curiosidade: Idan foi professor de adolescentes etíopes que tinham emigrado para Israel devido às suas raízes judaicas e, com eles, tomou contacto com a música etíope, nomeadamente de Mahmoud Ahmed e Gigi «Shibabaw». Daí até um maior conhecimento da música centro-africana e dos seus vizinhos do norte de África e da península arábica - muçulmanos... e judeus sefarditas ou iemenitas - foi um passo (cf. em «Hinach Yafah») e o conceito, global/pacifista/equalitário, estava feito. Um conceito que, vertido em música, é muito mais rico e cromático do que quaisquer palavras podem explicar. (8/10)


ELISETE
«GAAGUA»
Ed. de Autor


A palavra hebraica «Gaagua» pode significar «longing» (em inglês) e, com um bocadinho de imaginação, «saudade» (em português). O que faz todo o sentido se se pensar que Elisete (Elisete Retter) é uma cantora brasileira que vive em Israel desde 1991, por alturas da primeira guerra do Golfo. E «Gaagua» - segundo álbum da cantora, depois de «Luar e Café», e anterior ao álbum de remisturas «Remix», que também é vivamente aconselhável - e, cantando preferencialmente em hebraico e só por vezes em português, mistura na sua música reggae e ragga, sambinhas (cf. em «O Sonho», «Love» e «Às Vezes»), bossa-nova (cf. em «Samba and Love»), rock, baladas lindíssimas (cf. no tema-título «Gaagua», um loungezinho delicioso), funk tropical, drum'n'bass elegante («A Reason To Celebrate»), a música do nordeste brasileiro («The Sun Will Always Shine») ou um disco-sound suficientemente kitsch para ser irresistível («Mashica»). Também colaboradora de Idan Raichel no Idan Raichel Project, e de outros nomes da música israelita como Alon Ochana, Ron Davni, Si Haiman ou Bezalel Aloni, a cantora Elisete tem uma voz própria na música de Israel... e do mundo. Provando que a música não tem fronteiras e que a vida - e a música! - é aquela que nós escolhemos para viver. (6/10)

4 comentários:

GRINGA SEMPRE disse...

Olá António! Imensamente bom o seu Blogue, apesar de estar um nadinha perdida nestes conhecimentos de música todos...A minha ãrea é mesmo outra, na qual gosto imenso. Deixei umas respostas aos seus comentários, quando poder veja. Vou voltar muitas vezes, e quem sabe não fazemos umas permutas de ideias:)))

Anónimo disse...

Bom dia António,
Já agora, o exemplo de Amal Murkus, palestina mas nascida e cidadã de Israel, que desenvolve um trabalho de excelência na divulgação da sua cultura. E que todas as grandes editoras israelitas rejeitam...
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=184771785

Abraço
Carlos

GRINGA SEMPRE disse...

Bom Dia António! Tenho uma atenção para si, no meu Blog. Seguramente não é dos seus preferidos!? Mas é uma noticia recente, de música. Espero que goste? Sorriso :)))

António Pires disse...

Gringa:

Muito obrigado pela referência ao R&A no seu blog!!! E, pois, os Smashing Pumpkins não são dos meus grupos favoritos - apesar de gostar de algumas coisas deles! - mas a referência ao Primavera Sound trouxe-me boas memórias passadas nesse festival, com um belo grupo de amigo e concertos inesquecíveis na minha cidade favorita: Barcelona. :)))

Carlos:

Sim, a Amal Murkus também, claro. E também podia referir o fabuloso percussionista Zohar Fresco ou a editora Nada Records, especalizada em grupos musicais mistos de judeus e muçulmanos. Repito: em Israel - e fora de Israel, com os Klezmatics como exemplo óbvio - há muitos mais músicos a querer a paz do que a apelar à guerra. Os Teapacks, que representaram Israel na Eurovisão - não vi, não sei sequer como soa a canção, só conheço a letra e a mensagem - são apenas um mau exemplo...