08 junho, 2007

Tom Zé, Cordel do Fogo Encantado e Bebel Gilberto - O Brasil Tem Tantos Brasis!



A música brasileira é um mundo inteiro dentro da música do mundo inteiro. E, dentro do mundo que é a música brasileira, ainda há continentes, ilhas, arquipélagos, e neles - se o foco do telescópio se aproximar mais e do mundo se fizer país - florestas e rios, modernas cidades de betão e favelas de lata e cartão, aldeias perdidas e minas de ouro, árvores de raízes profundas e imensas antenas parabólicas. Hoje, o Raízes e Antenas fala de mais três discos de artistas brasileiros em que as músicas locais se fundem com a música global mas sempre com uma fortíssima identidade própria e tão diferentes entre si: os novos álbuns de Tom Zé, Cordel do Fogo Encantado (na foto; eles que vão por certo protagonizar mais um momento inesquecível no festival Viseu a 15 do 6) e de Bebel Gilberto.


TOM ZÉ
«DANÇ-ÊH-SÁ»
Irará/Trama

Quando se parte para a escuta de um álbum de Tom Zé já se sabe de antemão que temos que estar de espírito aberto e disponíveis para quaisquer surpresas que dali possam vir. E «Danç-Êh-Sá - Dança dos Herdeiros do Sacrifício» não foge à regra, antes a sublinha. Álbum surpreendente, de som novo, de músicas feitas essencialmente de ritmos (mesmo quando há instrumentos melódicos por lá) e sem as habituais letras fabulosas de Tom Zé - há muitas vozes neste disco (masculinas, femininas) mas sempre em exercícios monossilábicos, onomatopeias, interjeições, explosões guturais... Musicalmente, o álbum é extraordinário, fazendo pontes entre variadíssimos ritmos antigos e recentes, brasileiros ou anglo-saxónicos. Samba e forró e outros ritmos nordestinos, hip-hop, drum'n'bass, pós-punk (oiça-se «Triú-Trii» e «Cara-Cuá» e veja-se se não era disto mesmo que grupos como os Talking Heads ou os A Certain Ratio andavam à procura), tudo embrulhado numa liberdade formal que faz mais lembrar o free-jazz que outra coisa qualquer. Longe do espartilho do formato canção - formato a que Tom Zé, de qualquer maneira, há muito tempo não dá grande importância -, «Danç-Êh-Sá» é mais uma etapa seguríssima deste génio de 70 anos de idade, cantor-maldito do tropicalismo e um dos «loucos» mais lúcidos que existem neste mundo. É um álbum de tese, mas quem nos dera que todos os álbuns de tese fossem assim. (9/10)


CORDEL DO FOGO ENCANTADO
«TRANSFIGURAÇÃO»
Escambo/Rec Beat

O grupo brasileiro Cordel do Fogo Encantado é uma mistura fabulosa de música, teatro, performance, artes circenses, luminotecnia, um espectáculo total que só pode ser bem fruído e apreendido quando tudo isto é observado num palco - tal como se viu o ano passado em Sines e, presumivelmente (mas com um grau de certeza quase absoluto), em Viseu, na próxima semana. Ouvida em disco, a música do Cordel perde muita da sua magia e encanto. Mas não perde tanto quanto se poderia temer: porque é, agora, uma música sólida, madura, personalizada e que vale por si mesma mesmo quando o elemento «visual» ou o elemento «ao vivo» não estão presentes. Em «Transfiguração», Lirinha - o talentosíssimo cantor-poeta e cantor/intérprete de outros poetas como Manoel Filó, cujas palavras dão o mote a este disco logo no início - e seus companheiros dão-nos a ponte perfeita entre músicas nordestinas brasileiras e géneros como o funk, o rock psicadélico, o progressivo ou o «renascimento do rock americano» oitentista dos Green on Red, Guadalcanal Diary ou Violent Femmes (cf. em «Pedra e Bala»), sempre com as palavras únicas de Lirinha como fio-condutor da «narrativa» musical. Por vezes, ao ouvir «Transfiguração», podemos pensar em tropicalismo - nomeadamente d'Os Mutantes - ou em álbuns conceptuais dos anos 70, mas isso é bom, sempre bom. (9/10)


BEBEL GILBERTO
«MOMENTO»
Ziriguiboom/Crammed Discs/Megamúsica

Filha do mestre da bossa-nova João Gilberto e da cantora Miúcha, sobrinha de Chico Buarque, Bebel Gilberto tinha o destino traçado desde o berço (e só não escrevo dourado porque a rima seria terrível). Estando a assumir-se a pouco e pouco como a principal candidata a nova Diva do Brasil, com uma carreira curta mas feita de passos seguros e parcerias bem escolhidas - até Mike Patton, dos Faith No More e de tudo o resto, já se rendeu a ela -, Bebel chega a «Momento» com ideias bastante bem definidas acerca da música que quer protagonizar: uma mistura consistente, elegante, contemporânea, de música brasileira - com a bossa-nova a servir, naturalmente, de base teórica ou estrutural a várias canções - e de novas sonoridades, tudo envolto numa leve patine electrónica que nunca estraga o conjunto e levando-a para caminhos próximos de Cibelle, dos Forro In The Dark e de mais alguns nomes que tentam uma fórmula semelhante. Mas com a vantagem de ter uma voz lindíssima, aveludada, quente, maleável... Cantando em português e em inglês, Bebel atreve-se neste álbum a compor ou co-compor vários temas, para além de fazer versões de «Caçada» (de Chico Buarque), «Tranquilo» (de Kassin) e «Night and Day» (de Cole Porter), uma «cover» maravilhosa que leva a canção de Porter para Ipanema, nos anos 50 (e oiça-se o saxofone e pense-se imediatamente em... Stan Getz). (8/10)

6 comentários:

Anónimo disse...

vim matar a saudade. ouvir o silêncio. roer a música. salvaguardar a estima.




abraço.

um dia volto....acho.


obrigada Música.



(piano)

Titá disse...

Hoje é um dia de luto para a música nacional e em particular para os Xutos & pontapés. a MArta Ferreira, Manager dos Xutos faleceu...
Este é o espaço, onde achei que devia mencionar esta perda.
Desculpa
um beijo para ti

António Pires disse...

Titá:

Fizeste bem em deixar aqui a tua homenagem à Marta e não tens que pedir desculpa por isso. Conheci bem a Marta e cruzei-me e contactei muitas vezes com ela, principalmente nos meus tempos de BLITZ. A Marta sempre foi comigo de uma rectidão, honestidade e profissionalismo absolutos, mesmo - e principalmente - quando defendia os interesses dos Xutos com unhas e dentes. Os Xutos - e outras bandas que ajudou - devem-lhe muito. Nós também. Só ontem soube - já depois de ter sabido da sua morte - que tinha dois filhos adoptivos, o que me deu uma perspectiva diferente daquela mulher de ar duro e hiper-profissional e que me comoveu também por isso. Para o Kalu, a Patrícia, o João e os outros irmãos da Marta que eu não conheço tão bem, envio o meu abraço.

Piano:

Volte sempre. Ao meu blog e... a um qualquer blog seu (já lhes sinto a falta). E dele(s) dê aviso, por favor.

Um abraço, Poesia

Ana André disse...

não tem nada que agradecer. É um excelente trabalho o que faz aqui.

António Pires disse...

En-Aveugle:

Tenho, sim! Um link num blog é sempre importante, principalmente quando o blog é novo e todos esperamos muito dele! Bem-vinda e bom trabalho! :)

isabel mendes ferreira disse...

obrigada...
:)))))))))))))))

beijo.