02 agosto, 2006
Dropkick Murphys - Quando o Celta É Mesmo Punk (ou Vice-Versa)
O post anterior - dedicado ao projecto A Naifa, fundado por dois rapazes com raízes no punk (Luís Varatojo nos Peste & Sida e João Aguardela nos Sitiados do início) - fez-me recuperar uma entrevista, publicada originalmente em 2001, com os Dropkick Murphys, banda norte-americana mais punk que os Pogues e tão celta - seja lá isso o que for - quanto eles...
DROPKICK MURPHYS
VERDE É O BETÃO
Uma banda punk com gaita-de-foles e tin whistle? Uma banda americana que vai à Irlanda em busca das raízes da música? Uma banda que fala de copos e de farra, de amigos mortos e de intervenção? E que convida Shane MacGowan para os coros? Ken Casey, voz e baixo dos Dropkick Murphys, explica tudo.
Os Dropkick Murphys tocam esta semana, pela primeira vez, em Portugal. É no Hard Club, em Gaia, dia 30. E quem estará à espera de um concerto punk na linha de uns Offspring ou Pennywise, bem pode tirar o cavalo da chuva. No último álbum, «Sing Loud, Sing Proud», os Dropkick Murphys dão um salto de gigante em relação a «The Gang's All Here» (mesmo assim, e apesar de mais «normalizado», um dos melhores álbuns punk da fornada da última década nos States). Em «Sing Loud...», a banda de Boston junta à fúria das guitarras eléctricas e à pulsão da secção rítmica, doses certas de melodia celta - ou doses celtas de melodia certa -, ritmos (jigs e reels) irlandeses, instrumentos acústicos como o bandolim, a gaita-de-foles ou a tin whistle. O caso só não é original porque houve uma banda chamada Pogues (e as que a ela foram buscar inspiração). E os Dropkick Murphys sabem-no. Tanto que foram buscar o semi-morto Shane MacGowan para cantar (orgulhosamente) em dois temas do álbum (dois no vinil, só num no CD).
Ken Casey é simpático, de voz pausada e ideias firmes. Nota-se no sotaque um ligeiro toque irlandês, ele que é americano. Nesta conversa, Casey começou por explicar como é que uma banda punk americana se transforma numa banda «irish folk punk». «Quase todos nós nascemos em Boston, numa comunidade formada por descendentes de irlandeses. É natural que tenhamos curiosidade em conhecer as raízes da nossa cultura e da nossa música. Ouvi muita música irlandesa quando era miúdo, muitas vezes contra a minha vontade. Não gostava; estava mais interessado em ouvir grupos rock e punk. Mas à medida que fui crescendo, fui começando a gostar mais. Quando era adolescente - e principalmente quando comecei a beber álcool (risos) - descobri que a música irlandesa, afinal, não era assim "tão má"».
A inclusão de instrumentos e sonoridades irlandeses no som dos Dropkick Murphys foi, segundo Casey, um processo gradual. «Esse desejo já existe há vários anos. E desde o início que nós procurámos incluir outros instrumentistas na banda, mas até há pouco tempo nunca tínhamos conseguido que eles tocassem connosco a tempo inteiro. Para além disso, a maior parte dos músicos que conhecemos e que fazem música irlandesa têm cerca de quarenta anos e não querem tocar com uma banda punk. Só para este álbum conseguimos ter os músicos que nós queríamos».
A inclusão permanente de um gaiteiro/flautista, de um acordeonista e de um bandolinista deu à banda «muito mais liberdade para criar e experimentar, dentro de cada canção, também no sentido de podermos transpor para palco a sonoridade do disco». Ken Casey foi o produtor do disco - depois de em «The Dropkick Murphys» e «The Gang's All Here» essa função ter sido confiada a Lars Frederiksen, dos Rancid - e, para ele, foi fácil e divertido cruzar os diferentes instrumentos e sonoridades. «Acho que precisava de ser eu a produzir este disco. Não acho que a nossa sonoridade neste momento seja demasiado "intelectual" para o Lars, que continua muito nosso amigo, mas eu precisava de mexer pessoalmente no som. Este é um álbum de uma nova formação e precisávamos de ser nós a fazer o disco todo».
Pergunto-lhe se as letras e o imaginário (até na capa do disco) têm alguma coisa a ver com o nacionalismo irlandês. Ken diz que não: «Não, primeiro somos uma banda americana. Depois, "nacionalismo" é uma palavra que pode ser assustadora. O nosso imaginário tem mais a ver com uma homenagem às raízes do que com nacionalismo». Na mesma ordem de ideias, Ken admite a filiação de alguns membros da banda no movimento skinhead, mas recusa vigorosamente qualquer ligação com a extrema-direita: «O movimento skinhead começou por ser protagonizado por trabalhadores, operários, e começou por ser anti-racista, já que a música que se ouvia era essencialmente jamaicana. Só depois é que os fascistas se apropriaram de parte, diria uma pequena parte apesar da maior visibilidade nos meios de comunicação, do movimento. Temos músicos na banda - e algum público nosso - que são skinheads de esquerda, redskins anti-racistas e anti-fascistas».
Para Ken Casey, ter gravado com Shane MacGowan - a voz dos míticos Pogues, actualmente (quando os momentos de sobriedade o permitem) nos Popes -- «foi um grande motivo de orgulho. Ele é grande! Ele gostou muito da nossa maqueta da canção "Good Rats" e gravou a voz dele por cima. Estava um ambiente extraordinário; ele estava muito bêbado... (risos). O meu trabalho, durante a gravação foi servir-lhe de ponto, como no teatro, para as letras e segurar-lhe o cigarro na boca... (mais risos)». Os Pogues - até pelo seu cruzamento primordial entre a rudeza do punk e a pureza da música da Irlanda - são, sem dúvida, uma inspiração maior para os Dropkick Murphys. Mas há outras bandas que, no passado e no presente, marcam a música do grupo de Boston. Falo-lhe dos Clash. E Ken concorda, mas acrescenta mais nomes: «Os Clash?, sem dúvida. Até fizemos versões de temas deles. Mas também outras bandas britânicas da mesma altura como os Sham 69, Stiff Little Fingers, Buzzcocks, Angelic Upstarts...».
Curiosamente, apesar da filiação irlandesa da maior parte dos músicos da banda, o vocalista da banda, Al Barr (que substituiu Mike McColgan antes da gravação de «The Gang's All Here») tem origem escocesa e costuma actuar de kilt. Ken acha que, apesar das diferenças entre irlandeses e escoceses, «de facto temas raízes célticas comuns, mas o mais importante nem é isso... O que importa é que tanto uns como outros gostam imenso de beber álcool».
A conversa vira para o mote da canção «Fortunes of War». Diz Casey: «Essa canção é muito especial para nós porque é dedicada a um rapaz, a um punk, de uma pequena aldeia que foi assassinado há três anos porque os seus conterrâneos não aceitavam que ele fosse diferente. O que é incrível nesta história - para além do crime em si - é que nos velhos tempos os punks não eram aceites, mas na actualidade também não. O rapaz era visto como um "freak", no sentido de "esquisito", um "fora-da-lei". E ele foi assassinado por rapazes da mesma idade, jogadores de futebol americano. O gajo que o matou nem foi preso...». Antes da edição de «Sing Loud...», os Dropkick Murphys lançaram um split-álbum com os ingleses The Business, «Mob Mentality», em que, entre outras versões, reinterpretam «The Kids Are Allright», dos Who. Ken Casey recusa ligações ao movimento mod mas confessa que os Murphys são fãs de rock clássico: «Gostamos dos Who, dos AC/DC, de muitas coisas dos anos 60 e 70».
Para finalizar, pergunto a Ken o que é que aconteceu a James Lynch, guitarrista da banda que teve um acidente de automóvel, no dia 18 de Março, felizmente com consequências pouco graves. Ken ri-se e conta a história: «O James estava bêbado. Ele estava na parte de trás do carro e estava a gritar para o condutor: mais depressa, mais depressa. Então, abriu a porta e atirou-se para fora do carro. Fisicamente ele está quase bom; mas duvidamos que esteja bem mentalmente. Pelo menos, melhor do que já estava na altura do acidente» (risos)
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