21 agosto, 2006

Rachid Taha - A Música e a Luta


Uma frase dita por Ali Farka Touré citada no post anterior - «mais importante do que a música é a mensagem que ela carrega» - fez-me recuperar uma entrevista antiga (Junho de 2000) com Rachid Taha, o cantor argelino que, depois disso, editou os álbuns «Made In Medina» (ainda nesse ano), «Live» (ao vivo, 2001) e o espantoso «Tékitoi» (2004), disco em que colaboraram Steve Hillage e Brian Eno (álbum marcadamente político que incluía uma versão de «Rock The Casbah», dos Clash, rebaptizada «Rock el Casbah»). Já era tempo de ele voltar aos concertos no nosso país...


RACHID TAHA
VISTO DE RESIDÊNCIA

Quase a atingir os quarenta anos e com vinte de carreira musical, Rachid Taha - que actua no festival Cosmopolis, dia 1, no Tivoli - é uma espécie de apátrida em termos geográficos e musicais. Numa pequena entrevista ao BLITZ - ele que nasceu argelino mas vive em França desde criança e que, na sua música, mistura os cantos melismáticos do norte de África e o festivo rai com o rock, o tecno, o jazz, a house... - Taha diz que «o meu país é a minha música... e a minha música é o meu país».

Durante os anos 80, Rachid Taha pertenceu aos Carte de Séjour, grupo rock - com elementos étnicos incorporados - que incluía nas letras bastantes temas ligados à questão da imigração em França, um pouco à semelhança do que acontecia com os Mano Negra ou Les Négresses Vertes. No início dos anos 90, Rachid Taha encetou uma carreira a solo em que a direcção musical virou para a música de dança, mas onde as questões sociais e as influências da música do norte de África continuaram sempre presentes. O momento mais mediático que o rodeou foi o álbum assinado com outros dois nomes importantes do rai radicados em França, Khaled e Faudel, «1, 2, 3, Soleils». Pergunto-lhe se este disco, editado em 1998 e que já vendeu centenas de milhar de cópias, é uma espécie de frente comum magrebina, à imagem do que acontece em Londres com o «movimento» indiano/paquistanês de que fazem parte os Asian Dub Foundation, Transglobal Underground, Talvin Singh e Nitin Sahwney, entre outros. Taha diz que não: «Não acho que haja comparações. Há vinte anos que faço música com consciência da comunidade a que pertenço. "1, 2, 3, Soleils" é uma continuação lógica desse trabalho e dessa consciência. A comunidade indiana em Londres está atrasada em relação à comunidade argelina em França. Há muitas formas de reagir à política de imigração, quer em França quer noutros países, e a música é uma delas».

Em Rachid Taha, a música está muitas vezes ao serviço da mensagem, mesmo que isso não seja óbvio num primeiro momento: «A música, a cultura em geral, são armas poderosas. Prefiro fazer música do que pegar numa metralhadora. Esse disco com Khaled e Faudel é uma tentativa de, de uma forma moderna, transmitir mensagens que julgamos importantes. E isto é que é, de facto, ser moderno. Muitas vezes, na música de dança e na música electrónica o som é moderno mas o espírito é retrógrado». Para Taha, a situação dos imigrantes argelinos, marroquinos ou tunisinos em França não é muito diferente agora do que era há vinte anos. Diz ele: «Pessoalmente, estou-me nas tintas para pessoas como Le Pen. O perigo não vem dele. Ele é de extrema-direita, é fascista, mas nós sabemos que o é. O problema está nas pessoas que se situam num espectro político mais normal mas que são intrinsecamente racistas. As leis mais perigosas são as que saem do interior do sistema democrático e que afectam imediatamente os imigrantes a níveis básicos como o trabalho, a procura de casa, a educação, até o direito ao divertimento - os magrebinos e os negros não têm acesso a muitas discotecas, por exemplo».

No início dos anos 80, os Heaven 17, a propósito da canção «(We Don't Need) This Fascist Groove Thang», defendiam que se deve pensar - e tomar uma consciência política e social - enquanto se dança. Rachid Taha está de acordo: «É isso mesmo. Tenho uma frase que diz "je dance donc je pense". Posso dizer que essa é a base do meu trabalho». Confrontado com outra afirmação, esta de Talvin Singh, sobre a raiz comum da música do norte de África, da Índia e de muita da moderna música de dança que se faz hoje no Ocidente - as bases rítmicas contínuas, a busca de transe, a repetição de motivos melódicos -, Taha diz que «esta conversa está a ficar muito estranha... (risos). Isso que estás a dizer que o Talvin Singh disse, já eu o afirmo há muitos anos. O outro dia também estava a ler uma entrevista com o Carlos Santana e ele dizia coisas que eu já digo há muito tempo. Se calhar, a explicação é simples: os músicos que estão num país que não é o seu começam, em qualquer parte do mundo, a pensar de maneira semelhante e a pôr questões que outros músicos não põem».

O último disco de originais de Rachid Taha foi «Diwan», em que o músico está mais próximo do rai do que em outros álbuns a solo. O próximo («Made In Medina») sai em Setembro e, diz Rachid, foi gravado em Londres, Marrocos e Nova Orleães. Ele explica: «Há muita gente que fala em música trance. Eu prefiro, à ideia de transe, a ideia de música "xamânica"; música que enfeitiça. E, neste álbum, faço uma viagem que une vários pontos em que essa música se toca. África é a matéria-prima. Inglaterra é a indústria. Os Estados Unidos são a matéria-prima e a indústria». Quanto ao concerto em Lisboa, Rachid disse que «é preciso esperar». Mas há, pelo menos, uma certeza: «Danço logo penso logo danço logo penso...».

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