30 agosto, 2006

Tjak - Portugueses na Circum-Navegação


Uma aventura rara na música portuguesa foi encetada há alguns anos por três músicos, Gabriel Gomes, Victor Bandeira e Pedro Sotiry, reunidos no colectivo Tjak: fazer música electrónica envolvida em samples de músicas étnicas recolhidas em vários locais do globo. O resultado foi um álbum, «Viajando», e alguns concertos. Aqui fica uma entrevista e a crítica ao álbum, textos publicados originalmente no BLITZ em Novembro de 2003. É uma pena não se saber o que andam a fazer agora...


TJAK!

E, de repente, há um novo projecto nacional que cruza - com saber e respeito - as novas linguagens electrónicas com músicas e sons e ambientes vindos de África, de Bali (na Indonésia), do Tibete, da Amazónia. Na viagem embarcam Gabriel Gomes, Victor Bandeira e Pedro Sotiry. E o destino - por enquanto - é o álbum «Viajando».

Há um país imaginário, chamado Tjakistan, que é habitado por três músicos portugueses (ou então por milhões de pessoas em todo o planeta). E as fronteiras - linhas que «separam, mas também unem» - desse país começaram a ser desenhadas em 1960, quando Victor Bandeira começou a «recolher objectos de artes primitivas. Esses objectos estão todos no Museu Nacional de Etnologia. E também fiz gravações audio, filmes e fotografias para documentar as cerimónias a que esses objectos estavam associados. Esse trabalho esteve esquecido no Museu durante muitos anos, até que agora estes dois amigos [Gabriel Gomes e Pedro Sotiry] propuseram que me juntasse a eles para, a partir destes samples, fazermos música».

E a motivação primeira para a música dos Tjak «é a viagem motivada por esses sons. É essa a base de trabalho», diz Gabriel Gomes. «Algumas coisas estavam muito sujas, com muitos ruídos, e limpei-as». E Pedro Sotiry conclui: «Depois, era um jogo: o sample influenciava umas coisas e, depois, a evolução da música necessitava de outros samples de que íamos à procura. O que é curioso é que há carcterísticas comuns consoante as regiões: quase todos os samples vindos de África estão entre fá sustenido e si; os da Amazónia estão entre sol e dó. Há um ambiente harmónico comum a regiões definidas».

O território em que os Tjak se inscrevem - digamos, fusão de electrónica com world music (com as aspas todas nestas palavras todas) - não é virgem, mas também ainda não é muito explorado. «As únicas referências que nós tínhamos eram os Transglobal Underground, os Banco de Gaia... Pouco mais. As nossas grandes influências foram as nossas vivências musicais anteriores», dizem, acrescentando que «tudo isto foi um processo muito intuitivo. Há um álbum do Miles Davis, dos anos 70, o "On The Corner", em que usa sitar, tambura, tablas, mas reinventando a maneira de tocar desses instrumentos». E complementam um pouco mais da história do grupo: «Há dois anos atrás começámos a ensaiar por cima dos samples, a improvisar... Só depois arranjámos e estruturámos os temas. As nossas músicas não tinham 12 minutos; tinham 25, 30 minutos. Chegámos a fazer um espectáculo com temas muito longos. Os temas do disco são um concentrado daquilo que existia».

E que música é esta?... A resposta vem rápida e honesta: «Começámos como um projecto chill-out, mas apercebemo-nos ao longo dos espeectáculos que já não éramos chill-out, que aquilo que fazíamos provocava emoções. Pelo menos, as pessoas que estavam deitadas sentavam-se e olhavam para nós (risos)... E outras dançavam, o que não era o nosso objectivo inicial». Ao vivo, a música dos Tjak surge mais orgânica, mais viva, mais verdadeira. «Já tivemos o Pedro Wallenstein a tocar contrabaixo, um percussionista chileno, uma cantora [Carla Galvão]... Mesmo no disco, o acordeão do Gabriel [que se tornou conhecido como acordeonista dos Sétima Legião e, depois, dos Madredeus] está lá, embora embrenhado no resto da música. E tivemos o José Galissa, na kora, como um "sample vivo", e a Carla Galvão a cantar».

A questão que fica para o futuro é se os Tjak permenecerão sempre assim. Eles também não sabem. Mas têm algumas certezas: «Quando se acabarem os samples - e há ainda milhares de samples diferentes recolhidos pelo Victor -, ficará pelo menos um "país" que nós estamos a criar, o Tjakistan. Ainda não sabemos para onde vamos, mas vamos continuar a funcionar intuitivamente e sempre com a componente ao vivo como muito importante». Por outro lado, diz Gabriel, «convenci os Tjak a fazer um single, um tema de quatro minutos, ainda mais concentrado (risos). E vai haver remisturas de dança, feitas por mim. Vai ficar uma coisa mais pobre, mais minimal, mas não quero cair no foleirismo...».


TJAK
«VIAJANDO»
Tjakistan/Última

Electrónica com gravações de world music? Talvez, nem sempre, tem dias. Tem os (sempre) maus dias dos Deep Forest, mas os (quase sempre) bons dos 1 Giant Leap. Tem as remisturas feitas com estilo de temas de Nusrat Fateh Ali Khan pelos Massive Attack ou, mais recentemente, de brass-bands ciganas em «Electric Gipsyland», mas também há desastres como quando se mexe sem saber nem bom-gosto em temas dos Madredeus ou Cesária Évora. E há, em Portugal, experiências bem conseguidas como o projecto Megafone (de João Aguardela) ou os Sétima Legião do álbum «Sexto Sentido», estes dois trabalhando sobre recolhas de música tradicional portuguesa.

Agora, os Tjak - Gabriel Gomes (precisamente dos Sétima Legião - e ex-Madredeus, e d'Os Poetas e do Projecto OM..., aqui sem acordeão mas em sintetizadores e programações), Victor Bandeira (etnólogo e o «fornecedor» dos samples de músicas étnicas presentes no álbum) e Pedro Sotiry (ligado ao jazz e ao teatro, aqui em teclados e programações) - lançam «Viajando», um álbum em que a electrónica é entendida como uma base inventiva, pulsante, sempre activa, para músicas vindas da Ásia, África, América do Sul...

A música dos Tjak pode ser ouvida como chill-out - nada contra! - mas é mais, muito mais, um roteiro de viagens alternativas, onde uma trompete jazz pode coabitar com sons de pássaros e vozes vindas dos confins da China, e onde o ritmo é entendido como apenas mais um elemento dinâmico de toda a música. Os temas são muito longos, para dar espaço a todas as surpresas, as menores das quais não serão o extraordinário trabalho na kora do mestre guineense José Galissa ou a hipnose dada por um tema onde uma procissão de monges do Tibete encontra Sun Ra, uma banda funk em ácidos e o krautrock dos Can. (7/10)

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