18 agosto, 2006

June Tabor - N. Sra. da Folk


Comprei há muitos meses a caixa de quatro CDs «Always», de June Tabor, mas só agora tive tempo de a ouvir de seguida e na íntegra, com calma, paixão e disponibilidade mental. E é maravilhoso «assistir», assim, ao longo de mais de 60 canções, ao percurso da maior cantora folk das ilhas britânicas, a solo ou em múltiplas colaborações (com Martin Simpson, com Richard Thompson, com Maddy Prior nas Silly Sisters, com a Oysterband, com os Filarfolket...). Em sua honra, aqui fica a recuperação de uma entrevista publicada no BLITZ em Novembro do ano passado, a propósito da edição do seu álbum «At The Wood's Heart» e da sua vinda ao SET de Aveiro.


JUNE TABOR
O AMOR É UNIVERSAL

Mais do que uma cantora folk, June Tabor é uma cantora de todas as músicas, de canções de todos os tempos e lugares. E dos sentimentos, como o Amor, em «At The Wood's Heart», o seu novo álbum. Esta semana, June Tabor estará em Aveiro. Antes, falou ao BLITZ.

Em discos recentes cantou sobre rosas (em «Rosa Mundi») e sobre cavalos (em «An Echo of Hooves»). Agora, no seu novo álbum, «At The Wood's Heart», canta principalmente sobre o amor. Para si, o amor é mais como uma rosa ou como um cavalo?

Depende, se alguém estiver apaixonado por um cavalo... (risos). Mas, definitivamente, comparo mais o amor a uma rosa. À sua beleza mas também aos espinhos que nos ferem os dedos. A rosa é beleza e é sofrimento, tal como o amor... E «An Echo of Hooves» não era, na realidade, sobre cavalos. Eram contos e canções tradicionais de Inglaterra, Escócia, e muitas dessas canções falam, por coincidência, de cavalos...

Muitas das canções do seu novo álbum foram compostas há séculos. Acredita que o amor é um sentimento que se altera ao longo do tempo - de geração para geração, de século para século - ou nem por isso?

Não acredito que mude. A maneira como sentimos e escrevemos o amor ao longo do tempo tem sido sempre igual. Há quinhentos anos atrás era igual ao que é hoje: esta sensação de alegria, ansiedade, de sofrimento quando as coisas não correm bem. Pode-se falar do amor de maneiras diferentes, mas o sentimento é sempre o mesmo. E também é igual de país para país, de cultura para cultura, de língua para língua... E de pessoa para pessoa. Quando eu estou apaixonada, acredito que todas as pessoas apaixonadas tenham o mesmo sentimento que eu. É universal.

Na capa e no livreto do disco, há fotos de um jardim, anjos, uma imagem de Buda. Mas o álbum não fala só de paz e harmonia...

Não. Na realidade, essas fotos foram tiradas perto da casa em que o álbum foi gravado e são uma maneira de mostrar o lado bom do amor. E há canções no álbum que falam da alegria e da paz que uma pessoa sente quando o amor dá certo. Como diz a primeira canção, «The Banks of the Sweet Primrose»: não desesperes, por muitas nuvens que haja de manhã, o sol está aí e há-de aparecer...

Porque é que incluiu neste álbum algumas canções mais contemporâneas como um tema de Duke Ellington, «Do Nothing 'Til You Hear From Me», ou um do francês Gabriel Yacoub, «Les Choses les Plus Simples»?

Não dou muita importância a de onde vêm as canções. Não têm que ser canções tradicionais... Se contarem uma boa história, se forem boas, se me disserem algo importante, eu canto-as. Podem ser canções de diferentes estilos, podem ter um ano ou quinhentos anos. E, depois, faço-as minhas - porque também passam a fazer parte de mim e dão-me tanto - e transmito-as à minha maneira às pessoas que me ouvem...

Tive exactamente essa sensação quando ouvi a sua interpretação de «Heart Like a Wheel», de Anna McGarrigle. Parece que aquela canção foi feita a pensar na sua voz...

Essa canção começou, de certa maneira, a fazer parte de mim e eu a fazer parte dessa canção. A Anna McGarrigle escreveu «Heart Like a Wheel» muito tempo antes de nós nos conhecermos, mas é uma canção tão forte, sobre o amor, sobre a dor que o amor provoca no coração, que quando eu a ouvi senti-a como minha. É uma canção muito pessoal da Anna, mas senti que houve ali uma transferência...

Há pouco mais de um ano gravou uma versão - com a Oysterband (para o álbum «The Big Session») -, de «Love Will Tear Us Apart», dos Joy Division. Acha que essa canção também encaixaria bem em «At The Wood's Heart»?

Sim, absolutamente. Se não a tivesse gravado nessas sessões [Nota: que juntaram, para além da Oysterband e Tabor, o duo americano The Handsome Family e Jim Moray, entre outros], de certeza que a incluiria neste álbum. É uma canção extraordinária. Há milhões de canções sobre o amor e só algumas que dizem algo que ainda não tinha sido dito antes. «Love Will Tear Us Apart» é uma delas. E sempre que oiço essa canção descubro uma coisa nova...

Neste álbum tocam alguns músicos fantásticos como Martin Simpson [guitarrista que colaborou com June Tabor em álbuns emblemáticos da cantora nos anos 80, como «A Cut Above», «Abyssinians» e «Aqaba»] ou Andy Cutting [em concertina]. É importante estar sempre rodeada pelos melhores músicos?

Oh sim! E tenho tanta sorte por poder trabalhar com estes músicos tão bons... O que eles fazem é tão ou mais importante do que aquilo que eu faço. O seu contributo, o que eles trazem para a minha música, é fundamental. Eu preciso dos melhores para o meu trabalho e tenho os melhores... Não destaco ninguém - porque eles são todos tão bons - mas a maneira como eles se preocupam comigo, o seu modo de me envolverem instrumentalmente, é algo de maravilhoso.

Numa entrevista recente, Martin Simpson disse: «Com June Tabor aprendi a flexibilidade. Quando se trabalha com uma cantora tão boa quanto June, não se fazem perguntas sobre o que ela vai fazer a seguir. Ela tem uma maneira de cantar "desacompanhada" » [desacompanhada no sentido de livre e difícil de acompanhar instrumentalmente]». Concorda com ele?

Sim (risos). É verdade que tenho esse lado do improviso e do imprevisto. Quando começo a cantar, o instrumentista tem, às vezes, que ir atrás de mim. Mas um bom músico acompanhador, e o Martin é um guitarrista que já me acompanhou muitas vezes, pode adivinhar as mudanças que eu vou fazer. Às vezes não é só ouvir, é olhar: posso fazer um movimento quase imperceptível com o peito e ele e os outros músicos que me acompanham percebem o que vou fazer a seguir. É uma grande arte, da parte deles. E são raros os músicos assim...

Este ano editou uma caixa com quatro CDs, «Always». Acha que é uma boa fotografia - ou um bom filme - da sua carreira?

Oh sim! E é importante porque mostra muitas coisas que não estão nos meus álbuns, principalmente as diferentes interpretações de canções em concerto. Os concertos são uma realidade diferente do meu trabalho porque, ao vivo, as canções mudam. A minha interpretação, os músicos envolvidos... E é uma edição que me deixa muito orgulhosa!

Falou agora mesmo da importância dos concertos: o que é que podemos esperar do seu concerto em Aveiro?

Vou cantar algumas canções do novo álbum mas também canções que gravei anteriormente e algumas que não se encontram em disco nenhum. E vão estar comigo alguns dos músicos que gravaram o álbum: Huw Warren no piano, Andy Cutting na concertina, Mark Emerson em violino e viola d'arco e Tim Harries em contrabaixo. Estamos a preparar um alinhamento especial, com algumas coisas inesperadas, especialmente para Portugal.

No passado teve alguns projectos lendários como a sua antiga colaboração com a Oysterband ou o duo Silly Sisters, com Maddy Prior. Há algumas coisas diferentes que queira fazer no futuro?

Gostava de voltar a cantar com um grupo a capella masculino, Coope, Boyes & Simpson, com quem trabalhei uma vez no passado. São um grupo espantoso, de três vozes masculinas, e resultou muito bem. Gostava de fazer mais coisas com eles porque foi uma experiência especial. E gostava de trabalhar novamente com uma orquestra, num projecto que junta canções, poemas e narrativas do sudoeste de Inglaterra. E mais coisas. Ainda tenho tantas coisas para fazer...

3 comentários:

Anónimo disse...

Só agora é que vi este artigo e só escrevo isto porque acho estranho não haver um único comentário sobre tão sublime intérprete/cantora. Andará tanta gente distraída? E, já agora (a talho de foice) será só impressão minha ou, no último CD,a Amélia Muge menos arrojada formalmente e que se dedicou a compor e interpretar três inesquecíveis e doridas canções clássicas está cada vez mais parecida com a June Tabor?

António Pires disse...

Rui G:

Acho que ninguém comentou na altura porque estava toda a gente de... férias :) E é capaz de ter razão nisso da Amélia Muge, se bem que a June Tabor seja, bem... a June Tabor!!! No sentido de ter uma carreira longuíssima, uma produção discográfica enorme e prodigiosa e inúemras colaborações inesquecíveis...

Anónimo disse...

Sem dúvida, sem dúvida. Também já tive o prazer de escutar com a devida atenção a caixa «always» e é merecedora de toda a veneração, por ser não só uma óptima introdução à música de June Tabor, como também um magnífico complemento. P.S. E fico agradecido pela sua resposta